O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) completa, hoje, 500 sessões em ritmo de transição. O órgão antitruste quer uma nova sede e uma nova lei para que não tenha que decidir a respeito de fusões e aquisições depois que elas foram realizadas pelas empresas e consolidadas no mercado. "Espera-se que a milésima sessão seja já numa nova sede para acomodar o novo Cade", afirmou o presidente do órgão, Fernando Furlan.
Furlan enviou ofício ao governo para tirar o Cade do "predinho" de dois andares que funciona no Setor Comercial Norte, em Brasília, rodeado de prédios de escritórios de advocacia, muitos dos quais têm processos no próprio Cade.
Furlan é o terceiro presidente consecutivo a tentar, sem sucesso, a aprovação do projeto de lei que transfere parte da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça para o Cade e lhe dá poderes para decidir sobre o destino de fusões antes de as empresas se unirem de fato.
O projeto foi enviado em setembro de 2005 para o Congresso, numa cerimônia que contou com o então poderoso ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e o presidente Lula. O texto foi aprovado na Câmara, mas, devido a emendas feitas no Senado, teve de voltar àquela Casa para nova votação. "Lá se vão seis anos", lamentou Furlan.
A nova sede é necessária para acomodar os técnicos que vão chegar da SDE e também para dar mais espaço aos conselheiros do Cade. Atualmente espremidos entre pequenas divisórias e com equipes pequenas, que mal incluem secretárias e estagiários, são eles que decidem sobre os negócios mais importantes do Brasil.
A situação do Cade, contudo, já foi pior. Quando a sessão número um foi realizada, em 5 de junho de 1996, o plenário tinha apenas 12 cadeiras para as pessoas que queriam assistir aos julgamentos. Na época, o órgão antitruste funcionava num anexo atrás do Ministério da Justiça e tinha o apelido de "corredorzinho". O Cade era um emaranhado de portas e qualquer pessoa conseguia ser atendida pelos conselheiros batendo três vezes e pedindo licença para entrar.
"As condições materiais no anexo eram muito precárias", disse o economista Gesner Oliveira, que presidiu o Cade naquela ocasião. "Eu me lembro que, durante o julgamento da Ambev, estourou uma lâmpada em cima da relatora."
O plenário era tão pequeno que, após a inclusão de um sofá de três lugares, foi ampliada em um quarto a capacidade para quem queria ver ao vivo as sessões. "Quando não tinha lugar, a gente tinha que pedir nos gabinetes uma cadeira emprestada e eles colocavam um adesivo, dizendo que pertencia ao conselheiro tal", disse a advogada Maria da Graça Britto Garcia. Uma das pessoas mais assíduas no Cade - das 500 sessões, deve ter faltado apenas a 15 -, Maria da Graça conta que, nos anos 90, o órgão era mais simples e os conselheiros bastante acessíveis. "O Cade era mais íntimo, com mais cumplicidade."
Quando o órgão mudou-se para a sede atual, no início de 2000, havia prédio, mas não plenário. Por isso, algumas sessões foram realizadas próximas à garagem, com tapumes fazendo o lugar de paredes, cadeiras laranjas iguais as que são utilizadas em bares e fios soltos pelo chão. Alguns casos importantes foram decididos nessas condições, como a compra da Superbom pela Kellogg´s.
Hoje, há um plenário com cadeiras confortáveis, sistema de som, além de catracas, o que faz com que advogados só entrem no órgão antitruste se tiverem hora marcada. Na avaliação de Maria da Graça, o órgão antitruste está "bem mais organizado e profissional". "O Cade não pode ser improvisado", diz.
Foi Gesner quem começou a contabilizar as sessões, pois, até 1996, isso não era feito. Apesar de ter sido criado em 1962, o Cade ficou fechado por muitos anos e teve papel incipiente, quase nulo, durante o período em que vigorava o controle de preços, nos anos 70 e 80. Na época, quem atuava contra abusos das empresas era a Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab) e o Controle Interministerial de Preços (CIP). Em 1975, por exemplo, o Cade tinha apenas 12 processos - situação bem diferente de hoje, quando há dezenas de casos por sessão.
A situação começou a mudar em 1994, quando foi aprovada a Lei Antitruste (nº 8.884). Com a intensificação das privatizações, do processo de abertura da economia, das primeiras investigações de cartéis e do "boom" de fusões e aquisições, nos anos 90, o órgão antitruste passou a fazer sessões semanais. "A nossa ideia era criar uma organização. Havia, sobretudo, a preocupação em termos memória institucional", diz Gesner.
De 24 sessões realizadas em 1996, o Cade passou a 43 no ano seguinte. Em 1999, o órgão antitruste chegou a fazer 44 sessões, um recorde até hoje. As sessões passaram a ser gravadas e, hoje, estão disponíveis na internet. "Eu usava a expressão 'Cade 24 horas' para que fosse acessível e em permanente funcionamento", conta Gesner. "Tivemos preocupação com constância e transparência, para que as empresas soubessem como julgávamos os processos."
Hoje, são duas sessões por mês, 24 por ano. Há pautas com mais de 50 processos. E os julgamentos são mais rápidos, pois, desde a gestão de Elizabeth Farina, entre 2004 e 2008, o órgão antitruste passou a julgar processos em bloco, como faz o Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Isso foi inspirado no Judiciário", lembrou Elizabeth.
Com essa sistemática de julgamento, não é preciso fazer a leitura dos relatórios de cada processo. Os conselheiros apenas indicam os casos mais simples e, após um "de acordo" geral, eles são aprovados por unanimidade. Com isso, eles ganham tempo para discutir os processos realmente importantes. "Foi algo que fizemos para ganhar tempo e também para não perder em transparência", disse Elizabeth.
Na gestão dela foi instituída a transmissão do áudio das sessões pela internet, algo único entre os órgãos antitruste do mundo e também entre as agências reguladoras do Brasil. Arthur Badin, que foi presidente entre 2008 e 2010, lembra que, em reuniões na OCDE, em Paris, a transmissão chamou a atenção de dirigentes de agências antitruste de outros países.
Elizabeth também organizou uma salinha, atrás do plenário, para que os conselheiros entrassem juntos para a sessão. Isso evitou contatos prévios com os advogados antes dos julgamentos - os chamados "embargos auriculares". O horário das sessões foi alterado para as manhãs, o que impediu que muitas delas entrassem pela madrugada, como aconteceu, por exemplo, no julgamento da criação da AmBev, em 2000, concluído perto do amanhecer do dia seguinte.
A maior sessão do Cade teve três dias de duração e foi realizada em julho de 2004. Ela começou numa quarta-feira e se estendeu até o começo da noite de sexta-feira seguinte, com pausas para refeições e para dormir. Isso aconteceu, porque houve um acúmulo de processos ao final do mandato do então presidente João Grandino Rodas e de mais três conselheiros. Muitos casos tiveram de ser decididos até a meia noite de sexta-feira, quando, como num horário de Cinderela, os mandatos iriam terminar.
A sessão 500 terá 35 processos, mas nada tão importante para os atuais integrantes do Cade quanto a modificação na Lei Antitruste, que prevê que as fusões só devem ser julgadas depois de realizadas. Isso leva o Cade a julgar muitos processos quando a fusão já foi consolidada no mercado e torna difícil eventuais intervenções.
Em outros processos, quando as fusões são polêmicas, como a união de Sadia e Perdigão, ou do Pão de Açúcar com Casas Bahia, as empresas têm que discutir termos de separação provisória de suas atividades, antes do julgamento, com os conselheiros, o que gera desgaste para ambos os lados.
"O melhor presente que teríamos na sessão 500 seria podermos julgar as fusões previamente. Isso significaria dizer que, daqui para frente, tudo vai ser diferente", concluiu o conselheiro Ricardo Ruiz.
Veículo: Valor Econômico