Na sessão ocorrida em 19 de novembro, o Plenário da Suprema Corte decidiu que não cabe recurso ao STF para solucionar equívocos na aplicação da repercussão geral.
A decisão surpreende e gera profunda insegurança.
O Supremo, “por unanimidade, resolveu a questão de ordem no sentido de não conhecer do agravo de instrumento [nº 760358] e de devolvê-lo ao tribunal de origem para que o julgue como agravo regimental”. O agravo de instrumento em questão impugnava decisão manifestamente equivocada emanada do Tribunal de Justiça de Sergipe, fato reconhecido pelos próprios ministros do STF.
O equívoco do TJSE consubstanciou-se em negar seguimento ao recurso extraordinário mediante aplicação analógica de uma decisão do Supremo, ou seja, não se tratava de “idêntica controvérsia”, conforme dispõe expressamente o artigo 543-B do Código de Processo Civil, e sim hipótese de mera semelhança.
Diante do erro manifesto, assim reconhecido pelo Plenário, por que o STF não deu logo provimento ao agravo de instrumento, como seria de se esperar?
Ocorre que a Suprema Corte tem constatado números crescentes de agravos de instrumento contra decisões que negam seguimento a recursos extraordinários e, também, significativo aumento de reclamações contra decisões que obstam a subida de agravos de instrumento, tomadas com base em precedentes do STF (não-raro equivocadas, como no caso do Tribunal de Sergipe).
Temem, os ministros, que o quadro se agrave comprometendo a eficácia das medidas desafogadoras que vem sendo implementadas. Daí terem decidido que em tais hipóteses “não cabe recurso ao STF”.
Segundo assentado pelo Plenário, a parte vítima da decisão errônea deve buscar resolver o problema na origem: se a decisão equivocada for monocrática, deve agravá-la regimentalmente; se for colegiada, impetrar mandado de segurança.
A solução preconizada pode resolver um possível problema operacional do Supremo, contudo, fechar as portas do STF ao recorrente, isso num crucial momento processual, não parece a mais consentânea com a preservação de relevantes princípios da ordem constitucional.
Ademais, os dois caminhos alternativos alvitrados pelos eminentes ministros tratam-se de vias, à evidência, tortuosas e inadequadas.
Basta observar que a jurisprudência pátria é firme no sentido de não caber agravo regimental das decisões de presidentes e vice-presidentes em sede de juízo de prelibação.
Em recente decisão unânime da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (Ag 1036701-RJ, DJe 08.10.2009), esse posicionamento restou muito claro:
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. A decisão que, na forma do artigo 328-A, da Emenda Regimental nº 23, de 2008, do Supremo Tribunal Federal, julga prejudicado o agravo de instrumento interposto contra a decisão que nega seguimento a recurso extraordinário não pode ser contrastada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça; trata-se de decisão proferida no exercício de jurisdição delegada pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que só este pode reformá-la. Agravo regimental não conhecido.”
No que tange a sugerida impetração de mandado de segurança, a ideia não é mais feliz. Qual a teratologia existente numa decisão judicial que, em decorrência de simples equívoco de interpretação, aplica um precedente similar ao invés de um idêntico à controvérsia examinada? Que direito líquido e certo possui o recorrente de ter o seu recurso extraordinário apreciado pelo STF?
E pior: eventual recurso ordinário de decisão que denegue a segurança terá como destino o Superior Tribunal de Justiça, por força da Constituição da República (art. 105, II, b). Quer dizer, o STJ iria apreciar questão afeta ao mérito da repercussão geral, matéria de competência absoluta do STF?
É compreensível que em plena fase de implementação de novos mecanismos e institutos criados para viabilizar o Judiciário, dentre estes a repercussão geral, aprimoramentos na regulamentação sejam introduzidos na medida em que se verifiquem problemas.
Como é perfeitamente natural que os ministros estejam preocupados com a preservação da eficácia dos novos mecanismos. Qualquer operador do Direito que se visse na posição de ministro certamente pensaria assim.
Contudo, não é razoável, simplesmente, fechar as portas.
Se expressivo e crescente número de litigantes mal-intencionados estão a agravar e reclamar sem o menor cabimento (o que é difícil de crer), fazendo-o mesmo diante da manifesta correta aplicação pelos tribunais dos precedentes do STF, a litigância de má-fé deve ser penalizada como prevê a lei. É cediço que sem leniência práticas espúrias tendem a ser inibidas.
Mas, insista-se, não é razoável, simplesmente, fechar as portas, pois o fazendo o STF não apenas deixa os recorrentes entregues a própria sorte, mas, sobretudo, abdica de ponderável parcela de sua autoridade e competência.
POR THOMAZ THOMPSON FLORES NETO.
Fonte: Conjur -Consultor Jurídico