Brasileiros sentem a pressão sobre renda e economizam em produtos como óleo e pão
O fim da euforia com o consumo está chegando ao prato do brasileiro. Após afetar as vendas de imóveis, carros e eletrônicos, agora a cautela nas compras bateu nos produtos do dia a dia do consumidor. As vendas de pão, macarrão, peixe enlatado e açúcar estão em queda. Até o iogurte, símbolo da prosperidade da classe C, não escapou do recuo na hora das compras.
Pesquisa de mercado feita pela consultoria Nielsen, especializada em consumo, mostra queda nas vendas de itens básicos dos supermercados, da farinha de trigo às massas e aos salgadinhos. Na média, as compras de alimentos ficaram praticamente estáveis, uma queda de 0,1% em relação ao início de 2014. Mas o resultado é especialmente frustrante quando se leva em conta que o mercado estava acostumado a fortes altas nos últimos tempos. Em 2014, as vendas estavam crescendo 5,9% nesta época do ano. Para os especialistas, a alta da inflação e o medo do desemprego afetam a venda de alimentos.
“O desempenho da mercearia salgada (conjunto de alimentos industrializados básicos) no trimestre é o retrato fiel do que ocorreu com as vendas dos supermercados neste início de ano”, diz Sabrina Balhes, analista da Nielsen. Ela destaca que, apesar de os preços terem recuado 2,6% em relação ao ano anterior, já descontada a inflação do período, os volumes de vendas não cresceram.
Até mesmo a venda de sorvete e refrigerante, que aumenta no verão, ficou praticamente estagnada este ano. E a venda de cerveja cresceu 2,7% no trimestre, ritmo bem menor que no mesmo período de 2014 (12,4%).
A freada já tem impacto na indústria. Em março, os fabricantes de alimentos acumularam estoques excessivos, aponta a Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação da Fundação Getúlio Vargas. A piora nos estoques ocorreu especialmente em massas, laticínios, carnes e açúcar.
O encalhe fez a indústria reduzir o ritmo de produção e renegociar preços. Os fabricantes de cervejas cortaram em 4% a produção no 1.º trimestre, segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja.
Na indústria de alimentos como um todo, o quadro não é diferente. Até fevereiro, o último dado disponível, a produção da indústria de alimentos cresceu em 12 meses 0,63% e o faturamento real (já descontada a inflação), 0,75%, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia).
“Fevereiro teve a menor taxa de expansão de vendas e de produção de alimentos desde a crise de 2009”, diz Denis Ribeiro, diretor da Abia. Ao contrário de 2009, as dificuldades hoje ocorrem no mercado interno, que absorve 80% da produção.
Álvaro Furtado, presidente do Sincovaga, sindicato que representa 40 mil varejistas de alimentos no Estado de São Paulo, conta que os supermercados reduziram as compras da indústria a partir de fevereiro porque as vendas enfraqueceram no comércio. “Quem comprava para 30 dias está comprando agora o suficiente para 15 dias”, diz.
Freio. Para Ribeiro, da Abia, o consumidor colocou o pé no freio, pois teme perder o emprego e tem dívidas para pagar. Mas a inflação de alimentos e também das tarifas é outro fator que reduz a renda disponível para o consumo de comida.
Em março, o IPCA, índice oficial de inflação, subiu 1,32% e a energia elétrica respondeu por mais da metade do resultado. Mas a alimentação também pressionou. Em 12 meses até março, a inflação geral subiu 8,13%, enquanto os alimentos ficaram 8,19% mais caros.
Pesquisa recém-concluída do instituto Ipsos para a Associação Comercial de São Paulo mostra que a alta das tarifas e dos alimentos causam impacto alto ou moderado no bolso de 78% dos brasileiros. E, para enfrentar o problema, 31% dos entrevistados disseram que vão reduzir gasto com alimentação.
O resultado deve aparecer nas vendas dos supermercados. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que previa crescimento real de 2% em 2015, acha difícil atingir a meta. Já a Associação Paulista de Supermercados (Apas) vê risco de um ano sem crescimento. “Não crescer não é ruim quando o PIB cai, mas é preocupante”, diz Rodrigo Mariano, economista da associação.
Veículo: O Estado de S. Paulo