Foi concedido a segurança postulada pela impetrante OAB Subseção do Rio Grande para determinar ao Secretário da Fazenda do Município de Rio Grande, que se abstenha de exigir das sociedades de advogados, substituídas o ISS com base na Lei Municipal nº 5868/03, sem prejuízo do recolhimento e da cobrança do imposto pelo regime de tributação previsto nos paragrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68.
O referido Mandado de Segurança foi patrocinado pelo representante da Comissão de Defesa e Assistência do Advogado na Subseção do Rio Grande Dr. Enio Duarte Fernandez Junior.
Segue sentença:
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO Nº 5000118-61.2009.404.7101/RS
IMPETRANTE
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, SEÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADO
enio duarte fernandez junior
IMPETRADO
Secretário - MUNICÍPIO DE RIO GRANDE - Rio Grande
ADVOGADO
PRISCILA PERES MOREIRA
IMPETRADO
MUNICÍPIO DE RIO GRANDE
PROCURADOR
STELLA MARIA FERREIRA SIMOES
SENTENÇA
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança coletivo, instrumentalizado com pedido
liminar, impetrado pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL contra ato do SECRETÁRIO DA FAZENDA DO MUNICÍPIO
DE RIO GRANDE/RS, objetivando seja determinado à autoridade impetrada
que se abstenha de exigir e aplicar às sociedades de advogados
constituídas no Município de Rio Grande/RS, a previsão da Lei Municipal
nº 5.868/2003, que determina que o ISS seja calculado com base no preço
do serviço, ao qual se aplica a alíquota correspondente, na forma da
tabela constante da referida lei (item 17.14). Requer enquadramento no
regime de tributação fixa anual, conforme previsão dos §§ 1º e 3º do
art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68.
Aduz que o art. 156, III, da Constituição Federal, confere aos
municípios competência para instituir impostos sobre serviços de
qualquer natureza, não compreendidos em hipótese de incidência do ICMS,
conforme definidos em lei complementar. Assevera que a lei complementar
a que se refere a Constituição é a LC nº 116/03, que revogou
parcialmente o DL nº 406/68. Refere que, especificamente no que pertine
à base de cálculo do ISS, ainda vige o DL nº 406/68, que, em seu art.
9º, § 3º, estabelece a regra do recolhimento do ISS por profissional
habilitado que, embora assumindo responsabilidade pessoal, preste
serviços em nome da sociedade. Salienta que as disposições do DL nº
406/68 foram recepcionadas pela Constituição Federal. Assegura que,
quando os serviços são prestados por sociedades de profissionais
liberais, que prestam os serviços de forma pessoal, não interessa ao
usuário a existência da sociedade, pois são os profissionais que
assumem a responsabilidade pelos serviços, diversamente das sociedades
do tipo 'empresarial', em relação às quais pouco importa a pessoa dos
sócios, que, particularmente, não prestam serviço e não assumem
responsabilidade pessoal perante o usuário. Menciona que a Lei
Municipal nº 5.868/03 não encontra fundamento de validade, por
contrariar o DL nº 406/68, que disciplina a base de cálculo do ISS.
Alega que o perigo de demora diz com os prejuízos à continuidade das
atividades das sociedades de advogados registradas perante a impetrante.
De acordo com o disposto no art. 22, § 2º, da Lei nº 12.016/2009, o
representante judicial do Município do Rio Grande foi intimado para
pronunciamento no prazo de 72 (setenta e duas) horas, tendo restado
silente (Evento 11).
A liminar foi indeferida (Evento 15).
A autoridade impetrada prestou informações (Evento 30), alegando que a
matéria demanda dilação probatória, não admitida na via do mandado de
segurança, porque se faz necessário que as sociedades de advocacia
demonstrem o preenchimento dos requisitos que as caracterizem como
sociedades uniprofissionais e não como sociedades empresariais.
Sustentou que o § 1º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68 foi revogado,
porquanto o art. 10 da Lei Complementar nº 116/03 extinguiu a
contribuição na forma postulada. Discorreu sobre os princípios da
igualdade e da capacidade contributiva. Asseverou que é pacífico o
entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que apenas
às sociedades uniprofissionais se aplica a previsão dos §§ 1º e 3º do
art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68 e essa não é a realidade de todas as
sociedades de advogados, algumas das quais exercem outras funções além
das inerentes à carreira jurídica da advocacia. Salientou que as
sociedades mistas estão sujeitas ao ISS calculado sobre o preço do
serviço. Referiu que a Lei Municipal nº 8.868/03 não padece de
inconstitucionalidade.
O Ministério Público Federal requereu o prosseguimento do feito sem a
sua intervenção (Evento 34).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório. Passo a decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
Quando do advento da Constituição Federal de 1988, já estava assegurado
às sociedades de advogados o cálculo do ISS por valor fixo em relação a
cada profissional
que prestasse serviços em nome da sociedade, conforme estabelecia o
art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, com a redação dada pela LC nº 56/87:
Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho
pessoal do próprio contribuinte, o impôsto será calculado, por meio de
alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de
outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga
a título de remuneração do próprio trabalho.
...
§ 3º Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88,
89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas
ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a
cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste
serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade
pessoal, nos termos da lei aplicável. (Redação dada pela Lei
complementar nº 56, de 15.12.1987)
Com a edição da Súmula nº 663, o Supremo Tribunal Federal demonstrou
entendimento no sentido de que os §§ 1º e 3º do DL nº 406/68 haviam
sido recepcionados pela nova ordem constitucional e, portanto, as
sociedades de profissionais liberais tinham o direito de recolher o ISS
com base em valor anual fixo, calculado sobre o número de profissionais
que as integram.
A Lei Complementar nº 116/03 dispôs que a base de cálculo do imposto é
o preço do serviço, com algumas exceções:
Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando os serviços descritos pelo subitem 3.04 da lista anexa
forem prestados no território de mais de um Município, a base de
cálculo será proporcional, conforme o caso, à extensão da ferrovia,
rodovia, dutos e condutos de qualquer natureza, cabos de qualquer
natureza, ou ao número de postes, existentes em cada Município.
§ 2º Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza:
I - o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços
previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei
Complementar;
II - (VETADO)
§ 3º (VETADO)
(...)
Art. 10. Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei no
406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3o
do Decreto-Lei no 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar no
22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei no 7.192, de 5 de junho de 1984; a
Lei Complementar no 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar
no 100, de 22 de dezembro de 1999
Como se vê, embora o art. 10 da Lei Complementar nº 116/03 tenha
revogado expressamente os artigos 8º, 10, 11 e 12 do DL nº 406/68, além
da LC nº 56/87, ele não revogou expressamente o art. 9º do DL nº
406/68, tal como é exigido pelo art. 9º da LC 95/98 com a redação dada
pela LC nº 107/2001 (A cláusula de revogação deverá enumerar,
expressamente, as leis ou disposições legais revogadas).
Por isso, como a LC nº 116/03 fixou a base de cálculo do ISS de forma
genérica e não revogou expressamente a base de cálculo para as
sociedades de profissionais liberais prevista na lei anterior, é
forçoso concluir que o cálculo do ISS devido por tais sociedades
continua regulado pelos §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68, não havendo
incompatibilidade entre os preceitos, conforme entendimento do Superior
Tribunal de Justiça (RESP 1.016.688, RESP 897.813 e AgRg no Ag 923122).
Tendo o DL nº 406/68 sido recepcionado com nível de lei complementar (o
próprio § 3º do art. 9º já fora acrescido pela LC nº 56/87), o regime
nela estabelecido, com as alterações impostas pela LC nº 116/03, é de
aplicação obrigatória pelos Municípios, restando inválida, por violação
aos artigos 146, III, 'a', e 156, § 1º, da CF, a legislação municipal
que disponha em sentido contrário.
Nem se diga que as sociedades de advocacia se descaracterizam como
prestadoras de serviços profissionais por contarem com a colaboração
eventual de outros profissionais ou empresas, o que se dá em
decorrência de atividades instrumentais à realização do serviço
profissional de advogado, que exige, muitas vezes, a presença de outros
especialistas para o bom desempenho da atividade principal.
De outra banda, evidência de organização e busca de lucro não
descaracterizam as sociedades profissionais, cujo intuito é a
organização do trabalho visando aos ganhos com a atividade profissional.
Tampouco é relevante discernir se a sociedade é uniprofissional ou
pluriprofissional, ainda mais se se considerar que os demais
profissionais também desenvolvem serviços profissionais regulamentados.
O Supremo Tribunal Federal assim se manifestou sobre a questão:
'IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. SOCIEDADE CIVIL. PROFISSIONAIS DE
QUALIFICAÇÕES DIVERSAS. BENEFÍCIO FISCAL. DECRETO-LEI 406/68, ART. 9º,
§ 3º (REDAÇÃO DO DECRETO-LEI 834/69). O art. 9º, § 3º c/c art. 1º do
DL. 406/68 (redação do DL 834/69)assegura a tributação do ISS, na
forma fixa, quer às sociedades uniprofissionais, quer às
pluriprofissionais. Precedentes do STF. Recurso extraordinário não
conhecido.' (STF, RE 96.475-4/SC, Min. Rafael Mayer, mai/82)
Em decorrência disso, o ISS devido pelas sociedades de advocacia
continua constituindo exceção à base de cálculo ordinária do ISS (preço
do serviço). A apuração do valor da exação deve tomar por base o número
de profissionais inscritos, conforme § 3º do art. 9º do DL nº 406/68,
devendo ser apurado em alíquota fixa.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, CONCEDO A SEGURANÇA postulada pela impetrante para
determinar ao Secretário da Fazenda do Município de Rio Grande/RS que
se abstenha de exigir das sociedades de advogados substituídas o ISS
com base na Lei Municipal nº 5.868/03, sem prejuízo do recolhimento e
da cobrança do imposto pelo regime de tributação previsto nos §§ 1º e
3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68.
Condeno o Município do Rio Grande a ressarcir as custas adiantadas pela
impetrante.
Sem honorários advocatícios, a teor das Súmulas nºs 512 do STF e 105 do STJ.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição, nos termos do § 1º do
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Rio Grande, 25 de março de 2010.
Rafaela Santos Martins
Juíza Federal Substituta
Fonte: JusBrasil (14.04.10)