A pandemia de coronavírus deve travar os investimentos na economia brasileira neste ano. A falta de clareza sobre a duração da doença, a elevada capacidade ociosa na indústria e o baque no caixa das companhias provocado pela crise sanitária dificultam os planos de expansão das empresas. Com a combinação de todos esses fatores, ficou mais difícil para as companhias terem a certeza de que um investimento vai valer a pena e se traduzir em ganhos para o seu negócio.
Um sinal de como o futuro da economia está nebuloso tem sido apurado mensalmente pelo Indicador de Incerteza da Economia, calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Em junho, o indicador marcou 173,6 pontos, um patamar elevado historicamente. Na comparação com maio, até houve uma queda de 16,7 pontos, mas antes da pandemia do coronavírus, por exemplo, o pico do indicador foi de 136,8 pontos, em setembro de 2015, quando o país perdeu o grau de investimento.
"Existem evidências de que uma incerteza muito elevada tem efeito negativo no investimento", afirma a economista do Ibre/FGV Anna Carolina Gouveia. "As empresas precisam de certa clareza sobre a viabilidade de um investimento."
O desempenho do investimento - ou da formação bruta de capital fixo - tem um papel fundamental. Quando ele avança, ajuda, por exemplo, a aumentar o PIB potencial, permitindo um crescimento mais forte de longo prazo.
Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) já dão uma amostra de como os investimentos têm sido abalados pela crise atual. No acumulado do ano até maio, o Indicador Ipea de Formação Bruta de Capital Fixo recuou 8,6%. Em 12 meses, o tombo é de 2,8%.
"A queda do investimento tende a ser maior do que a do PIB. Nesse ambiente de desconfiança, as empresas, que também enfrentam problemas de fluxo de caixa, tendem a cortar o que não é essencial, como os investimentos", diz o economista e diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, José Ronaldo de Castro Souza Junior.
No Brasil há, sobretudo, uma dúvida em relação ao tamanho da duração da pandemia país e quando será possível ver a economia operando próximo da normalidade. Embora a reabertura das atividades econômicas esteja ocorrendo, o número de mortes por Covid-19 segue elevado, sem sinais de alívio.
"O quadro não é bom para o investimento", afirma o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin. "Ainda há muito desconhecimento em relação ao comportamento do vírus. Não se sabe se haverá outras ondas ou não da doença."
Queda da capacidade instalada
A paralisação da economia provocou um efeito adicional de queda da utilização da capacidade instalada na indústria, o que se transforma num fator extra de dificuldade para a retomada dos investimentos. A empresas só vão se planejar para ampliar a sua capacidade produtiva no momento em que essa ociosidade começar a ser reduzida.
Em junho, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a utilização da capacidade instalada do setor foi de 69,6%, acima dos 67% apurados em maio, mas abaixo dos 78,1% verificados no mesmo mês do ano passado.
"As fábricas não poderão trabalhar com capacidade plena porque terão de adotar medidas para evitar a disseminação da doença", diz o gerente-executivo de economia da CNI, Renato da Fonseca. "A própria empresa não tem nesse momento necessidade de investir em expansão da capacidade."
Quadro já era de dificuldade
O quadro de dificuldade nos investimentos só foi agravado pela pandemia. Nos últimos anos, o país não conseguiu engatar um crescimento consistente dos investimentos. Em 2019, a formação bruta de capital fixo cresceu apenas 2,2%.
O setor de máquinas e equipamentos - bastante sensível ao comportamento dos investimentos - só voltou a crescer em 2019, com avanço de 10% no faturamento. Foi a primeira alta desde 2013. "Hoje, o setor é 44% menor na comparação com a média de faturamento observada entre 2010 e 2013", afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso.
Neste ano, a indústria de máquinas e equipamentos planejava repetir o crescimento de 10%. Mas a crise provocada pelo coronavírus fez com que a previsão de melhora desse lugar a uma retração de 10%.
"Os meses de janeiro e fevereiro estavam indo bem, dentro das nossas expectativas", afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso. "Em abril, já com os efeitos da pandemia, tivemos uma queda (de faturamento) de 28% em relação a abril e na comparação com o ano anterior."
Infraestrutura e reformas
A equipe econômica aposta nos projetos de infraestrutura para alavancar os investimentos no país. O governo tem prometido um ambicioso projeto de concessões e adotado um discurso de que os investimentos deverão ser conduzidos pela iniciativa privada diante da pouca margem fiscal do setor público.
Nesta semana, o governo sancionou o novo marco legal do saneamento básico. A medida permite o aumento da participação privada no setor. Segundo o Ministério da Economia, o novo marco deve atrair cerca de até R$ 700 bilhões em investimentos nos próximos 14 anos.
A atração desse investimento privado, no entanto, segundo economistas, vai depender da capacidade do governo de seguir adiante com a agenda de reformas.
"No ano que vem, a gente pode ter uma recuperação desse investimento. Mas vai depender muito da reação do governo e do Congresso de acelerar a agenda de reformas", diz Souza Junior, do Ipea. "São necessárias reformas para permitir um equilíbrio fiscal e melhorar a produtividade do país."
Na terça-feira (14), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que os deputados vão retomar, ainda nesta semana, o debate sobre a reforma tributária.
Fonte: G1