Ao considerar inconstitucional a exigência de Certidões Negativas de Débitos (CNDs) fiscais de contribuintes interessados em mudar para o exterior ou em registrar ou alterar contratos, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou o princípio segundo o qual o Estado não pode impor “sanções políticas” - como as definiu o ministro Joaquim Barbosa - para forçar o contribuinte a quitar débito e abriu o caminho para o questionamento de uma das medidas burocráticas que mais atormentam as empresas: a prova da regularidade fiscal para participar de licitações e para obter financiamentos.
Na semana passada, o STF entendeu, por unanimidade, que a exigência das CNDs das empresas (instituída pela Lei nº 7.711, de 1988) constitui uma espécie de sanção ao contribuinte e só não determinou o fim dessa exigência nas licitações públicas por entender que a Lei de Licitações (Lei nº 8.666, de 1993) a revogou.
Embora tenha eliminado a exigência de apresentação de comprovantes de que não há débitos tributários para a participação em licitações, a lei de 1993 manteve outra, mais branda, de comprovação de regularidade fiscal. Enquanto a concessão da CND está condicionada à ausência de qualquer débito com o Fisco, a comprovação de regularidade é dada se não houver débitos em aberto, ou seja, sem contestação judicial, parcelamento ou depósito. Assim, se uma empresa estiver contestando na Justiça o pagamento de determinado tributo, não obtém a CND, mas pode obter a comprovação de regularidade fiscal.
A decisão do STF foi tomada no julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade propostas em 1990 pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Confederação Nacional da Indústria. Segundo o relator, ministro Joaquim Barbosa, “as normas impugnadas operam inequivocamente como sanções políticas”. Em seguida, Barbosa lembrou que, “historicamente”, o STF tem reafirmado a impossibilidade de o Estado impor esse tipo de sanção ao contribuinte como forma de coagi-lo a quitar débitos fiscais.
O ministro Marco Aurélio de Mello afirmou que “qualquer ato que implique forçar o cidadão a recolhimento de imposto é inconstitucional”. O ministro Carlos Alberto Menezes Direito, por sua vez, entendeu que “é necessário fazer uma repressão imediata e dura com relação a esse tipo de exigência, porque o contribuinte fica completamente descoberto”.
Segundo alguns advogados, com a decisão sobre a inconstitucionalidade da exigência das certidões nos casos analisados, o STF abriu um precedente também para o questionamento da exigência da comprovação de regularidade fiscal. Embora mais branda do que a CND, a comprovação também cria problemas para as empresas, pois prejudica muitos de seus negócios e lhes impõe custos administrativos adicionais.
Muitas empresas têm recorrido à Justiça para conseguir que o Fisco lhes forneça os documentos necessários para participar de licitações, obter financiamentos e fazer contratos de câmbio. As dificuldades criadas para a emissão desses documentos tornaram-se um entrave tipicamente brasileiro à atividade empresarial.
Elas já foram tema de um seminário realizado pela Câmara Americana de Comércio e de um estudo da empresa de consultoria PricewaterhouseCoopers, que ouviu 117 empresas brasileiras sobre o assunto e comparou os resultados com os de outros 12 países. São países que estão em estágio econômico comparável ao do Brasil, como alguns latino-americanos, ou com os quais o Brasil disputa mercados e capitais internacionais, como a China e a Índia. Também estão na lista países considerados modelos de eficiência, como os Estados Unidos e a Alemanha.
O estudo deixou claro que o tempo e os recursos gastos na obtenção da CND podem tornar-se um diferencial negativo para o Brasil em relação a seus principais competidores. Das empresas consultadas, mais de 90% informaram ter perdido ou retardado negócios por causa da dificuldade em obter a CND no tempo necessário.
A burocracia tributária, em certos casos deliberadamente reforçada pelo Fisco para constranger os contribuintes e forçá-los a quitar débitos que estão sendo questionados jurídica ou administrativamente, tolhe a atividade empresarial e reduz a competitividade da economia brasileira.
Veículo: O Estado de S.Paulo