Empresas apertam caixa para pagar tributos

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As medidas tomadas pelo governo federal no apagar das luzes de 2008 estão fazendo barulho agora nas auditorias. Ao mesmo tempo em que tem tomado decisões para promover a liquidez do mercado e das empresas, como a publicação da MP 447 em novembro, que prorrogou prazo de pagamento de tributos (de 15 a 30 dias, conforme o imposto) para aliviar o fluxo de caixa, e a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Fazenda publicou a MP 449 no início de dezembro, que vai na direção contrária ao proibir as empresas de usar créditos com a Receita Federal para fazer a antecipação mensal de Imposto de Renda de pessoa jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

 

"O assunto tem gerado polêmica e as companhias têm informalmente falado com a Receita. É uma definição contraditória de alongar prazo mas pegar de surpresa com o artigo 29 da 449, que restringe compensação de tributo", diz Lindomar Schmöller, consultor tributário da PricewaterhouseCoopers (PwC).

 

Conforme o tributarista, a maioria das empresas adota o recolhimento de IR e contribuição social por antecipação mensal. "As empresas usam a sistemática da estimativa, tomando um percentual da receita bruta, variável de acordo com o setor de atividade para ter uma média de quanto vira lucro. Também permite fazer no formato de suspensão ou redução, mantendo a antecipação mensal", explica Schmöller. No setor de serviços, por exemplo, a cobrança antecipada é de 32% da lucratividade para estimativa sobre receita.

 

No final do exercício, as companhias fazem os cálculos exatos, checam o que é tributável ou descontado, e batem os resultados com o montante já pago ao Fisco. Muitas vezes, pagaram mais, e a diferença fica como crédito para os próximos pagamentos de impostos. Com a MP, as empresas terão que fazer desembolso mensalmente, em dinheiro - justamente no momento em que a preservação de caixa pode ser não só estratégica como questão de sobrevivência.

 

Certo banco de investimentos e corretagem, que prefere não ter o nome divulgado no que se refere ao tema, paga anualmente R$ 6 milhões em IR e CSLL - e tem um crédito acumulado de R$ 34 milhões. Ou seja, poderia se manter por mais de cinco anos sem fazer um desembolso. Outro exemplo é o Bradesco, que em 2007 registrou R$ 717,61 milhões em créditos tributários de períodos anteriores, que foram deduzidos do encargo total de IR e CSLL do exercício, de R$ 3,58 bilhões, conforme o balanço da empresa.A medida atinge em cheio as empresas de capital aberto e especialmente bancos que, como pagam Juros sobre Capital Próprio no fim do ano, reduzem o montante de lucro tributável - mas já anteciparam a bolada ao fisco. Procurada, a Receita diz que não comenta discussões levadas ao parlamento (a MP está na fila de votação do Congresso, tendo um prazo maior para votação, devido ao recesso parlamentar) e que a 449 não foi levada por ela, mas pela Procuradoria da Fazenda.

 

Para Marcelo Natale, sócio da área de consultoria tributária da Deloitte, as decisões da Receita e da Fazenda foram sincronizadas. "As empresas terão efeito caixa relevante e não parece ter sido uma definição acidental, já que veio casada com a nova instrução normativa 900 e a nova versão do per/dcomp", ressalta. O Pedido Eletrônico de Restituição ou Declaração de Compensação (per/dcomp) é o programa informatizado da Receita pelo qual as companhias viabilizam a compensação de créditos. A nova versão bloqueia automaticamente a tentativa de uso desses créditos.

 

Já a normativa 900 é a consolidação e atualização de regulamentações de compensação de tributos, incluindo a unificação de recolhimentos da Previdência e Receita Federal. "A expectativa era que o aumento da eficiência na arrecadação também traria benefício na outra ponta. Ou seja, permitiria às empresas compensar alguns tributos federais com créditos previdenciários, mas isso não veio na norma", diz Natale.

 

A exceção no uso de créditos ocorre quando a companhia obteve lucro extraordinário num exercício, e na contabilização ao fim do período deve complementar as antecipações feitas em dinheiro. "Esse complemento pode ser feito com créditos. Mas em geral, os tributos que a empresa antecipa no ano já são maiores que o do exercício, ou seja, geram novos créditos", ressalta Felipe Ávila, gerente tributário da PwC.

 

A alternativa para a empresa é alterar a contabilidade de apuração de lucro real anual para o trimestral. Mas não é à toa que optam pelo primeiro formato. "A desvantagem na apuração trimestral é que o lucro do período anterior não poderá ser compensado com o prejuízo fiscal de trimestres seguintes, ainda que dentro do mesmo ano calendário", explica Lúcio Abrahão, tributarista da BDO Trevisan. "O prejuízo fiscal apurado em um trimestre só poderá reduzir até o limite de 30% do lucro real dos seguintes. Já no lucro real anual, a empresa poderá compensar integralmente os prejuízos com lucros apurados no mesmo ano."

 

Veículo: Gazeta Mercantil


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