O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai reabrir a discussão sobre a incidência do ICMS sobre transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma companhia. Conforme adiantado no Valor Pro, em recente julgamento, os cinco ministros da 2ª Turma decidiram remeter para a 1ª Seção - especializada em direito público e composta por dez ministros - um recurso para analisar um argumento, levantado pela Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (PGE-RS), a favor da tributação.
O governo gaúcho afirma que a jurisprudência dos tribunais superiores está desatualizada, pois não leva em consideração o inciso I do artigo 12 da Lei Kandir - Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. O dispositivo determina a incidência do ICMS "na saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular".
Advogados de contribuintes, porém, criticam a cobrança. "É como seu eu passasse meu dinheiro do bolso direito para o esquerdo", diz o advogado Yun ki Lee, sócio do Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados. "Não deve haver tributação." O tributarista Marcos de Vicq de Cumptich, sócio do Pinheiro Neto Advogados, concorda. "Ninguém pode vender ou comprar nada para si próprio", afirma.
Na Súmula nº 166, publicada no dia 23 de agosto de 1996, antes da Lei Kandir, o STJ define que "não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte". O Supremo Tribunal Federal (STF) tem decisões no mesmo sentido, segundo advogados.
Em 2010, a 1ª Seção do STJ reforçou seu entendimento por meio de um recurso repetitivo. Na ocasião, foi anulada uma autuação fiscal da Fazenda do Estado de São Paulo contra a IBM , que havia transferido equipamentos do ativo permanente para outro estabelecimento, situado no Rio de Janeiro.
Os ministros seguiram o entendimento do relator, ministro Luiz Fux, de que a Constituição Federal autoriza a cobrança do ICMS "em operações relativas à circulação de mercadorias". Para Fux, a circulação pressupõe comercialização com a finalidade de obtenção de lucro e a transferência de titularidade.
Ao serem alertados pelo ministro Herman Benjamin, porém, a 2ª Turma entendeu que, no recurso repetitivo, a previsão da Lei Kandir não teria sido levada em conta para solucionar a questão.
O recurso que será analisado pela 1ª Seção é da Cooperativa Regional Agropecuária Sul Catarinense. O arroz, colhido no Estado do Rio Grande do Sul, é constantemente transferido para a matriz da cooperativa em Santa Catarina para processamento e empacotamento.
"O Estado de origem pode até ser prejudicado por não ter direito ao imposto, mas não há que se falar em tributação quando a Constituição Federal não admite", diz o advogado da cooperativa Jader Tomasi, do escritório Tomasi Advogados Associados, que defende outras empresas do ramo de arroz autuadas em até R$ 20 milhões.
Apesar da indicação do STJ de que vai revisar a própria jurisprudência, o tributarista Diego Miguita, do escritório Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados, acredita que o entendimento continuará favorável aos contribuintes. "Os fundamentos usados pelo ministro Fux não são afetados pela lei complementar. Continuam válidos após sua edição", afirma o advogado, acrescentando que, pela quantidade de precedentes, a atual orientação do tribunal superior deverá ser mantida.
Para o advogado Marcos de Vicq de Cumptich, o STJ deverá referendar a interpretação atual para estabelecer que ela se aplica, inclusive, na vigência da Lei Kandir. Segundo ele, a maioria das autuações ocorrem em remessas de ativo imobilizado e de uso e consumo na produção.
O tributarista Yun ki Lee afirma que seus clientes não devem ser afetados. Isso porque muitos realizam o que se chama de operação neutra. Ou seja, recolhem o ICMS na transferência para aproveitar o crédito na venda. "Para alguns contribuintes, porém, há impacto no caixa ou acúmulo de créditos", diz o advogado.
Veículo: Valor Econômico