O consumo cresceu, em 10 anos, quatro vezes mais do que a produção industrial
Sonia Filgueiras
Nos últimos dez anos, o consumo cresceu quatro vezes mais que a produção industrial. De 2004 a 2013, a produção física da indústria, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), expandiu-se apenas 18%. Em contrapartida, o consumo medido pelas vendas reais do comércio cresceu, no mesmo período, 97%. A lacuna entre um indicador e outro — que registrou uma ampliação contínua — foi preenchida por bens importados. A conclusão está no estudo “O Brasil diante do risco da desindustrialização e suas consequências”, realizado pelo consultor e professor da PUC-SP Antônio Correa de Lacerda, para o Sindicato dos Engenheiros no Estado de S. Paulo (Seesp). Para Lacerda, o dado é uma demonstração eloquente da perda de competitividade da indústria brasileira e causa principal da atrofia do setor como percentual do PIB. “Há uma desindustrialização precoce ocorrendo na economia brasileira”, afirma o economista.
Os dados mostram que a expansão dos importados se dá em uma situação de sobra da capacidade instalada nas fábricas. Ou seja, ela não ocorre por insuficiência na produção industrial brasileira para suprir a demanda interna — motivo econômico mais comum para este tipo de situação, que ocorre quando consumo e crescimento são fortes. “Os produtores locais não conseguem concorrer em igualdade de condições com os seus concorrentes de outros países”, aponta Lacerda. O fenômeno vale para bens de consumo em geral, inclusive os chamados bens de capital, utilizados na produção de outros bens. Em números: no caso dos bens de capital, a participação dos importados cresceu de 52% em 2007 para 66% em 2013, e o setor apresenta um nível de ocupação de 75% — ou seja, trabalha com uma ociosidade de 25%.
“Há três grupos de problemas: o primeiro é macroeconômico — câmbio ainda apreciado, juros altos e carga tributária; o segundo envolve as políticas industriais e de defesa da concorrência; o terceiro, a atuação das próprias empresas para elevar sua produtividade”, analisa Lacerda. Ocorre que os preços do primeiro grupo estão desajustados. “Ações nos outros grupos, como a política de desonerações tributárias do governo, não são capazes de compensar o estrago causado pela taxa de câmbio apreciada e pela taxa de juros elevada. Estamos fora da disputa”, aponta o economista.
Além da perda de espaço interno, há a conhecida perda no mercado externo. De acordo com os dados reunidos por Antônio Correa de Lacerda, o déficit da balança comercial brasileira de produtos manufaturados praticamente triplicou nos últimos cinco anos, chegando a US$ 104,3 bilhões em 2013. “Trata-se de uma crescente ampliação da dependência de importados e uma perda de capacidade de exportação. Nossa geração de superávit comercial está cada vez mais restrita aos produtos básicos (o complexo agromineral) e aos semimanufaturados”, ressalta o economista. A indústria brasileira de bens de capitais mecânicos (uma importante subcategoria dos bens de capital), por exemplo, vem perdendo terreno em especial para os fabricantes chineses, cuja participação dobrou (de 8,2% para 16,6%) de 2007 a 2012. Hoje, a China ocupa o segundo lugar no rol dos países de origem dessas importações, somente sendo superada pelos EUA. “Vale destacar que, computadas as importações por peso, a China atinge o primeiro lugar, denotando clara distorção de preços praticados. É algo que tem que ser objeto de práticas de defesa comercial, pois há fortes indicadores de práticas desleais de comércio”, analisa ele.
Lacerda refuta uma das explicações mais frequentes no meio econômico para o encolhimento industrial brasileiro, segundo a qual a desindustrialização — a redução da presença da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) — seria um fenômeno natural do processo de desenvolvimento econômico já observado em países desenvolvidos. O mais adequado, segundo ele, é comparar o Brasil com economias emergentes em estágio de desenvolvimento semelhante. Nesse contexto, as diferenças aparecem: a participação da indústria de transformação no PIB brasileiro, que já foi superior a 30% há duas décadas, representa hoje 14%, contra 15% na Índia, 28% na Coréia do Sul e 34% na China. “A desindustrialização made in Brazil decorre não de um movimento virtuoso de transformação qualitativa da indústria para áreas mais sofisticadas, mas de um processo de desmobilização de elos da cadeia produtiva local, substituída por importações crescentes”, diz ele, ao explicar porque, em sua avaliação, trata-se de um processo precoce.
Lacerda também descarta a hipótese de que a expansão dos importados na área de bens de capital indicaria um esforço de renovação e sofisticação do parque produtivo em busca de maior produtividade. “O que há é uma substituição pelo produto importado, mais barato”, explica ele. Assim, a taxa de investimentos brasileira, hoje na casa de 18% do PIB, segue baixa e insuficiente para sustentar o crescimento da atividade, sem gerar pressões inflacionárias e aumento da vulnerabilidade externa.
Para Lacerda, o nível da taxa de câmbio é um dos principais problemas. Apesar da melhora recente, em sua avaliação, a taxa ainda está aquém do nível necessário para devolver alguma competitividade à indústria. Seria preciso uma desvalorização maior do real em relação ao dólar. Mas trata-se de um problema de solução nada trivial, porque uma desvalorização cambial pode ter um custo elevado para a sociedade como um todo (na forma de mais inflação, baixo crescimento e desemprego). “Não defendo uma desvalorização abrupta. É uma questão a ser enfrentada de forma gradual. Mas o fato é que, em algum momento, o problema começará a afetar o emprego”, diz.
Veículo: Brasil Econômico