Não cabe ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, praticar atos de caráter administrativo próprios do Poder Executivo, cuja atuação privativa na deflagração do processo legislativo está definida no texto constitucional.
Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou parte de uma lei de Mairiporã, de autoria parlamentar, que dispõe sobre medidas de proteção para o enfrentamento da Covid-19 e criava o "selo empresa parceira da cidade de Mairiporã".
Conforme o texto, o selo seria concedido às empresas que, em parceria com o Poder Público, doarem produtos ou serviços para o enfrentamento da pandemia e de seus efeitos no município. Em ação direta de inconstitucionalidade, a prefeitura apontou vício de iniciativa e afronta ao pacto federativo.
O relator, desembargador Moreira Viegas, não verificou ilegalidade nos artigos que tratam de medidas de combate à Covid-19, como uso de máscara e disponibilização de álcool em gel em estabelecimentos comerciais. Isso porque, segundo ele, a saúde pública não está nas hipóteses taxativamente arroladas de reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo ou de reserva da administração.
"A polícia da saúde, do ambiente, do comércio, da acessibilidade, da segurança, do conforto, do asseio, da higiene, de propriedades particulares, de equipamentos públicos, de estabelecimentos particulares de acesso público e de locais de acesso ao público, explorados por particulares, é matéria que se situa na iniciativa comum ou concorrente", diz o acórdão, citando parecer da Procuradoria-Geral de Justiça.
Por outro lado, Viegas anulou o dispositivo que criava o "selo empresa parceira da cidade de Mairiporã" por entender que se trata de matéria relativa à reserva da administração, "em que não é dado ao Poder Legislativo imiscuir-se, incorrendo em flagrante afronta ao princípio da separação e harmonia dos poderes, insculpido no artigo 5º da Constituição, norma de observância obrigatória nos municípios".
Segundo o relator, a lei impugnada, ao instituir o selo, interferiu na gestão administrativa e invadiu ato privativo do chefe do Poder Executivo, violando o princípio da separação de poderes. "Cabe ao Poder Executivo a função de administrar, sendo que a referida norma invade a seara da gestão administrativa, ao editar lei que envolve planejamento, direção, organização e execução de atos de governo", completou.
Ainda na visão de Viegas, o fato de a norma conceder mera autorização para a celebração de parcerias não afasta a inconstitucionalidade, mas sim a reforça: "A iniciativa de leis que tratem da administração do município é privativa do chefe do Poder Executivo, e não pode o Legislativo local autorizá-lo a fazer algo que a Constituição já fixou como dele a competência para deflagrar o processo legislativo".
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2289583-80.2020.8.26.0000
Tábata Viapiana – Repórter da revista Consultor Jurídico
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 07/02/2022