Vender para grandes redes exige cautela e criatividade
Estar nas prateleiras dos grandes supermercados é o sonho de boa parte dos pequenos e médios empreendedores. O caminho para chegar até as gôndolas das lojas do varejo é árduo, mas quando percorrido com cautela e com uma boa dose de criatividade pode ser vantajoso. Além de visibilidade, ter um parceiro consolidado no mercado ajuda a conquistar novos clientes e a trazer respeito à marca, o que pode aumentar as chances de sucesso.
Meses antes de o Walmart abrir a sua primeira loja no Brasil, em 1995, Luiz Galhardi, 50 anos, resolveu tentar fornecer à rede buchas vegetais que sua empresa, a Orgânica, fabricava. Na época, termos como sustentabilidade e biodegradável não faziam parte da preocupação das companhias e dos consumidores, mas o empresário acreditava que esta era sua vantagem competitiva. Estava certo. Logo na primeira reunião fechou contrato. "Fui com a cara e com a coragem procurá-los porque sabia que meu produto era diferenciado", lembra Galhardi. "Vislumbrei a chance de crescer junto com eles quando aumentassem o número de lojas".
Hoje, além do Walmart, a Orgânica fornece para varejistas como Pão de Açúcar, Mango e Pastorinho. Entretanto, apesar de ter obtido sucesso, Galhardi afirma que as negociações são difíceis. Os pequenos produtores não têm poder de barganha como, por exemplo, as grandes multinacionais, e a concorrência é pesada. "Em geral, a margem é pequena e o empreendedor ganha no volume das vendas", diz ele. "É preciso ter um estoque bem-estruturado para dar conta da quantidade de pedidos porque a maioria dos contratos prevê multa salgada caso as mercadorias não sejam entregues. Por isso, antes de fechar negócio é importante calcular riscos e avaliar se as condições impostas valem a pena". Fundada há 20 anos, a Orgânica tem 60 funcionários, fatura anualmente R$ 12 milhões e fabrica, além das buchas vegetais, um mix de 200 produtos de higiene e beleza. A meta agora é investir nas redes menores para aumentar a rentabilidade, já que com elas as negociações costumam ser mais igualitárias.
Quando montou em casa a Nut Biscoitos, em 1996, Cecília Cantacci, 54 anos, não imaginava que após 15 anos estaria presente em 20 lojas do Pão de Açúcar. No princípio, a produção do Amaretto, típico biscoito italiano, destinava-se basicamente a conhecidos, restaurantes e a pequenos empórios. A mudança de rumo ocorreu por acaso, em 1999. Uma gerente do Pão de Açúcar provou o Amaretto em um jantar, gostou e foi atrás de Cecília para saber se ela tinha interesse em fornecer para a rede.
"Eles estavam montando nas lojas de bairros mais nobres espaços onde seriam vendidos snacks, pão de queijo e docinhos", diz a empresária. "Queriam servir o biscoito para acompanhar o café. Como meu produto era exclusivo e o interesse inicial partiu deles, pude negociar preços mais vantajosos. Se a mercadoria é realmente boa, a briga não é tão pesada. Eles sabem que se não comprar de você não encontram substituto. Mesmo assim, não fui com sede ao pote e tive calma antes de aumentar o número de lojas parceiras. Eles queriam que eu adotasse uma postura mais agressiva, mas ainda não tinha uma estrutura que me permitisse produzir em larga escala".
Cecília diz também que o segredo para manter os contratos é o atendimento. "A concorrência é grande e não há espaço para todos os fornecedores. Qualquer deslize pode ser motivo para acabar com a parceria. Eu me preocupo com o relacionamento cordial, higiene e qualidade. Não adianta usar uma farinha mais barata achando que o cliente não vai perceber porque ele vai", diz ela. A empresa fabrica cerca de 5 toneladas de biscoitos por mês e tem clientes como Outback, Starbucks, Empório Santa Luzia, América, Fasano e McCafé. Está nos planos a criação de uma loja própria e ampliar a linha de brindes empresariais.
A parceria entre a proprietária da Frutos da Amazônia, Iolane Tavares, 49 anos, e o Pão de Açúcar também começou após a marca ficar conhecida entre donos de cafés, empórios e hotéis. A empresa fabrica chocolates, geleias, biscoitos e panetones com ingredientes típicos da região norte como açaí, cupuaçu e graviola. Ao fundar a empresa em 1995, Iolane tinha em mente criar um negócio que não gerasse grande impacto ambiental e proporcionasse trabalho às comunidades da Floresta Amazônica, através de associações com pequenos agricultores. A filosofia da empresa e o capricho na produção agradaram ao Pão de Açúcar e em 2005 a Frutos da Amazônia passou a fazer parte do time de fornecedores do supermercado. Atualmente a marca está presente em todas as lojas do Estado de São Paulo.
"Entrar na rede nem é o mais complicado", diz Iolane. "O difícil é ter fôlego para permanecer. Não há espaço para ingenuidade. É fundamental saber jogar o jogo. Quando um produto não vende, o gestor da loja pede para trocar por outros com prazo de validade maior, e o ônus acaba nas mãos do fornecedor. Ao perceber isso, fiz uma adaptação nas receitas para que a vida nas prateleiras fosse mais duradoura, o que diminuiu as perdas". Segundo ela, é importante fazer ações contínuas nos pontos de venda e verificar se a mercadoria não está abandonada, se está posicionada no local combinado e se a área está limpa e organizada. "Todos esses fatores influenciam a decisão do consumidor no momento da compra", diz Iolane. A Frutos da Amazônia fatura R$ 1,5 milhão ao ano.
Nem mesmo uma série de "nãos" fez a empresária Cristiane Aguiar, 40 anos, dona da Beiruthe pães, desistir de negociar com o supermercado Pastorinho. Embora estivesse presente em diversas lanchonetes e restaurantes da capital paulista, o objetivo da empresária era diversificar os canais de vendas. Entrar no Pão de Açúcar foi fácil porque ela já tinha uma rede de relacionamento que facilitou o primeiro contato com as pessoas certas. "No Pastorinho foi complicado. Foram muitas reuniões, mas, como eles queriam um preço bem abaixo do que o meu, acabávamos não chegando a um acordo", conta Cristiane. "Até que montei uma estratégia. No começo topei fazer praticamente a preço de custo. O ganho era bem reduzido. Podia me dar a esse luxo porque tinha outros clientes. Assim que o pão começou a vender bem e se tornou conhecido dos consumidores, passei a pedir reajuste dos preços. Eles viram que o produto tinha boa saída e concordaram em rever valores". Fundada em 2005, a Beiruthe Pães tem cerca de 500 clientes fixos, vende cerca de 35 mil pacotes de pão árabe por mês e fatura R$ 1,7 milhão por ano. No curto prazo, a meta é investir em maquinário e aumentar a capacidade produtiva do negócio.
Veículo: Valor Econômico