Para lidar com a inflação, novos hábitos em casa e no mercado

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Produtos supérfluos deixados de lado, substituição de marcas mais caras por opções mais em conta e pesquisa de preços em mais de um supermercado. Essas são algumas das estratégias adotadas pelos brasileiros para lidar com uma inflação que, apesar do alívio nos últimos meses, ainda pesa no bolso. A mudança de hábitos já é vista nas ruas, considerada por varejistas na hora de fazer promoções e, segundo economistas, é tendência em momentos de crise.

Desde o início do ano, a inflação tem desacelerado, mas os preços estão longe de um patamar amigável. Em março, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), desacelerou para 0,43%, por causa da queda nas tarifas de energia, mas os alimentos ficaram 1,24% mais caros, segundo o IBGE. Em 12 meses, o indicador saiu do patamar dos dois dígitos, porém continua alto: 9,39%. QUANTIDADE MENOR Esses números ainda altos fazem diferença no orçamento doméstico. Segundo pesquisa da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a alta de preços afetou os gastos de 94% dos consumidores. O estudo foi realizado entre os dias 13 e 30 de março em todas as regiões brasileiras e classifica o peso da inflação sobre o bolso dos entrevistados em graus: alto, moderado e baixo. Para 58% dos participantes, a inflação afeta muito as despesas. Já para 30% deles, o impacto tem sido moderado. A menor parte, 6%, acredita que a inflação tem pouco reflexo em suas contas.

O levantamento mostra ainda que, para enfrentar a crise, 54% dos entrevistados estão trocando produtos por opções de marcas mais baratas. A dentista Jacqueline Arruda, de 45 anos, faz parte desse grupo. Casada e mãe de três filhos, precisou chegar a um acordo com a mais nova, de 8 anos, para economizar:

— Minha filha mais nova queria o iogurte que vem com bolinhas, mas negociamos e ela aceitou levar o mais barato. A torrada também é a que está com preço mais baixo e porque levando três a quarta sai de graça.

O arsenal de Jacqueline contra a crise inclui ainda comprar produtos de marcas genéricas e priorizar os artigos promocionais. Os supérfluos também perderam espaço no carrinho. Tudo para aliviar a conta do supermercado, que chega a R$ 1.500 — há quatro meses, a despesa ficava em torno de R$ 1.200:

— O suco que meus filhos levam para escola, por exemplo, está muito mais caro e tudo que eu compro é em triplo, então cada aumento faz uma diferença muito grande no total. Está tudo muito caro e nossa renda não aumenta nessa proporção.

A pesquisa aponta ainda que, para enfrentar a crise, 64% dos entrevistados fazem economia no uso de produtos. Já 54%, assim como Jacqueline, trocam artigos por outros de marcas mais baratas. Além disso, 44% têm optado por comprar uma quantidade menor de produtos. Para 29%, a crise trouxe uma mudança de hábitos de consumo: usam menos o carro, economizam energia elétrica, saem menos, trocam o restaurante por lanchonete, tiram o filho da escola particular, abrem mão do plano de saúde ou trancam a faculdade.

Outros 4% disseram que mexeram na poupança para ajudar no orçamento ou deixaram de pagar algum parcelamento, e 1% fez empréstimo para pagar contas. Enquanto 2% não souberam responder.

Para Marcel Solimeo, economista e diretor do Instituto de Economia da ACSP a alta na inflação tem reflexo direto no dia a dia do consumidor. A alta do preço dos alimentos obriga, sobretudo, as classes com menor poder aquisitivo a realizar mudanças como estratégia de sobrevivência durante a recessão.

— Os consumidores, principalmente os de renda menor, estão sendo muito afetados pela inflação e estão tendo que mudar seus hábitos. Além da inflação, o poder de compra das famílias já está reduzido devido ao desemprego e à renda mais baixa — avalia. A enfermeira Leni Vargas, de 62 anos, sente o peso da inflação na conta do supermercado: a cada compra de mês, gasta R$ 200 a mais. Para aliviar esse peso, opta por produtos que estão na safra, pois costumam apresentar preços melhores, além de buscar marcas mais baratas:

— Não tenho tido fidelidade à marca nenhuma. Compro o que está mais barato e vou experimentando. Normalmente as marcas dos próprios supermercados são bem mais em conta. Mas, mesmo com toda economia que tenho feito, a conta no final sempre é bem salgada.

A arma escolhida pela arquiteta Fátima Martins para economizar foi a pesquisa exaustiva de preços. Todos os dias, ela vai a pelo menos quatro supermercados comparar valores, registra tudo no celular e compartilha com amigos pela internet.

— A cada dia, com os preços mais altos e as diferenças ainda maiores, vejo o quanto a pesquisa é fundamental para não gastar além da conta.

A comparação virou rotina para a jornalista Patrícia Guimarães. Ela passou a ir a pelo menos cinco supermercados por mês antes de decidir onde fazer compras e sempre escolhe o estabelecimento onde os produtos estão mais baratos. Além disso, o volume de compras encolheu:

— Nunca imaginei que conseguiria passar uma semana com quatro tomates e duas cenouras, por exemplo.

Hábitos como o de Patrícia e Fátima são cada vez mais comuns com os preços altos, segundo o consultor de varejo Marco Quintarelli. Segundo o especialista, os consumidores já chegam aos mercados munidos de uma lista de produtos:

— Antes ele ia ao supermercado de costume escolher o seu carrinho de compras, hoje esse cenário mudou. Não tem mais aquele espaço que tinha para supérfluos na cesta de compra.

O economista do Ibmec/RJ Daniel Sousa concorda:

— O cenário atual exige um esforço maior do consumidor.

O diretor comercial do Prezunic Alex Ribeiro confirma que o varejo se adapta à nova realidade econômica do país. Segundo ele, há cerca de 60 dias, o consumidor começou a mudar o jeito de fazer suas compras, voltando aos hábitos da época da inflação da década de 1980 e 1990, apesar de o cenário ainda estar longe do vivido naquela época.

— Colocamos em promoção o arroz de cinco quilos, no início e fim do mês. Já o de dois quilos promovemos na metade do mês, quando o cliente volta apenas para repor o que está faltando.

Pesquisa de janeiro da Fecomércio RJ/Ipsos indica que o preço é a razão citada por 86% dos brasileiros como o fator que mais influencia a compra, um crescimento de 4 pontos percentuais em relação ao ano passado. No mesmo período, a qualidade perdeu importância, escolhida por 69% dos entrevistados.

 



Veículo: Jornal O Globo - RJ


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