Mesmo depois de reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça afirmando que as sociedades de advogados não precisam pagar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) da mesma forma que as demais prestadoras, ou seja, com base no faturamento, algumas prefeituras ainda insistem em tentar acabar com o benefício. No Norte do país, fiscos municipais tentam encaixar a tese de que a Lei Complementar 116, de 2003, que deu novas regras para o imposto, não disciplinou o antigo regime especial destinado às chamadas sociedades uniprofissionais, que desenvolvem serviços privativos de profissões regulamentadas. Para elas, o regime, que cobra o ISS calculado sobre o número de sócios, foi extinto pelo fato de a lei não repetir a permissão dada pela norma anterior.
O regime especial para pagamento do ISS calculado sobre o número de sócios e não pelo faturamento é exclusivo para profissões regulamentadas, como medicina, engenharia ou contabilidade. Chamadas de sociedades uniprofissionais (SUP), as beneficiárias precisam prestar unicamente os serviços privativos da profissão dos sócios — que também tem de ser uma só. Os sócios devem fazer o trabalho pessoalmente, e todos devem estar habilitados para a profissão. É o que se interpreta do Decreto-lei 406/1968, que regulamentava o regime.
No entanto, o silêncio da Lei Complementar 116 quanto ao tratamento diferenciado, no início, gerou dúvidas. Para alguns procuradores, como a nova lei revogou diversos artigos do decreto — já alterado em 1969 pelo Decreto-lei 834, e em 1987 pela Lei Complementar 56 — e passou a disciplinar o recolhimento, o regime especial teria sido extinto. A tese, no entanto, não vingou no Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que não houve revogação expressa do artigo 9º, parágrafos 1º e 3º do Decreto-lei de 1968.
“A Lei de Introdução ao Código Civil obriga que revogações de dispositivos sejam feitas de forma expressa”, lembra o advogado Rogério Aleixo Pereira, do escritório Aleixo Pereira Advogados e ex-membro do Conselho Municipal de Tributos da capital paulista.
Apesar disso, as prefeituras de Manaus e de Belém ainda fazem questão de esquecer a jurisprudência. No iníco de agosto, o Tribunal de Justiça do Pará confirmou uma sentença que declarou inconstitucional a Lei municipal 8.293, vigente desde 2003. A norma, que alterou o Código Tributário municipal, extinguiu o regime especial das SUP, o que prejudicou, é claro, também a advocacia.
Por isso, em 2007, a seccional paraense da Ordem dos Advogados do Brasil, representada pelos tributaristas Fernando Facury Scaff e o então presidente da entidade, Ophir Cavalcante Júnior, ajuizaram Mandado de Segurança na 5ª Vara de Fazenda Pública da capital. O juiz Valdeir Salviano da Costa deferiu o pedido e declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da norma local, permitindo aos escritórios belenenses voltar a pagar o tributo pelo número de sócios.
Em Manaus, foi o escritório de Scaff quem se insurgiu contra a cobrança sobre o faturamento. O município editou a Lei 714, também em 2003, e exigia que as bancas recolhessem o ISS de 5% sobre cada nota fiscal emitida. Mas o Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro e Scaff – Advogados obteve liminar do juiz Cezar Luiz Bandiera suspendendo a cobrança e proibindo que a prefeitura inscrevesse a banca em seu cadastro de inadimplentes ou que se negasse a emitir certidões positivas com efeito de negativas.
“Não se contrata uma sociedade de advogados como empresa. É um serviço pessoal feito por todos os que trabalham na sociedade”, diz Scaff. Quanto aos advogados associados — e não sócios — das bancas, ele afirma que a forma de cobrança do tributo pelo regime especial pode variar. “Há quem cobre por sócio, e quem tribute pelo número de profissionais que prestam os serviços.”
No ano passado, a OAB gaúcha conseguiu decisão semelhante em favor dos seus associados. Uma sentença derrubou a aplicação do Decreto municipal 15.416, de 2006, que obrigava as bancas a recolherem o ISS sobre o faturamento. A decisão foi do juiz federal Leandro Paulsen, da 2ª Vara Tributária de Porto Alegre, que entendeu que, como as sociedades não podem ser consideradas mercantis, por vedação do artigo 16 do Estatuto da Advocacia, não podem ser tributadas com base no faturamento.
Assunto encerrado
A questão está pacificada em ambas as turmas tributárias do STJ, e também na 1ª Seção. O debate debutou na corte logo após a sanção da Lei Complementar 116, em um processo do município de Cachoeiro de Itapemirim (ES), julgado em 2004. A 2ª Turma foi unânime ao considerar que, como o Estatuto da Advocacia — a Lei 8.906/1994 — impede que as sociedades desenvolvam “atividades estranhas à advocacia” e incluam no quadro de sócios quem não for “inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar”, consequentemente elas se enquadram em todos os parâmetros do regime especial. Além disso, segundo o ministro Castro Meira, relator do processo, todos os serviços desse tipo de sociedade são exercidos em caráter pessoal pelos sócios.
“O artigo 16 da Lei 8.906/1994”, diz o acórdão, “espanca qualquer dúvida acerca da natureza não-empresarial das sociedades de advogados. Segundo a previsão normativa, não serão admitidas a registro, nem poderão funcionar, ‘as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis’”.
Também foi nesse sentido o acórdão da 1ª Seção, em 2008, relatado pelo ministro José Delgado. “A sociedade uniprofissional de advogados de natureza civil, qualquer que seja o conteúdo de seu contrato social, goza do tratamento tributário diferenciado previsto no artigo 9º, parágrafos 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68 não recolhendo o ISS com base no seu faturamento bruto, mas sim no valor fixo anual calculado de acordo com o número de profissionais que a integra”, diz a decisão.
Pelo menos 14 decisões posteriores da corte tiverem fim idêntico, amargado pelos fiscos municipais do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Campo Grande, João Pessoa e Caxias do Sul. A última foi dada em abril pela 2ª Turma, relatada pela ministra Eliana Calmon. “A jurisprudência desta Corte firmou posição no sentido de que a sociedade uniprofissional de advogados de natureza civil, qualquer que seja o conteúdo de seu contrato social, goza do tratamento tributário diferenciado previsto no artigo 9º, parágrafos 1º e 3º, do Decreto-lei 406/68”, disse ela, entendendo que o recolhimento deve ser feito não “com base no seu faturamento bruto, mas sim no valor fixo anual calculado de acordo com o número de profissionais que a integra”.
Segundo Aleixo Pereira, a Prefeitura de São Paulo não extinguiu o regime, mas criou uma maneira de contorná-lo. “O fisco presume o faturamento por sócio em R$ 1 mil, que serve de base de cálculo para a incidência da alíquota de 5%. Como o valor é baixo, todos ficaram satisfeitos”, diz. Segundo Fernando Scaff, valor semelhante é estipulado pela Prefeitura de São Luís, no Maranhão.
Processo 200930061160 (2º grau – TJ-PA)
Processo 0005101-29.2004.814.0301 (1º grau – Belém)
Processo 2009.71.00.014464-9/RS (1º grau – Porto Alegre)
Fonte: Conjur – Consultor Jurídico (08.09.10)