A lista de temas que tem levado o setor a Brasília diversas vezes no último mês, e levará também nos próximos dias, inclui problemas relacionados ao Mercosul (afetando produtores de leite, arroz e trigo), o fim da taxa extra para compra de lácteos da União Europeia, além de temas como Funrural, redução no subsídio para a energia rural e, principalmente, dúvidas sobre como será o futuro próximo em termos de recursos e juros oferecidos ao agronegócio.
É incerto justamente o maior pilar de apoio aos produtores: o futuro do Plano Safra e os juros oferecidos ao agronegócio. Para 2019, diz o presidente da Farsul, Gedeão Pereira, não se tem ideia do que haverá em termos de dinheiro e nem de juros. Se ficar como está no atual Plano Safra, diz o presidente da Farsul, já estaria bom. Ele avalia que até há possibilidade de um juro mais equilibrado, mas não dinheiro suficiente.
"O que se está discutindo é que esse modelo de crédito agrícola se esgotou. O que virá para a safra 2020/2021 é algo completamente diferente do que está aí, isso é certo. E o que virá para 2019/2020 não temos nem ideia", resume Gedeão.
Essas incertezas, avalia o presidente da Farsul, provavelmente afetarão os negócios, o que torna ainda mais difícil fazer projeções de vendas em eventos como Expodireto e Expointer, já que sempre pode ocorrer de mudar tudo no meio do caminho, estimulando ou freando as compras. Hoje, de acordo com Gedeão, há crise no arroz, a pecuária não está bem e o único produto que tem perspectivas mais razoáveis é a soja. E assim mesmo, até agora, com alguma queda nas cotações e mais ameaçada com o recente anúncio do governo chinês de que retomará a compra de soja dos Estados Unidos.
Ao analisar a situação da soja no Estado, Gedeão avalia que o produtor da Metade Norte vai bem, e o da Metade Sul segue pagando dívidas e com menor produtividade, mas tem preços melhores por estar mais próximo do porto do Rio Grande. Em geral, os preços já estiveram acima de R$ 80,00 a saca, mas muitos optaram por vender mais tarde, apostando em alta no valor para venda futura.
"Na soja o pessoal está tranquilo porque as lavouras estão bonitas. Parece que se terá boa produtividade. E com os preços atuais ainda em torno de R$ 65,00 nas cooperativas, o produtor não está muito preocupado. Mas teremos problema se cair o dólar, estamos no limite", alerta o presidente da Farsul.
Cenário de dificuldades
Lista de entraves
Os temas que têm demandado líderes setoriais do campo a buscarem apoio político para busca de soluções, e que leva romarias de gaúchos a Brasília desde o início do ano, são extensos. Outros, que dependem de mercados mundiais, como no caso da soja, geram clima de incertezas.
Mercosul
Apenas neste item existe um extenso rol de questões que mobilizam, há tempos, produtores de leite, arroz e trigo. Em comum, os três setores têm desvantagens competitivas devido ao chamado Custo Brasil. E como restringir o fluxo de mercadorias, por meio de cotas ou sobretaxas, por exemplo, não é uma opção viável, o caso se arrasta. Uma das propostas dos produtores, especialmente no caso de grãos, é permitir a compra de insumos fora do País sem custos extras, da mesma forma que esses itens ingressam livremente no Brasil. De acordo com estudo da Farsul, alguns insumos chegam a custar 400% a mais no Brasil do que nos países vizinhos.
Crise arrozeira
Grandes perdas nas lavouras da Fronteira-Oeste devido a enxurradas que atingiram a região no início do ano agravaram uma crise que levou a área semeada a ficar abaixo de 1 milhão de hectares no Estado pela primeira vez neste ciclo. Os preços pagos ao produtor vêm em queda devido à grande quantidade do produto importado do Paraguai, problema agravado pela guerra fiscal entre os estados, já que grandes consumidores, como São Paulo, concedem incentivos fiscais para o arroz importado, prejudicando a produção nacional. O endividamento, que hoje passa de R$ 2,5 bilhões e os prejuízos em massa causados pelas perdas climáticas têm levado produtos a recorrer a Brasília com frequência para buscar apoio para renegociar dívidas, obter linhas de crédito especial e melhores opções de seguro agrícola. A entidade coloca isto como prioridade na pauta, uma vez que a colheita do arroz já está em andamento.
Importação de leite
Já em crise devido ao ingresso de leite em pó do Mercosul, o setor lácteo viu um possível novo obstáculo em 2019. O governo federal suspendeu, em fevereiro, a taxa extra de importação de 14,8% sobre o produto importado da União Europeia (UE) e de 3,9% da Nova Zelândia. Depois de pressão de entidades e da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), o próprio presidente Jair Bolsonaro anunciou no Twitter que a taxa seria retomada. A medida é aguardada pelos produtores gaúchos desde meados de fevereiro, pois ainda não foi publicada.
Incertezas na soja
O custo de boa parte das lavouras de soja foi impactado pela alta do dólar, que chegou a R$ 4,20 na época em que parte dos produtores ainda compravam insumos. Na contramão do que seria ideal para a venda, o dólar teve queda após a eleição do novo governo, o que reduz os ganhos na venda. O recente anúncio de que a China, responsável por importar cerca de 80% da soja exportada pelo Brasil no ano passado, voltará a comprar do Estados Unidos pode afetar o mercado e os preços. E, dado as muitas oscilações que ainda podem mexer com as cotações do grão e do dólar, o cenário de preços é incerto.
Energia rural
Decreto editado no final da gestão de Michel Temer definiu que neste ano haverá redução gradual dos descontos sobre a tarifa básica de energia nas propriedades rurais, o que impactará diretamente os custos de irrigação. A decisão afeta dois grupos de unidades de consumo: os de fornecimento de alta tensão (acima de 2,3KV), enquadrados no "Grupo A Rural", e os de baixa tensão (abaixo de 2,3 KV), classificados como "Grupo B Rural". De acordo com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a medida vai impactar especialmente as propriedades de baixa tensão, com alta de 43% no valor da energia em horário reservado (21h30mim a 6h) e elevação anual de 8,5% no valor da energia elétrica no restante do dia pelos próximos cinco anos.
ICMS
O setor está pleiteando a prorrogação do Convênio ICMS nº 100/1997, que trata da redução da base de cálculo do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações com insumos e produtos agropecuários. O convênio vence em 30 de abril deste ano e, caso não seja renovado, o imposto será cobrado sobre uma base de cálculo que poderá elevar os custos de produção. Estimativas da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) apontam aumento de até 7,6% nos preços dos insumos, dependendo do estado.
Jornal do Comércio - Porto Alegre