Assim como todo e qualquer benefício fiscal concedido por liberalidade do poder público, sem contraprestação do particular, a desoneração da folha de pagamento não gera direito adquirido e pode ser revogada a qualquer tempo, desde que respeitado o princípio da anterioridade.
Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado por uma empresa de transformadores e indutores elétricos, com o objetivo de evitar a desoneração da folha de pagamento feita em março de 2018 com a edição da Lei 13.670.
O resultado, unânime na 1ª Turma, pacifica a questão nas turmas de Direito Público do STJ. Em março, a 2ª Turma decidiu da mesma forma, também sem divergências, em recurso ajuizado por uma empresa de reparos navais.
A discussão é recente no tribunal. A corte não conhecia dos recursos por entender que o tema possuía natureza eminentemente constitucional. Em março de 2021, o Supremo Tribunal Federal afastou a existência de repercussão geral na discussão, ao julgar o RE 1.286.672. Concluiu que o caso é infraconstitucional e, portanto, de competência do STJ para resolução.
CPRB e desoneração
A discussão envolve a cobrança da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), que deve ser feita pelas empresas. Foi instituída pela Lei 8.212/1991, com incidência prevista sobre a folha de pagamento.
Em 2011, a Lei 12.546 permitiu a alguns setores da economia que a contribuição passasse a incidir sobre a receita bruta, o que, portanto, desonerou a folha de pagamento como forma de incentivar a atividade econômica.
Em março de 2018, no entanto, foi publicada a Lei 13.670, que reonerou os mesmos setores, acabando com a possibilidade de a contribuição previdenciária incidir sobre a receita bruta. Em respeito à regra da não-surpresa, a norma passou a valer 90 dias mais tarde, em setembro.
Com isso, a empresa se viu obrigada a, no meio do exercício fiscal de 2018, alterar a sistemática de recolhimento da contribuição previdenciária, opção que não poderia exercer por si própria, devido à irretratabilidade prevista na lei que concedeu o benefício.
Ao STJ, a contribuinte defendeu que, por conta disso, a alteração legislativa no sentido de excluir determinados setores do regime de tributação substitutiva só poderia entrar em vigor no exercício financeiro seguinte ao da sua publicação.
Oneração possível
Relator na 1ª Turma, o desembargador convocado Manoel Erhardt observou que a desoneração da folha de pagamento Lei 12.546/2011 é uma medida concedida por liberalidade do poder público. Ela não depende de qualquer contraprestação do contribuinte.
Assim, ela não gera direito adquirido. Pode ser revogada a qualquer tempo desde que respeitado o princípio da anterioridade. No caso, por tratar de contribuição previdenciária, esse prazo é de 90 dias, conforme o artigo 195, parágrafo 6º da Constituição Federal.
Ou seja, o fato de a escolha de incidência da CPRB sobre a receita bruta ser irretratável para o contribuinte não é fundamento válido para interferir na possibilidade de o Poder Legislativo revogar o benefício fiscal de forma antecipada.
"Isso seria aceitar que o legislador ordinário pudesse estabelecer limites à competência legislativa futura do próprio legislador ordinário, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico, seja na Constituição Federal, seja nas leis ordinárias", apontou o relator, fazendo referência a voto do ministro Herman Benjamin sobre o tema.
Clique aqui para ler o acórdão
AREsp 1.932.059
Danilo Vital – Correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 21/07/2022