Reforma Tributária: Entrevista com Sandro Mabel

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O relator da reforma tributaria na Câmara, deputado Sandro Mabel (PR-GO), garante que, ao contrário das dezenas de tentativas frustradas de fazer reforma tributária nos últimos quinze anos, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 31-A, em discussão no Congresso Nacional, não vai morrer na praia.

 

"A diferença é que agora não é uma reforminha que joga tudo para leis complementares e ordinárias, mas um conjunto de normas benéficas à produção e aos consumidores, com comandos constitucionais fortes e auto-aplicáveis, eliminando inseguranças", afirmou o parlamentar ontem em entrevista à Gazeta Mercantil em São Paulo, enquanto aguardava o vôo para Foz do Iguaçu (PR), onde se reuniu com os secretários estaduais de Fazenda no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

 

Para Mabel, o acordo firmado anteontem entre governo e oposição, adiando para março de 2009 a votação da proposta no plenário da Câmara, resulta da necessidade de superar problemas políticos. Segundo ele, "o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), é o único que se opõe à reforma tributária porque é candidato à sucessão presidencial e não quer que o presidente Lula aprove a reforma tributária". Procurada, a assessoria de imprensa do Palácio dos Bandeirantes informou que o governador não está se pronunciando sobre o assunto.

 

Na opinião do relator, o projeto contém mecanismos suficientes para proteger os governos estaduais de eventuais perdas na arrecadação decorrentes das alterações no atual sistema de impostos e contribuições federais. "São Paulo deveria estar rindo, pois finalmente a guerra fiscal vai acabar", enfatiza.

 

Um dos principais motivos do adiamento da votação da PEC na Câmara é a resistência da oposição, especialmente do PSDB e do DEM. A crítica central é relativa a um dos pilares da proposta, que muda o regime de tributação do Imposto sobre Mercadorias e Serviços (ICMS), da origem para o destino - ou seja, os recursos da principal fonte de receitas próprias dos governos estaduais pertenceriam, no futuro, aos caixas dos estados onde os produtos e serviços serão consumidos e não mais nos locais de produção, como acontece hoje.

 

O governo paulista alega potenciais perdas e defende que os estados produtores cobrem alíquotas de 4% nas operações interestaduais e não de 2% - como propõe Mabel. Isso incentivaria esses mesmos estados - a quem caberá recolher o ICMS para depois repassar as receitas àqueles onde ocorrerá o consumo final - a fiscalizar e cobrar o tributo. Com alíquota interestadual de 4% no esquema da tributação no destino, o governo paulista aceita encurtar o prazo para a implantação da mudança - de 2022, prevista na PEC, para 2014.Apesar dessas divergências, o relator aposta que os pontos positivos da PEC são maiores que as divergências. "Se alguém me convencer que a carga tributária vai aumentar depois dessas alterações, eu serei o primeiro a votar contra o projeto", afirma o deputado, que acatou em seu substitutivo quase uma dezena de outros projetos de emenda constitucional visando alterar o regime vigente de impostos e contribuições.

 

Nem mesmo o cenário de crise reduz o otimismo de Mabel. "O momento não permite devaneios acadêmicos nem aventuras. Só é possível trabalhar com o já testado. Por isso não tem espaço para um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) único, juntando tributos federais com o ICMS estadual, bem como para um imposto único sobre movimentações financeiras. A hora é de mexer no sistema tributário para ganhar competitividade para a produção brasileira", argumenta.

 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Gazeta Mercantil - O acordo firmado na quinta-feira adiando para 2009 a votação da reforma tributária não é sinal de que tudo acabará como nas inúmeras tentativas anteriores, quando houve muito debate e nenhum efeito prático por falta de convergência entre os múltiplos interesses envolvidos nessa questão?
Esse acordo está sendo costurado desde a semana passada. Adiar a votação para março só faz sentido dentro do pacto que inclui a formação de um grupo de trabalho com deputados governistas e da oposição, suas respectivas assessorias técnicas, para continuar estudando a forma de convergir os pontos divergentes, durante dezembro, janeiro e fevereiro. Com isso, em março não partiremos da estaca zero. E mais: a oposição aceitou colocar em votação no plenário da Câmara, sem obstrução, os pontos sobre os quais pode não haver convergência. Começamos a trabalhar já na próxima terça-feira, quando os líderes da base governista e da oposição indicarão os deputados para o grupo que trabalho. Não dá mais para adiar uma coisa que é inadiável, o País não aguenta mais uma carga tributária batendo nos 40% do Produto Interno Bruto. E desta vez a reforma tributária vai sair. Existe inclusive um compromisso do líder da minoria na Câmara, deputado ACM Netto (DEM-BA), de votar em março.

 

Gazeta Mercantil - A PEC pode até passar na Câmara, onde a base governista é mais forte. Mas quando chegar no Senado, Casa que representa os governos estaduais, não será mais difícil ainda aprovar a proposta?
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está disposto a votar a reforma tributária completa. Desta vez, a maioria dos estados quer a reforma tributária, nos termos do meu substitutivo. Norte, Nordeste, Centro-Oeste, o Sul, todos querem. É só ver o movimento de vários governadores, por exemplo de Roberto Requião, no Paraná, que está fazendo uma verdadeira reforma tributária em nível estadual, simplificando radicalmente o sistema. Minas Gerais, com alguns pontos de questionamento, está cada vez mais do nosso lado. Da mesma forma o Rio de Janeiro. Ou seja, a maioria dos estados quer aprovar a reforma tributária.

 

Gazeta Mercantil - Então por que a votação foi adiada mais uma vez?
Porque o ponto que precisa ser superado é político. Só não quer a reforma tributária quem só pensa politicamente. O ponto que precisa ser superado é com a oposição. Eu vivo chamando o Serra para o debate, pois o País inteiro quer a reforma, as classes produtoras se manifestam fortemente a favor do projeto, mas a gente até entende. Serra quer ser presidente da República, é candidato em 2010 e não quer deixar o presidente Lula passar a reforma tributária neste governo.

 

Gazeta Mercantil - O governo paulista defende alterações na proposta para minimizar potenciais riscos de arrecadação.
Cansamos de provar que todas as eventuais perdas que as mudanças podem resultar para o estado de São Paulo são passíveis de compensação. São Paulo vai ganhar muito com as alterações no sistema. Só o fim da guerra fiscal significa um benefício monstruoso para os paulistas, cujas bases de arrecadação são fortemente atingidas pela isenção ou redução do ICMS dadas pelas demais unidades da federação para tirar indústrias do território paulista.

 

Gazeta Mercantil - Como reduzir a insegurança que uma mudança dessa magnitude provoca?
Uma das críticas é que existiria o risco de o Supremo Tribunal Federal derrubar o Imposto sobre Valor Agregado Federal (IVA-F), criado a partir da fusão do PIS-Pasep, da Cofins e da contribuição para o salário-educação. É que a maioria de quem critica está aprendendo a ler agora a proposta, na qual está explícito que o PIS-Pasep e a Cofins só acabam quando o IVA-F estiver em pleno funcionamento, com lei complementar aprovada. Vamos aplicar o modelo da França, que antes de praticar as mudanças tributárias, submete à Corte a nova legislação, para que, caso exista algum problema, a correção aconteça antes da implantação das medidas. É o que vamos fazer. Enviaremos ao Supremo uma Ação de Constitucionalidade perguntando se está tudo bem, sanando qualquer incerteza.

 

Gazeta Mercantil - Gazeta Mercantil - A crise financeira, que deve encolher a arrecadação, não aumenta a resistência em torno da PEC?
O cenário de crise não permite modelos especulativos e devaneios acadêmicos, nem qualquer inovação mirabolante. Num momento como este, só é possível trabalhar com o conhecido, o já testado. Nada de aventuras. Justamente por pensar que não há espaço para ousadias, fomos e continuamos muito cautelosos nos prazos de transição, buscando o máximo de segurança para as receitas públicas federal, estaduais e municipais. É por isso que a proposta antiga de fazer um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) único, juntando tributos federais com o ICMS estadual, foi abandonada. O IVA federal agregará tributos federais e o ICMS continuará existindo, mas aperfeiçoado. Da mesma maneira que virou miragem o sonho de um imposto único sobre movimentações financeiras. A hora é de mexer no sistema tributário para ganhar competitividade para a produção brasileira.

 

Gazeta Mercantil - Os prazos de transição entre o atual e o novo modelo são suficientes para sanar eventuais distorções?
A idéia é que dois anos após a promulgação da PEC, o IVA-F esteja funcionando. O Fundo de Equalização de Receitas é a proteção para o caixa dos governos estaduais, quando as alíquotas do ICMS começarem a cair. E se isso deixar a desejar, está previsto ainda o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), outro mecanismo de salvaguarda para a transição. A desoneração sobre os investimentos vai demorar dois anos para acontecer, e a folha de salários será desonerada gradualmente, em seis anos, de 20% para 14%. A mudança da tributação, da origem, como é hoje, para o destino, focando a arrecadação onde estão os consumidores e não os produtores, vai demorar dez anos. Tudo foi pensado para não impor perda aos governos estaduais. São Paulo vai conseguir tranquilamente corrigir qualquer eventual perda, especialmente porque as mudanças tornam ainda mais eficiente a arrecadação por meio de nota fiscal eletrônica, na qual os paulistas estão bem avançados.

 

Gazeta Mercantil - O País discute a reforma tributária há quase quinze anos. Por que desta vez as divergências seriam superadas e ela passaria no Congresso Nacional?
Porque desta vez a proposta está bem amarrada, não é uma reforma da Constituição baseada em leis complementares, que deixa tudo para depois. A PEC dá o comando auto-aplicável para todas as mudanças, dizendo como deve ser feito enquanto o dispositivo constitucional não for regulamentado em leis complementares e ordinárias. Para acabar com a guerra fiscal, por exemplo, está previsto o FNDR, que dará condições aos estados de continuar fazendo política de desenvolvimento regional, mas com recursos federais, na ordem de R$ 8 bilhões ao ano, e não mais leiloando incentivos do ICMS. E seis meses após promulgada a emenda constitucional, o estado que continuar praticando a guerra fiscal - hoje já proibida pela lei complementar 24 - será multado, perderá direito ao FNDR, ao fundo de equalização e a todas as transferências voluntárias da União. Ou seja, os estados perderão todas as receitas federais e o município que abrigar o investimento ilegal também não terá mais direito a receber o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Portanto, tudo isso é coisa séria, é para fazer a reforma tributária. São Paulo deveria estar rindo, a guerra fiscal finalmente vai acabar e com segurança jurídica para todos os atuais contratos, até o final de sua vigência, até o limite de 2020.

 

Gazeta Mercantil - Parece que isso não está sendo suficiente para convencer os governos estaduais de que a arrecadação não será prejudicada.
Mas está claro que desta vez a PEC traz um conjunto de normas, todas auto-aplicáveis e ao mesmo tempo. Não é uma reforminha que joga tudo para leis complementares e ordinárias, ela tem comandos fortes que reduzem qualquer tipo de insegurança. Por exemplo, em relação à guerra fiscal. O fato de os atuais contratos de concessão de benefícios fiscais do ICMS contarem com a garantia de continuidade nos próximos doze anos, evita de uma fábrica de calçados em Sobral, no Ceará, por exemplo, demitir 14 mil empregados e se mudar de lá porque os incentivos fiscais vão acabar.

 

Gazeta Mercantil - Por parte do setor produtivo, existe inclusive o receio de que a reforma poderá resultar em aumento da carga tributária, como já aconteceu com outras alterações no sistema de tributação.
Já estudei tanto esse assunto e tenho tanta certeza do contrário que se alguém me provar tecnicamente que não vai cair, eu voto contra a reforma tributária. Se não fosse assim, o setor privado não estaria apaixonado pela proposta como está. Basta ver as declarações recentes da Confederação Nacional da Indústria e outras entidades empresariais. Até agora, os vários setores da sociedade brasileira não tinham visto uma projeto de reforma tributária detalhando o que vai acontecer, as propostas eram genéricas, agora dá para prever tudo claramente. As mudanças melhoram o ambiente de negócios e aumentam a competitividade da produção brasileira nos mercados interno e externo. Além disso, garantem a apropriação de créditos tributários do IVA federal e do ICMS. Será mantido tudo o que a Lei Kandir dá em termos de desoneração de bens de uso e consumo das empresas. Hoje, as empresas têm dificuldade na transferência desses créditos a terceiros, que ficam acumulados. A nossa proposta prevê que esses créditos podem ser transferidos automaticamente após 120 dias nas operações feitas por nota fiscal eletrônica, em expansão nos estados.

 

Gazeta Mercantil - Em que a proposta simplifica o sistema atual?
Serão transformados em realidade alguns benefícios até existentes, mas impraticáveis pelo excesso de burocracia. É o caso da unificação das 27 legislações estaduais sobre o ICMS, especialmente no que diz respeito às obrigações acessórias desse imposto. O texto diz que no segundo ou no máximo no terceiro ano após a promulgação da reforma, todos os estados adotarão os mesmos procedimentos de administração e recolhimento do ICMS. Tudo isso representará uma grande economia para as empresas e para o País e ajudará as exportações brasileiras.

 

Gazeta Mercantil - E para os contribuintes pessoas físicas, a população em geral, no que a reforma tributária vai ajudar?
Vai reduzir a regressividade do atual sistema, pela qual ricos e pobres pagam igualmente a elevada taxação embutida nos preços finais ao consumidor. Pelos nossos cálculos, atualmente 48% da renda de quem ganha até cinco salários mínimos são consumidos com impostos e contribuições sociais embutidos nos preços finais de produtos e serviços. Essa carga vai cair para 30%, ou seja, quem ganha R$ 1.000,00 ficará com R$ 180,00 a mais no bolso.

 

Gazeta Mercantil - Como garantir que as mudanças no sistema de financiamento da Previdência Social não resultarão em perda de receitas?
O efeito será positivo para o Instituto Nacional do Seguro Social. Em vez de ser ancorado somente em fontes como o PIS-Pasep e na Cofins, o sistema terá suporte numa base mais forte de arrecadação, pois passará a contar com boa parte dos 50,3% do total arrecadado pelo Imposto de Renda, Imposto sobre Produtos Industrializados e IVA federal que serão vinculadas a determinadas despesas. Desse total, 38,8% irão para a Previdência Social. Além disso, a lei complementar pode criar adicional do IVa federal para subsidiar parcialmente a contribuição sobre a folha de pagamento. Simulações mostram que, se estivesse funcionando o novo modelo, seis anos atrás a Previdência Social estaria arrecadando cerca de R$ 12 bilhões por mês a mais do que recolhe atualmente.

 

Veículo: Gazeta Mercantil


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