08/08/2008
Decisão da 9ª Câmara Cível do TJRS aumentou de R$ 6 mil para R$ 70 mil o valor que a empresa Lojas Americanas S.A. deverá pagar como reparação moral a um casal porto-alegrense que foi acusado da ocorrência de furto de ovos de Páscoa. No dia da ocorrência, marido e mulher foram violentamente espancados.
Os fatos remontam a 23 de março de 2005, por volta das 15 h.,quando os clientes compraram algumas guloseimas para presentear, pagando R$ 55,00. Quando saiam pela porta da Rua Andrade Neves, foram "bruscamente abordados por seguranças da loja".
Os dois consumidores (ele, 45 de idade, aposentado por invalidez; ela do lar, 36 de idade) foram imobilizados e arrastados até uma sala, nos fundos do andar térreo. Neste local, a mulher foi revistada e agredida, aos gritos de “ladra” e “sem-vergonha”, recebendo socos e pontapés, nas regiões do abdômen, nas pernas, na cabeça e no rosto, chegando a ficar inconsciente por alguns momentos.
O marido foi alvo de ofensas verbais e pressão psicológica, além de ter seus óculos quebrados. Sofreu lesões nas coxas, região lombar direita e na mandibula. Seis pessoas teriam participado, assistido e/ou incentivado as agressões, embora tenha sido nominalmente indicado apenas um dos ´leões-de-chácara´.
Cupom fiscal e os ovos comprados foram apreendidos pelos seguranças. A BM foi chamada e os PMs constataram o lastimável estado físico dos consumidores - levando-os inicialmente ao Pronto Socorro e ao IML, para atendimento e exame de lesões. Por iniciativa da empresa, o caso foi encaminhado à polícia civil.
No meio da noite, a mulher - após a lavratura do flagrante - foi conduzida à Penitenciária Madre Pelletier; o marido, ao Presídio Central. Ambos foram soltos, respectivamente, às 3h. da madrugada e às 10h. da manhã, em função de liberdade provisória concedida pelo Serviço de Plantão do Foro Central.
O flagrante foi encaminhado à 11ª Vara Criminal de Porto Alegre e arquivado por caracterização de crime impossível, a pedido do Ministério Público, que não ofereceu denúncia. O juiz do feito criminal entendeu não haver provas do furto e que, ademais, se tivesse sido tentado, se caracterizaria como "furto impossível, ante o sistema de câmeras e a ação do sistema de vigilância e presença dos seguranças". O caso teve desdobramentos, depois, na Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa.
Na ação cível, reiteradamente instada, as Lojas Americanas não apresentaram as fitas que poderiam demonstrar o ato do pretenso furto e o alegado agir "apenas enérgico" dos seguranças. Foi nessa omissão da empresa que o juiz Mário Roberto Fernandes Corrêa, da 3ª Vara Cível de Porto Alegre, se baseou para julgar procedente os pedidos da ação, deferindo R$ 3 mil a cada um dos clientes pelo dano moral e indenização de R$ 2.450 pelos danos materiais - ai incluídos R$ 1.000 pagos ao advogado que obteve a liberdade do casal.
Clientes e lojas apelaram. Num longo acórdão em que mantém a indenização pelos danos materiais e aumenta a reparação de R$ 6 mil para R$ 70 mil - o desembargador Tasso Caubi Soares Delabary esmiuça os fatos e conclui que "a abordagem extrapolou os limites da razoabilidade e proporcionalidade - ainda que fosse admitida a prática de ilícito, o que não restou demonstrado - e que constitui ilícito civil gerador de dano moral in re ipsa, que decorre do próprio fato".
O julgado também aborda a circunstância de que as Americanas não trouxeram as gravações de imagens - utilizando o pueril argumento de que "face ao parreiral de ovos dispostos na loja, as imagens gravadas nada mostraram dos fatos".
Atuaram na defesa dos interesses dos autores da ação, as defensoras públicas estaduais Ana Mariza de Mattos Barbosa, Christine Balbinot e Rafaela Consalter. (Proc. nº 70022562995 -Espaço Vital).