Bancas já atuam na crise financeira

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Uma exportadora do setor calçadista do Sul do país conseguiu uma liminar na 4ª Vara Cível de Porto Alegre para não ser obrigada a pagar ao HSBC Bank Brasil prejuízos causados pela variação cambial em um contrato de swap a termo - hedge feito pela empresa para se prevenir do risco da oscilação do dólar - que até agora chegam a R$ 418 mil. Ao que se tem notícia, trata-se da segunda liminar concedida pela Justiça contra bancos em função de perdas em operações de crédito em função da alta do dólar provocada pela crise financeira - a primeira foi dada ao banco Credibel, do Grupo Splice, para não pagar a variação cambial de contratos com o Itaú, conforme noticiou ontem o Valor. 

 

No caso da empresa calçadista, não foi possível chegar a um acordo e a saída encontrada por ela foi a via judicial. Advogados que atuam no setor empresarial, no entanto, passaram a se dedicar mais às renegociações de contratos do que às fusões e aquisições com que se ocupavam até poucas semanas atrás - e como muitos casos estão sendo tratados em negociações com os bancos, não há, ainda, indícios de que a crise provoque uma enxurrada de liminares. 

 

No contrato firmado entre a empresa calçadista e o HSBC, o banco fixou um limite de prejuízo para si de R$ 125 mil com a queda do dólar, tendo como contrapartida um prejuízo ilimitado para o cliente em caso de alta da moeda americana. Ou seja, se o dólar aumentasse em relação ao real, a empresa arcaria com a diferença. Após o fechamento do câmbio em 7 de outubro, a companhia teve um prejuízo de R$ 418,3 mil e ajuizou uma ação cautelar com a alegação de que a cláusula do contrato que limita o prejuízo do banco é abusiva, inclusive sob o ângulo do Código de Defesa do Consumidor (CDC). "Queremos um contrato equânime em que o cliente tenha o mesmo limite de prejuízo do que o banco", diz a advogada Sandra Sebben Bastos, do escritório Martinelli Advocacia Empresarial, que representa a empresa. A Justiça concedeu a liminar para que a empresa não seja inscrita no cadastro negativo de crédito, não tenha o título protestado e não pague o débito, desde que deposite em juízo R$ 293 mil - a diferença entre o débito alegado pelo banco e seu limite de prejuízo. 

 

O prejuízo da empresa pode ser ainda maior caso a Justiça não dê ganho de causa a ela - já que a ação judicial se refere a apenas uma operação de swap, sendo que foram contratadas doze delas com o banco. Segundo Sandra Bastos, somadas todas as operações, o prejuízo poderá chegar a R$ 5 milhões. Procurado pelo Valor, o HSBC informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comenta casos em trâmite judicial. 

 

"Essa é uma situação que está espalhada pelo mercado", diz o advogado Leonardo Grebler, sócio do escritório Grebler Advogados. Segundo ele, há outros casos do tipo, mas ainda em fase de negociação com os bancos. O advogado conta que está assessorando uma indústria em condição semelhante: a empresa contratou uma operação de derivativo referenciada ao dólar em que não há limitação contratual para o risco da empresa em caso de alta da moeda, ainda que haja limites para o risco do banco em caso de queda. "Quando o dólar chegou a R$ 1,80 a empresa nos procurou, pois os valores ficaram estratosféricos", diz Grebler, que conta que a empresa, por enquanto, está negociando com o banco uma alternativa. "Mas talvez seja necessária uma medida judicial", diz. O advogado Ruy Dourado, do escritório Siqueira Castro Advogados - que começa a ser consultado para discutir a interpretação de cláusulas de contratos de investimentos com derivativos -, no entanto, acredita que muitos casos devem ser resolvidos por meio da arbitragem. "Acho complicado pleitear indenizações na Justiça porque o investidor de operações complexas como as de swap tem conhecimento dos riscos de mercado, não é como uma poupança", diz. O advogado Roberto Quiroga, sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, estima que haverá um aumento de trabalho na banca em decorrência de litígios com bancos - como ocorreu quando houve a desvalorização do real frente ao dólar de 1999. 

 

Escritórios de advocacia também prevêem um aumento de demanda em suas áreas de contencioso no que se refere à renegociação de dívidas e à reestruturação de empresas. As consultas em caráter preventivo sobre a possibilidade de revisão de contratos de compra e venda em diversas áreas firmados antes da crise já começaram no escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados. Segundo o advogado Luiz Arthur Caselli Guimarães, a possibilidade de revisão dos contratos por conta de situações imprevisíveis e extraordinárias, como uma crise econômica, é viável desde a entrada em vigor do novo Código Civil, em 2002. A norma traz diversos artigos, como o 478 e o 480, que autorizam a revisão dos contratos em situações extremas. Nesses casos, cabe aos juízes decidir se há onerosidade excessiva para uma das partes, levando em conta os aspectos específicos de cada contrato e as obrigações inicialmente estipuladas pelas partes. 

 

Ainda que durante crises o contencioso se destaque no meio jurídico, as bancas acabam buscando alternativas para a obtenção de créditos pelas empresas. É o caso de uma fábrica de autopeças de São Paulo que comprou um terreno de 300 mil metros quadrados para se transferir para Manaus e reduzir o custo das exportações. Para assegurar que vai obter o financiamento necessário, fechado junto a um fundo de family office, a empresa fará um tipo de contrato que costuma ser utilizado justamente em épocas de crise, segundo o advogado da empresa, Miguel Bechara Jr., do Escritório Bechara Jr. Advocacia. "O contrato vai vincular exigências de financiamento com recebíveis futuros para dar mais garantia, do que a real, ao investidor", diz. "Além disso, uma cláusula determinará um agente fiduciário que será eleito para fazer o controle dos recursos da empresa." Bechara afirma que o modelo já foi usado nos Estados Unidos, na Europa e no México em épocas de crise de crédito. 

 

Veículo: Valor Econômico


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