O caminho da lei nos corredores dos supermercados

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A evolução no relacionamento entre o setor e os consumidores e o que precisa ser aprimorado nesse sentido foi tema do primeiro Supermeeting Jurídico, que ainda tratou dos direitos constitucionais dos supermercados e de como garanti-los diante de regulamentações que ocorrem permanentemente

 

No dia 27 de outubro, a Abras realizou pela primeira vez o Supermeeting Jurídico. O evento, que contou com a presença de 209 profissionais, em sua maioria advogados de empresas supermercadistas, foi ensejado pelos dez anos de existência do Comitê Jurídico da Abras e trouxe à baila os seguintes temas: “Os Reflexos dos 21 Anos da Constituição Federal nos Supermercados — Limites da Competência Estadual e Municipal sobre Defesa Consumidor” e “Código de Defesa do Consumidor e os Supermercados — Balanço e Perspectiva (parte 1 e 2)”. Do primeiro tema tratou o advogado tributarista, jurista e professor emérito das universidades Mackenzie, Ives Gandra da Silva Martins; do segundo, o diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), Ricardo Morishita Wada; e do terceiro, a assessora técnica da diretoria executiva do Procon-SP, Vera Lúcia Remedi Pereira.

 

 

O presidente da Abras, Sussumu Honda, abriu o evento enaltecendo o trabalho do Comitê, que ao longo de uma década exerce papel importantíssimo na defesa dos direitos do setor, como na questão do “trabalho aos domingos”, “afixação de preços”, “abertura de farmácias em supermercados”, entre outras, e cujo sucesso em muito se deve ao entrosamento entre os seus integrantes e com o escritório da Abras em Brasília (DF), que busca dar curso aos trabalhos jurídicos. “Quero aproveitar a oportunidade para parabenizar o trabalho realizado pelo vice-presidente de Relações Políticas e Institucionais da Abras, Marcio Milan, que responde pela direção do comitê, e o trabalho realizado pelo diretor jurídico e advogado da entidade, Nicolau Frederes.”

 

 

Sussumu fez questão dizer que o Comitê foi um dos primeiros da entidade e que, pelo seu caráter abrangente, acabou motivando a Abras a criar novos comitês. Depois, para finalizar, agradeceu a presença dos palestrantes e ressaltou a necessidade de realizar-se mais encontros técnicos com propósito institucional, como este.

 

 

Inconstitucionalidades

 

 

“Nunca no Brasil houve uma Constituição tão liberal como a atual e que respeitasse e defendesse a livre iniciativa e a livre concorrência”, disse Ives Gandra da Silva Martins, logo no início de sua explanação, fazendo menção à importância da Constituição Federal vigente para o desenvolvimento do setor supermercadista no País. Por outro lado, o jurista não tardou a dizer que esse caráter constitucional tem sido negligenciado por regulamentações concebidas sem prévia consulta à Constituição Federal, o que considera uma grande falha.

 

 

Segundo Martins, há uma porção de “regulamenteiros” criando normas inconstitucionais que só fazem burocratizar o País. “E o resultado desse Estado burocratizado é a incapacidade de as empresas realizarem planejamentos econômicos, já que a qualquer momento uma mudança na regulamentação pode pôr a perder todo o esforço empenhado na elaboração das estratégias comerciais.” O advogado disse que, além de muitas vezes serem inconstitucionais, algumas regulamentações, ao prejudicarem os contribuintes, prejudicam também os consumidores. Afinal, na medida em que a livre iniciativa, responsável pela imensa parte dos empregos gerados no País, tem sua capacidade de planejamento e, consequentemente, seu desempenho econômico prejudicados, isso acaba por prejudicar os consumidores e a economia do País.

 

 

Martins citou o “pacto republicano” que, entre outras coisas, prevê — por meio da ferramenta da “penhora on-line” — que uma empresa acusada de práticas ilícitas terá seus bens previamente penhorados pelo Estado, sem dar-lhe antes a oportunidade de se defender judicialmente. O direito à defesa só ocorrerá depois da realização da penhora. “É inadmissível e completamente inconstitucional, já que, cerceada dos próprios bens, a empresa acusada não disporá de recursos para contratar os agentes da sua defesa”, afirma. Sem contar que a avaliação do caso não será feita por um auditor especializado ligado ao Poder Judiciário, mas pela Caixa Econômica Federal, o que, segundo o tributarista, configura outra inconstitucionalidade.

 

 

O jurista ainda destacou a diferença de tratamento prevista no “pacto republicano” entre o procurador da República, que pode fazer a intimação ao contribuinte por carta ou por e-mail, e o contribuinte, que só deverá responder à procuradoria pessoalmente, sendo a troca de e-mails e cartas considerada inválida, medida que do ponto de vista da igualdade de direitos é no mínimo questionável. Finalmente, Martins enxerga a penhora on-line como uma ameaça ao exercício da advocacia no País e, em muitos casos, pode ser fator crucial para uma sentença desfavorável ao acusado. O jurista, com tais argumentos, defende uma ação direta de inconstitucionalidade contra o “pacto republicano”.

 

 

Competências

 

 

Ainda na linha do descompromisso com a Constituição Federal, Martins citou a atuação dos poderes jurídicos municipais e estaduais que têm extrapolado os limites de suas competências em muitos casos, com regulamentações que desrespeitam leis federais. Os próprios supermercados têm sentido na pele essa postura arbitrária. O tema “trabalho aos domingos”, inúmeras vezes tratado em SuperHiper, é objeto de disputas jurídicas em âmbito municipal, embora haja uma lei federal que assegura aos supermercados o direito ao funcionamento aos domingos. “O setor precisa levar ao Supremo Tribunal Federal suas reivindicações de modo a esclarecer as competências dos judiciários municipais e estaduais. A única solução é o cumprimento da Constituição. Onde só arbitra a União, Estados e Municípios não devem arbitrar”, disse Martins.

 

 

Ao abrir espaço para a sessão de “perguntas e respostas”, coordenada pelo sócio e advogado do escritório Pinheiro Neto, Flávio Lemos Belliboni, cuja empresa foi uma das apoiadoras do evento, Martins falou sobre o perigoso processo de “jurisdização da política”, em que o Congresso e o Executivo agem como se tivessem poderes constitucionalmente restritos ao Judiciário, e “politização do jurídico”, em que o poder jurídico se considera no direito, por exemplo, de legislar. “É algo impraticável e uma confusão perigosa para a harmonia e o bom funcionamento entre os diferentes e complementares poderes.”

 

 

Quando a pergunta que lhe dirigiram fez referência ao Código de Defesa do Consumidor e os possíveis desacordos com os direitos dos supermercados, mais uma vez o jurista citou os riscos inerentes à criação de diversas regulamentações sem critério bem definido e respeito à Constituição. “As relações comerciais precisam ser formuladas por pessoas que entendem de economia. As regras não devem beneficiar o mais fraco, pura e simplesmente, sem que haja uma justificativa funcional. Não é isso que fará a economia forte, mas, sim, uma regulamentação justa. As regras precisam contemplar as necessidades dos contribuintes em geral, e não apenas a dos consumidores”, alertou.

 

 

 

Ao término da sessão, o coordenador Flávio Belliboni teceu inúmeros elogios a Ives Gandra, enaltecendo sua capacidade de exemplificar, com histórias do dia-a-dia, questões jurídico-tributárias extremamente complexas. “O professor Ives Gandra dispensa comentários e, para melhorar a palestra, o evento se mostrou altamente organizado, oferecendo ao palestrante tempo suficiente para que abordasse com tranquilidade os aspectos mais importantes do tema.” Belliboni também se disse satisfeito com as perguntas do público, que, na sua observação, esteve concentrado do início ao fim da palestra.

 

 

Consumidor

 

 

A segunda palestra da tarde coube ao diretor do DPDC, Ricardo Morishita Wada, que destacou o assunto do apreçamento, alegando que esse é o maior problema verificado pelo DPDC na relação entre o setor e os consumidores. Morishita foi categórico ao afirmar que enquanto os supermercados não cumprirem o que determina a lei e afixarem os preços nas gôndolas de forma clara e com explícita referência ao produto à venda, o diálogo entre os órgãos que representam o consumidor e o setor supermercadista não avançará, independentemente do assunto em questão. Em outras palavras, essa é uma pendência que entrava todas as demais que surjam ou que já existam.

 

 

Vale lembrar que a lei em vigor foi uma solicitação do próprio setor e que substituiu o apreçamento item a item. É também importante informar que os problemas com afixação de preços não são generalizados, o que torna ainda mais premente e necessária a prática legal do apreçamento por parte das empresas que apresentam falhas nessa área, impedindo que as cumpridoras da lei não sofram com um possível “retrocesso”. “Se os supermercados não dispuserem os preços e as informações previstas em lei nas etiquetas de gôndola, poderá haver retrocesso”, disse Morishita.

 

 

Porém, se por um lado cobrou o setor, por outro elogiou o fato de as 20 maiores empresas supermercadistas do País representarem  apenas 2% das reclamações dos consumidores em todo o Brasil, conforme dados do próprio DPDC. “Este é um número bastante significativo, se considerarmos que 85% dos produtos alimentares comercializados no País passam pelos supermercados.”

De acordo com ele, 55,4% das reclamações se referem ao produto e 37,8% aos serviços financeiros, que nos últimos anos, com a expansão do crédito e a parceria entre as redes de varejo e os bancos para aproveitar a entusiasmada demanda, aumentou bastante. “Os cartões de crédito respondem por 89% das queixas relativas ao setor financeiro.”

 

 

 

Morishita disse que, em muitos casos, as citações aos supermercados em virtude de serviços financeiros nem chegam a configurar reclamações, mas denotam falta de confiança do consumidor nas empresas do setor. “Constatamos que em 34,6% dos casos o cliente vai aos Procons para pedir que se calcule a prestação da compra, numa clara demonstração de desconfiança, o que é muito ruim para o setor. E a desconfiança muitas vezes não é infundada, já que a segunda principal causa de ocorrências em termos de serviços financeiros, com 31,9% do total, é a cobrança indevida.”

 

 

Contratos

 

 

Para diretor do DPDC, a principal razão dos problemas são os contratos fechados entre varejistas e fornecedores e mesmo entre varejistas e clientes, ou prestadores de serviços. “Os contratos são incompreensíveis à imensa maioria da população, que não os lê. E não os lê porque são maiores que precisariam ser e mais herméticos que deveriam ser.”

 

 

Entre os produtos, os destaques negativos são os celulares e os itens de informática, com 30% e 15% das queixas, respectivamente. A garantia é a fonte de 41% das reclamações referentes aos produtos. Os defeitos, segundo Morishita, são a segunda principal causa, com 22%. “Sobretudo se considerarmos as queixas que dizem respeito à garantia, constataremos mais uma vez que a origem das reclamações e dos problemas são os contratos. Por isso, eu reitero:  melhor relação entre o setor e os consumidores passa inevitavelmente pela melhora na qualidade dos contratos, que precisam ser mais simples, concisos, claros e respeitados.”

 

 

O diretor do órgão público disse que um contrato não tem outra razão senão permitir a circulação de riquezas e que quanto mais burocráticos os contratos forem, mais sofrível será a circulação dessa riqueza.

 

 

Aproveitando o ensejo dado pela questão da qualidade dos contratos, Morishita disse que em 2010 o CDC completa 20 anos e, para comemorar o aniversário, é necessário virar a página e pensar nas próximas duas décadas. “Os empresários brasileiros, em sua maioria, foram grandes parceiros no processo de modernização das relações com o consumidor nos últimos 20 anos. Os supermercados tiveram papel importante, mas é preciso mais. É preciso corrigir os erros para fazer dessa relação ainda mais profícua para os próximos 20 anos. Eu insisto que, boa parte dos problemas ainda existentes nessa relação se resolverá com contratos mais transparentes, confiáveis e seguros. Creio também na autorregulamentação.”

 

 

Autorregulamentação

 

 

O diretor do DPDC ainda afirmou que as empresas podem criar mecanismos para saber quais são as principais reclamações dos consumidores e pensar maneiras de resolvê-las, antecipando-se aos problemas e às suas soluções. “Uma experiência bastante simples e interessante que serve bem ao propósito de criar mecanismos autorregulamentadores é a criação de um Livro de Reclamações”, informou.

 

 

Ao fim da explanação de Morishita, o advogado e sócio do Escritório Azevedo Sette Advogados, Paulo Afonso Ciari de Almeida Filho, coordenou a seção de perguntas e respostas, durante a qual mais uma vez Morishita falou da afixação de preços. Acrescentou pontos que não havia tocado ao longo de sua palestra, como a informação, por meio das etiquetas de gôndola, dos juros embutidos nas promoções de parcelamento. “O ‘10 x sem juros’ é uma publicidade mentirosa. Por que não proibir publicidade mentirosa? Responsabilidade social é ser honesto. É isso que entendo por autorregulamentação.”

 

 

Morishita ainda disse que ao lesar o consumidor o supermercado também lesa o próprio setor. Em outras palavras, a adesão a medidas de defesa do consumidor são saneantes ao mercado. “A prova de que a falta de escrúpulo é danosa ao setor é que não há como concorrer contra quem é desleal, a não ser que se seja desleal também. E nesse caso teríamos o que de pior pode acontecer ao mercado, um ambiente de total falta de confiança do consumidor, tornando o seu nível de fidelidade baixíssimo e as suas vendas igualmente incertas. Eis a importância da autorregulamentação, a fidelidade, a confiança do consumidor.”

 

 

Encerrada a sessão de perguntas e respostas, o coordenador e advogado Almeida Filho se disse bastante lisonjeado pela participação no evento e por ter coordenado os debates sobre tema de tamanha relevância para os supermercados. “Sem dúvida, é um tema bastante polêmico, e, a meu ver, o principal ponto da palestra do Dr. Ricardo Morishita foi o fato de o DPDC estar com as portas do diálogo sempre abertas para o setor.” Almeida Filho elogiou o Supermeeting Jurídico, sobretudo pela escolha dos temas e dos palestrantes, e disse que espera ver a dose repetida em 2010.

 

 

Números paulistas

 

 

A assessora técnica do Procon-SP, Vera Lúcia, foi a terceira a palestrar e trouxe números que revelaram em que nível está o relacionamento entre os supermercados e os consumidores paulistas. Os dados do Procon de São Paulo abrangiam os últimos dez anos e somavam 216 reclamações nesse período. É curioso observar que o número de reclamações tem diminuído nos últimos anos, já que computou cinco em 2005, quatro em 2006, cinco em 2007 e uma em 2008. Neste ano, há apenas quatro atendimentos e sete encaminhamentos para a fiscalização, processos que antecedem o registro efetivo da reclamação.

 

 

Vera Lúcia também apresentou dados das reclamações resultantes de falhas na afixação de preços, que nos últimos anos têm crescido. Em 2005, os autos de infração por problemas dessa ordem no autosserviço computavam 257, contra 770 em 2008. Neste ano, foram registrados até então 337. A falta ou inadequação dos preços nas etiquetas de gôndola são a principal causa. “Representaram pouco mais de 30% das reclamações em 2008 e, em 2009, respondem por pouco mais de 22%, a princípio”, disse Vera.

Quanto à irregularidade mais constada no setor, de 2005 a 2009, os problemas com prazo de validade encabeçam a lista. Em 2008, foram responsáveis por 72,4% das reclamações, segundo informa a assessora do Procon. Atrás, com 30% das reclamações, vem a falta de rotulagem nutricional. A falta ou inadequação da informação da validade chegou a 26% no ano; o descumprimento de ofertas, a 17,6%; apreçamento inadequado, a 15,6%; problema com leitor ótico, a 15,6%; e incorreção nas informações de kits promocionais, a 3,2%. Em 2009, verifica-se, até o momento, participação das causas de reclamação bastante semelhante à do ano passado. Há apenas uma diferença: o apreçamento inadequado aumentou, saindo de 15,6% para 30%.

 

 

Vera Lúcia concluiu a explanação dizendo que os números corroboram a tese de que os supermercados precisam se dedicar mais à questão do apreçamento. “Tendo em vista que há diversas embalagens de tamanhos diferentes para o mesmo produto, o comerciante deve estabelecer meios para que o consumidor saiba o quanto está pagando por unidade, mililitro e grama.”

 

 

Ao fim da explanação, abriu-se espaço para a sessão de perguntas e respostas, cuja coordenação coube ao advogado e sócio do Escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, José Samurai Saiani. Entre as questões levantadas, uma fez referência às compras on-line e o direito de desistência da compra por parte do cliente, tendo como motivação o fato de o produto não corresponder às suas expectativas. “A falta de contato físico com os produtos pode levar a essas desistências e o consumidor tem esse direito”, afirmou Vera Lúcia.

 

 

José Samurai Saiani, ao fim do debate por ele coordenado, declarou que a palestra, recheada de dados estatísticos, mostrou de forma objetiva a preocupação do setor com o bom relacionamento com seus clientes. “Os números, que contemplam um longo período, mostram que há poucas queixas e não dão margem para que se duvide da seriedade do setor.” Saiani elogiou a escolha dos palestrantes, cujas palestras, segundo ele, foram esclarecedoras. “Na minha opinião, o evento foi ótimo em todos os aspectos.”

 

 

Antes de encerrar em definitivo a solenidade, Sussumu Honda retomou a palavra, reiterando a importância do Comitê e dos eventos de caráter institucional, para depois concluir a cerimônia com uma homenagem ao Comitê, por meio de seu coordenador, Nicolau Frederes, e do vice-presidente da Abras, Marcio Milan, entregando a cada um deles uma placa de reconhecimento e agradecimento aos serviços prestados ao setor. Ao fim, Sussumu, pelo apoio dado em sua gestão ao Comitê, também foi homenageado, com uma placa entregue pelo presidente da Associação Latino-Americana de Supermercados (Alas), João Carlos de Oliveira.

 

Veículo: Revista SuperHiper edição novembro de 2009

 


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