Tensões roubam a cena nos bastidores do Carrefour

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A transformação da gigante de varejo francesa Carrefour está prestes a se cristalizar na assembleia de acionistas de amanhã com o desmembramento de sua divisão de supermercados barateiros.

 

Nos bastidores, a empresa está bastante confusa, com agendas divergentes entre seus diretores e conselheiros desde a reestruturação acionária realizada há quatro anos.

 

O conselho, influenciado pelo magnata dos artigos de luxo Bernard Arnault e pela firma americana de private equity Colony Capital, que juntos compraram uma participação de 14% e três assentos no conselho a partir de 2007, tem feito pressão para conter a desvalorização das ações com a venda de ativos. De acordo com várias entrevistas com pessoas próximas à empresa, isso tem sido uma distração para a diretoria em meio ao programa de 1,5 bilhão de euros (US$ 2,15 bilhões) para reativar a cadeia de hipermercados, principal negócio do Carrefour.

 

As ações agora valem menos da metade do pico atingido em abril de 2007, quando Arnault e o Colony entraram na empresa. Na semana passada, o Carrefour informou que os lucros do primeiro semestre na França, país que respondeu por 39% dos 90 bilhões de euros em faturamento no ano passado, vão cair 35% em relação a um ano antes.

 

O conflito pode resultar na perda de posição do Carrefour como a segunda maior rede de varejo do mundo em vendas, depois do Wal-Mart Stores Inc. Tirando-se a rede de supermercados de desconto Dia, cujo desmembramento na bolsa de Madri está previsto para o mês que vem, o pico das vendas do Carrefour já teria sido atingido no ano passado. Nos últimos anos, o Carrefour tem perdido participação de mercado em mercados em expansão como o Brasil, onde a rede caiu do segundo para o quarto lugar entre 2005 e 2010, de acordo com a firma de pesquisa de mercado Euromonitor.

 

A perda de fôlego das operações do Carrefour poderia levar a um enxugamento ainda maior da empresa. A varejista está negociando com o presidente do conselho da gigante de varejo Companhia Brasileira de Distribuição, ou Grupo Pão de Açúcar, para uma possível fusão das operações na maior economia da América Latina, de acordo com pessoas próximas ao assunto. No ano passado, o Carrefour vendeu os ativos na Tailândia, e está aberto a vender outras operações, como na Malásia, de acordo com pessoas próximas à empresa.

 

"Há um risco claro" de desmantelar o grupo, disse o analista Christopher Hogbin, da Sanford Bernstein. "A venda de ativos em mercados emergentes de rápida expansão aumenta a exposição do Carrefour a países europeus com crescimento mais fraco."

 

Uma porta-voz do Carrefour disse que a empresa não tem interesse em vender os negócios na Malásia.

 

Nos últimos meses, a tensão tem sido palpável. Um dos membros independentes mais respeitados do conselho, Jean-Martin Folz, renunciou em março quando o conselho aprovou um plano para separar a empresa em três. Dois altos executivos saíram do Carrefour, depois de um ano na empresa. Empregados fizeram greve, deixando os caixas das lojas sem ninguém.

 

A Knight Vinke Asset Management LLC, acionista ativista que tem 1,5% do Carrefour, no mês passado acusou a companhia de "desviar" da estratégia. "O maior problema do Carrefour é o de governança", disse o diretor-presidente Eric Knight.

 

O principal motivo de disputa nos últimos anos tem sido sobre as propriedades do Carrefour, que atraíram o interesse do Colony Capital porque o fundo pensou que o valor dos ativos não estava refletido no preço da ação.

 

Quanto o Colony e o bilionário Arnault, presidente do conselho da LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton SA, investiram em 2007, compraram ações do Carrefour a pouco mais de 50 euros cada. Semana passada, elas caíram para menos de 26 euros.

 

Os novos acionistas, operando sob a razão social Blue Capital, começaram já mesmo em 2007 a pressionar para que uma nova diretoria assumisse a divisão responsável pelos imóveis e a preparasse para venda. A estimativa do Carrefour era de que o valor dos ativos somava até 20 bilhões de euros; a Colony calculava 30 bilhões de euros.

 

Um ano depois, com a reviravolta causada pela crise de hipotecas de alto risco, o conselho suspendeu os planos de vender uma parte da divisão imobiliária - e o diretor-presidente na época, José Luis Durán, perdeu o emprego depois de uma série de revisões das previsões de lucro.

 

O ex-executivo da Nestlé SA Lars Olofsson assumiu o comando em janeiro de 2009 com uma ideia em mente: reverter as fracas vendas nos hipermercados do Carrefour na França, lojas enormes que vendem de tudo, desde baguetes até bicicletas. Desde então, ele embarcou numa renovação e reorganização ambiciosas para atrair mais consumidores.

 

Olofsson diz que deixou claro ao conselho, quando estava sendo entrevistado para o cargo, que vender imóveis não seria sua prioridade. "Eu li bastante sobre engenharia financeira e engenharia imobiliária, e não tem a ver comigo", disse numa entrevista em setembro passado.

 

Conforme a recuperação das bolsas este ano levava o Carrefour a tentar tocar reformas em atraso, os conflitos aceleraram. Em março, Olofsson anunciou a separação de 25% da unidade imobiliária. Mas só depois de dois meses ele contou ao conselho que os negócios do Carrefour na França - que respondem pela maior parte dos aluguéis da divisão imobiliária - não estavam indo bem, de acordo com pessoas próximas à situação. A porta-voz do Carrefour se recusou a comentar o assunto.

 

Quando Olofsson informou o conselho, este suspendeu imediatamente o desmembramento e recomendou ao diretor-presidente que demitisse o responsável pelos negócios na França. Na semana passada, Olofsson nomeou um veterano do Carrefour para comandar as operações francesas, mas disse que vai continuar supervisionando a unidade.

 

Olofsson não quis ser entrevistado para este artigo. O Blue Capital também se recusou a fazer comentários.

 

O desmembramento do Dia também gerou criticismo. O plano de se desafazer da rede foi aprovado por unanimidade pelo conselho em 2008, de acordo com pessoas próximas ao assunto, porque não havia sinergias com a controladora. Folz, o membro independente do conselho, renunciou após contestar o mantra dominante da diretoria de que os recursos da venda deveriam ir para os acionistas em vez de voltar para o caixa do Carrefour, de acordo com pessoas próximas à situação. Folz não quis comentar a informação.

 

O Carrefour vai enfrentar outras questões na assembleia de amanhã. O varejista está fazendo negócios com os membros de seu conselho, um assunto que tem levantado questionamento por parte de representantes dos acionistas. Por exemplo, o Carrefour revelou ter assinado um contrato de aluguel de 12 anos de um edifício que pertence ao Colony, que vai receber 21 milhões de euros por ano pelo contrato.

 


Veículo: Valor Econômico


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