O interesse do consumidor brasileiro por novas tecnologias é bem conhecido, mas um levamento recente da empresa de pesquisa Nielsen, antecipado ao Valor com exclusividade, mostra o quanto essa avidez pode surpreender: no primeiro semestre, as vendas de tablets no país cresceram 400% em número de unidades em relação ao mesmo período do ano passado - um volume elevado, mesmo considerando a relativamente modesta base instalada. No segmento de smartphones, mais disseminados entre o público, as vendas aumentaram 121%.
O ritmo acelerado de vendas mostra que os dois dispositivos estão funcionando como uma ferramenta de inclusão digital de uma parte considerável dos consumidores brasileiros, que não querem - ou não podem - gastar com um computador convencional, diz Thiago Moreira, diretor de pesquisa de telecomunicações da Nielsen.
Nesse cenário, preço é um fator fundamental. A pesquisa da Nielsen detectou que o valor médio de um tablet no primeiro semestre foi de R$ 550, quase a metade dos R$ 990 registrados no mesmo período do ano passado. A queda ocorreu mesmo com a valorização do dólar, uma aparente contradição explicada pelo lançamento de modelos mais baratos, com conexão Wi-Fi - padrão sem fio pelo qual o usuário não paga nada, dependendo de onde estiver - e telas menores. Muitos desses modelos têm produção local e recebem incentivos fiscais, por isso custam menos. E não se está falando da Apple, cuja produção no país é feita em Jundiaí (SP), em regime de produção terceirizada pela taiwanesa Foxconn. No segmento de tablets concorrem muitas empresas brasileiras, que compram kits na Ásia e montam os equipamentos no país. Exemplo disso é que uma das maiores vendedoras de tablets do país é a DL Tecnologia, de Minas Gerais.
No mundo da tecnologia, é comum os produtos chegarem ao mercado a preços altos, baixando rapidamente até se estabilizarem. Os tablets estão chegando nesse ponto e a tendência é que fiquem no patamar atual, por pouco mais de R$ 500, diz Moreira.
Os números da Nielsen medem exclusivamente os dispositivos vendidos no varejo, o chamado 'sell out'. Não entram na conta aparelhos oferecidos por operadoras de telefonia diretamente a seus clientes.
No caso dos smartphones, o crescimento acelerado levou os dispositivos a representarem 28% de todos os celulares vendidos no país no período, mais de duas vezes os 12% registrados no mesmo período do ano passado.
Esse movimento é resultado de duas tendências, diz Moreira. Quem tem um celular básico está optando por um smartphone na hora de comprar um aparelho novo, aproveitando seus recursos mais avançados, como o acesso à internet e a facilidade de adquirir aplicativos a preços baixos nas lojas on-line dos fabricantes dos aparelhos. As pessoas que já usam um smartphone não dão um passo atrás e também substituem o aparelho usado por outro da mesma categoria ou até mais caro e avançado. Como resultado dessas dinâmicas, as vendas dos 'feature phones' - como são chamados os telefones mais simples - tem caído, puxando os números da categoria geral de celulares para baixo. O recuo no primeiro semestre foi de 7,3%.
Ao contrário dos tablets, o preço médio dos smartphones aumentou no período, chegando a R$ 650. No ano passado, o valor era de R$ 614. A principal razão do aumento é o câmbio. Entre os tablets, a enxurrada de produtos mais baratos e de tamanhos diferentes driblou os efeitos do dólar mais alto, em meio a um cenário de concorrência agressivo. No caso dos smartphones, o mercado já era maduro, com preços estáveis. Por essa razão, o efeito cambial foi mais forte.
A competição dos dispositivos móveis não se desenrola apenas entre os fabricantes dos aparelhos. Paralelamente, há uma guerra dos sistemas operacionais - os softwares básicos dos equipamentos. O sistema Android, do Google, domina tanto o mundo dos smartphones quanto o dos tablets. Nesse último, a participação chegou a 94,9% do total. O restante ficou com o iOS, da Apple.
Nos smartphones, o Android ficou com 92% do total, acima tanto dos 77% registrados no primeiro semestre de 2012, quanto da participação de 81,8% registrada no fim do ano passado. O crescimento acelerado nos últimos três anos é resultado do grande número de modelos disponíveis no varejo, lançados por diversos fabricantes e sob diferentes faixas de preços - principalmente os modelos destinados ao segmento mais baixo. O iOS perdeu mais da metade de sua participação, ficando com 3,3% do mercado. O Windows Phone, da Microsoft, que praticamente não tinha expressão, passou a ocupar 3% de participação.
As vendas de aparelhos com Windows Phone têm sido impulsionadas pela Nokia, fabricante que mais investe no sistema no Brasil. A Samsung tem apenas um modelo com o sistema, enquanto a HTC e a Huawei, que também oferecem celulares com Windows no exterior, não têm esse tipo de produto no país.
Para Moreira, o avanço do sistema da Microsoft é interessante, mas a dúvida é se o Windows Phone terá condições de sustentar o crescimento nos próximos meses. No quarto trimestre, começam a ser vendidos no Brasil telefones com o sistema Firefox OS, da fundação Mozilla, dona do navegador de internet homônimo, em parceria com operadoras como a Telefónica.
A avaliação é que as teles farão um esforço grande para propagar o novo sistema Firefox - cujo desenvolvimento é compartilhado entre várias empresas - para reduzir a dependência do Android, que está associado exclusivamente ao Google. Nesse processo, o crescimento do Windows Phone, outro sistema ligado a uma única companhia, pode ficar ameaçado.
Veículo: Valor Econômico