Em tempos de crise econômica, arrocho salarial e desemprego, fatores que diminuem o poder de compra dos consumidores e aumentam a lista de itens cortados no orçamento pessoal, uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) feita com 790 consumidores de ambos os gêneros em todo o País revelou que, curiosamente, o consumo de produtos de beleza segue resistindo aos efeitos da crise. Idas ao salão de cabeleireiro, tratamentos em clínicas de estética, pacotes em academia e outros serviços que ajudam a levantar a autoestima das mulheres continuam em alta. A dificuldade financeira gerada pela atual conjuntura levou a uma mudança de hábito dos consumidores.
Para enfrentar a crise, a pesquisa do SPC Brasil revelou que o brasileiro optou por abrir mão de gastos com atividades de lazer em vez de diminuir as compras de produtos e serviços relacionados à beleza e estética. A lista dos itens que mais sofreram cortes foram as saídas para bares e restaurantes (35,4%) e as viagens (30,9%). Em terceiro lugar aparecem as compras de roupas, acessórios e sapatos (29,2%), seguidas por cortes na contratação de TV por assinatura (19,7%) e da diminuição do uso de telefones fixo e celular (18,8%).
Cortes com gastos com salão de beleza apareceram na sexta posição com 16,7% de menções, as academias (11,3%), cosméticos (6,8%) e tratamentos em clínicas de estética (6,4%) estão entre as últimas posições no ranking de cortes realizados em virtude da crise. A publicitária Renata de Almeida Cren, 42 anos, passou a frequentar restaurantes apenas um final de semana no mês, diminuiu as compras de roupas e acessórios e o número de viagens para o apartamento em Ubatuba. Vale tudo para manter o padrão de vida sem interferir nos gastos com o embelezamento das longas madeixas, cuidado que consome 4% da renda da cliente. Na semana passada foram R$ 280 em coloração e hidratação especial, sem falar na manutenção do alongamento que consome R$ 580 a cada três meses. “Cuidar da aparência é um investimento e não um gasto com vaidade”, defende.
De acordo com Cristiane Durante, proprietária do salão frequentado pela publicitária, houve queda no volume de serviços, mas aumento na captação de clientes. Para garantir o bom movimento no local, a cabeleireira congelou há um ano sua tabela e facilita o pagamento dos serviços, fatores que atraem a clientela que pesquisa preço.
No ramo há 25 anos, Cristiane já passou por várias crises e credita à alegria proporcionada pelo cuidado pessoal e autoestima a explicação para o enfrentamento da recessão no seu ramo de atuação. “Não posso reclamar do movimento”, diz.
Quem não gasta em salões de cabeleireiros adquire linhas capilares para fazer o tratamento em casa. Enquanto o movimento em bares e restaurantes despencou com a crise, a presença do público se manteve praticamente inalterada em lojas de cosméticos, higiene pessoal e perfumaria na cidade. Alguns comércios registraram até um ligeiro aumento no primeiro semestre, caso da Cigana Cosméticos, com quatro lojas e um centro de distribuição em Campinas, que este ano já teve um pequeno aumento no volume de vendas. Apesar dos efeitos da crise, não houve retração no movimento das lojas, onde o público feminino responde por cerca de 80% das vendas, diz o responsável pelo marketing da rede, Braian Nielsen Miranda.
A assistente de marketing da rede, Júlia Capuano, observa que o ticket médio continua significativo apesar da mudança de hábito de compras dos consumidores, com destaque para as linhas capilares e de coloração. A cabeleireira Salete Nunes da Silva, 32 anos, defende a importância dos cuidados pessoais e usa até 25% de sua renda com perfumes, cosméticos e produtos para o cabelo, itens que representaram R$ 500 desembolsados somente em uma semana. “Deixei de ir às baladas e barzinhos com amigos, mas nem passou pela minha cabeça abrir mão dos cuidados pessoais”, garante.
A preocupação com a imagem, algo muito valorizado pela sociedade no Brasil, terceiro maior mercado de artigos de higiene pessoal e cosméticos no mundo, unida à oferta de marcas mais baratas e acessíveis a todas as esferas de consumo, são fatores que explicam por que consumidores de diferentes classes trocaram itens de maior valor agregado por produtos que melhoram a autoestima, analisa Alcidney Sentallin, professor de gestão financeira e contabilidade da IBE-FGV.
Compra de produtos do setor ‘suja’ nome de 13,4%
A compra de itens de beleza e serviços para melhorar a aparência, quando foge ao controle e extrapola o orçamento, pode prejudicar a vida financeira do consumidor, que acaba endividado e com restrição ao crédito. A pesquisa do SPC Brasil também revela que 13,4% dos brasileiros estão registrados em serviços de proteção ao crédito por atrasos no pagamento de produtos relacionados à beleza, como roupas, calçados e acessórios, cosméticos, maquiagens, tratamentos estéticos e odontológicos. Além disso, 10,8% dos consumidores ouvidos já deixaram de pagar alguma conta para priorizar cuidados com a beleza - o percentual sobe, principalmente, quando levado em consideração o público feminino (14,8%) e as pessoas da classe C (12,3%).
De acordo com a pesquisa, sete em cada dez (70,4%) consumidores admitem o hábito de comprar produtos ou serviços de beleza mesmo sem necessidade, sobretudo as mulheres (79,2%) e pessoas da classe C (73,0%). Nesse caso, os itens mais mencionados nas compras desnecessárias são roupas, calçados e acessórios (37,1%), cuidados com o cabelo (25,6%) e cosméticos e maquiagem (23,8%). Além disso, 76,9% dos entrevistados reconhecem que já compraram, ao menos uma vez, algum produto ou serviço de beleza que não chegou a ser utilizado ou foi utilizado somente por alguns dias. Outro dado é que quatro em cada dez (43,7%) consumidores ouvidos admitiram gastar mais com produtos de beleza quando estão deprimidos e querem levantar a autoestima.
Com uma parcela considerável de consumidores priorizando gastos com beleza, muitos acabam terminando o mês sem sobras no orçamento: 38,7% confessaram na pesquisa que já deixaram de guardar dinheiro para adquirir produtos ou serviços relacionados à beleza, com destaque para as mulheres (51,4%), pessoas com idade entre 18 e 34 anos (53,4%) e que pertencem à classe C (42,4%).
Enquanto alguns consumidores deixam de economizar porque gastam parte da renda com produtos de beleza, há entrevistados que fazem o contrário: mais de um terço (33,7%) das pessoas ouvidas alega ter o hábito de juntar dinheiro para conseguir comprar produtos e serviços desse segmento, percentual que sobe para 42,4% entre o público feminino.
No ano passado, o mercado da beleza movimentou R$ 51 bilhões, um acréscimo de 8,5% em relação a 2014. A expectativa para este ano é uma expansão de 8%, chegando a R$ 55 bilhões.
Fonte: Jornal Correio Popular