Chuvas irregulares e altas temperaturas nas principais áreas produtoras de soja do Brasil retiraram o potencial de uma colheita recorde na atual safra 2018/19 e apontam para mais perdas, mostrou uma pesquisa da Reuters nesta quarta-feira com participantes do mercado.
De acordo com a média de estimativas de 10 consultorias e outras instituições, o Brasil, maior exportador global de soja, deverá produzir 117 milhões de toneladas da oleaginosa no ciclo vigente, ante previsão de históricos 120,8 milhões na pesquisa anterior, de novembro.
O volume já é quase 2 por cento inferior ao recorde de 119,3 milhões de toneladas de 2017/18, quando as condições climáticas foram bem mais favoráveis.
Mas as perdas reportadas desde dezembro provavelmente não devem parar por aí, segundo alguns especialistas, uma vez que o clima segue irregular e com temperaturas elevadas. Além disso, a colheita está só no seu início, atingindo 6,1 por cento da área ao final da semana passada, de acordo com a consultoria AgRural.
O cenário contrasta com o otimismo no início do desenvolvimento da safra, marcado por chuvas regulares. A expectativa era de uma produção muito superior à da temporada passada, até porque o plantio superou 36 milhões de hectares, 1 milhão acima do visto no ciclo anterior.
Muitas lavouras foram fortemente impactadas pela falta de chuvas e elevadas temperaturas em dezembro, quando já passavam por importantes estágios de desenvolvimento, dado um plantio realizado mais cedo nesta temporada. Analistas e órgãos oficiais reduziram seus números ao longo de janeiro.
“Destacaria de longe o Paraná, mais especificamente a região oeste... Ali você vê um cenário de complicação de produtividade, que caiu de 10 a 15 por cento... Já Mato Grosso do Sul talvez seja o mais afetado em termos de rendimento, com queda de até 20 por cento em algumas regiões”, afirmou o analista Aedson Pereira, da IEG FNP, referindo-se aos dois Estados mais afetados pelo tempo adverso.
A IEG FNP prevê agora produção de 117,5 milhões de toneladas de soja em 2018/19, frente 122 milhões na pesquisa anterior.
“Em outras regiões, houve perdas localizadas, principalmente nas primeiras áreas semeadas de ciclo precoce, em que o período de estiagem atingiu as lavouras no período de enchimento de grãos”, comentou o analista Victor Ikeda, do Rabobank.
Quente e seco
Nos últimos dois meses, todas as regiões de Paraná e Mato Grosso do Sul receberam chuvas abaixo da média, segundo dados do Refinitiv Eikon. Mato Grosso, Goiás e partes do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) também registraram precipitações aquém do normal.
E pelo menos até o início de fevereiro a previsão é de que a situação se agrave, com o sudeste mato-grossense, por exemplo, recebendo quase 50 milímetros menos que o esperado para esta época do ano. A situação no Paraná também deve continuar com chuvas inferiores à média.
“Os efeitos do clima adverso ainda não conseguem ser mensurados na sua totalidade. Do mesmo jeito que com o avanço da colheita, podemos detectar que a produtividade obtida está sendo até pior do que se esperava, a regularização das chuvas, se ocorrer, pode contribuir para estancar as perdas ou até provocar algum tipo de recuperação em determinadas áreas e regiões”, disse o diretor da Cerealpar, Steve Cachia.
A Cerealpar cortou em quase 5 milhões de toneladas a sua previsão para a safra de soja do Brasil, a 116 milhões de toneladas.
“Será importante acompanhar o desenvolvimento das chuvas nessa segunda metade de janeiro e não descartamos novos cortes nas projeções de produtividade/produção em caso de novos casos de baixos volumes pluviométricos nas regiões produtoras brasileiras”, alertou Ikeda, do Rabobank.
China
Uma menor produção tende a reduzir a exportação de soja do Brasil, que já conta com estoques enxutos após embarques recordes de 84 milhões de toneladas em 2018. A Agroconsult, por exemplo, prevê vendas de 73 milhões de toneladas neste ano.
A perspectiva de menor oferta disponível no Brasil leva analistas a apostarem em um maior diálogo da China com os Estados Unidos para pôr fim à guerra comercial entre ambos. Em meio à disputa, Pequim taxou a oleaginosa norte-americana e se voltou com força à commodity brasileira no ano passado.
Maior consumidor mundial de soja, a China buscaria, assim, assegurar produto para suprir o mercado interno.
“Com certeza, dependendo do grau de queda do potencial brasileiro, todos esses fatores podem fazer com que a China acelere as negociações com os EUA”, afirmou Pereira, da IEG FNP, acrescentando que as incertezas sobre a safra também têm reduzido as vendas antecipadas.
“A liquidez do mercado brasileiro, até se tirar boa parte dessa safra do campo, vai ser morosa.”
Fonte: Reuters