Para ter fusão aprovada, dona de Sadia e Perdigão vende 30% de sua produção no país, mas avança no plano de internacionalização
Dona da Seara ganha 12% de participação de mercado; em troca, Marfrig transfere ativos no exterior
A Marfrig, dona da marca Seara, fechou ontem acordo para comprar os ativos da BRF-Brasil Foods colocados à venda para que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aprovasse a fusão Sadia/Perdigão.
O negócio prevê a transferência de marcas, fábricas, centros de distribuição e granjas da BRF para a Marfrig, sua principal rival. Os ativos correspondem a 30% da capacidade atual de produção da BRF no Brasil.
Em troca, a Marfrig vai transferir para o concorrente todos os ativos relacionados à marca Paty, líder em hambúrgueres na Argentina, operações comerciais no Uruguai e Chile, granjas e propriedade rural em Mato Grosso, além de R$ 200 milhões.
"Para nós, os ativos mais importantes que passam para as mãos da Marfrig são as marcas e o 'market share' de 12% que elas representam", afirmou à Folha Marcos Molina, presidente da Marfrig.
Além de ampliar a gama de produtos em segmentos em que já está presente, como o de aves, a Marfrig passa a ter novos produtos em seu portfólio, como margarinas.
Molina preferiu não detalhar o valor dos ativos envolvidos e em quanto o faturamento da companhia aumenta após a transação. Mas estimativas apontam ganhos para a empresa no país.
Segundo o analista Cauê Pinheiro, da corretora SLW, com a aquisição, a Marfrig eleva em cerca de 50% o faturamento da Seara, sua divisão de aves, suínos e processados. O cálculo se baseia no valor divulgado pela BRF para perda de receita com a venda dos ativos, de R$ 1,7 bilhão, e uma estimativa de faturamento para a Seara entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões.
Segundo Gabriel Lima, analista do Barclays, a transação aumenta o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da Brasil Foods em 3%, e o da Marfrig, em 13%.
Por outro lado, com o acordo, a BRF avança no seu projeto de internacionalização, que se tornou prioridade após a aprovação da fusão, e põe em prática o seu plano de trocar capacidade no mercado interno, onde tem limitações para crescer, por produção no exterior. "Estava claro que, após a venda, a BRF iria às compras no exterior. Com essa troca de ativos, ela pulou uma etapa", diz Renato Prado, da Fator Corretora.
As ações da Marfrig fecharam em alta de 3% ontem. As da BRF caíram 2,5%.
Cade dá sinal verde a negociações da BRF
Conselheiro do órgão que regulamenta concorrência não vê impedimento à troca de propriedades onde há concentração
Será feita análise sobre granjas e propriedades em Mato Grosso, onde participação da BRF em suínos é grande
Consultado pelas empresas, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) disse, a princípio, não ver problemas concorrenciais no acordo anunciado entre a BRF-Brasil Foods, resultante da fusão Sadia/Perdigão, e a Marfrig, dona da Seara.
Em julho, após o conselheiro relator votar pela dissolução da fusão Sadia/Perdigão -que concentraria mercado demais na mão de uma só empresa-, a BRF negociou com o conselho um acordo pelo qual, em troca da aprovação do negócio, venderia a uma mesma empresa um pacote de ativos, além da suspensão, por até cinco anos, do nome Perdigão em mercados como lasanha e pizza congelada.
Ontem, as duas empresas anunciaram que os ativos da BRF seriam trocados por ativos da Marfrig na Argentina, no Uruguai e no Chile, além de propriedade rural e granja de suínos em Mato Grosso e R$ 200 milhões.
Enquanto o mercado era informado da operação, o vice-presidente de Assuntos Corporativos da BRF, Wilson Mello, e o presidente da Marfrig, Marcos Molina, reuniam-se com integrantes do conselho para detalhar o acordo.
Responsável pela negociação do termo de compromisso assinado pela BRF, o conselheiro Ricardo Ruiz disse à Folha que, inicialmente, não há impedimentos ao negócio.
"O modelo geral, que é essa troca de ativos onde há problemas concorrenciais por outros onde não há, é razoável para o cumprimento do termo de compromisso. Demos o sinal verde para as empresas prosseguirem as negociações", afirmou.
O conselheiro ressaltou, porém, que será necessária uma análise dos detalhes do acordo para garantir que ele não prejudica a concorrência.
O ponto que será visto com maior atenção serão justamente as granjas e propriedades em Mato Grosso, para verificar se isso não aumenta demais a participação que a BRF já tem nesse mercado -o mercado de suínos é uma das áreas em que a empresa terá que se desfazer de bens.
Para Ruiz, a transferência do pacote de ativos à Marfrig não dará à empresa uma concentração de mercado muito grande, porque a participação dela no segmento afetado é "modesta".
Para o advogado José Del Chiaro, fundador do Ibrac (Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência), a operação é positiva do ponto de vista concorrencial.
"Uma empresa estruturada, como a Marfrig, tem mais condições de contribuir para o desenvolvimento do mercado e para a formação de um rival à altura da BRF", diz.
Nos próximos dias, as empresas enviarão ao Cade documentos detalhando os pontos do acordo.
Veículo: Folha de S.Paulo