A Constituição italiana, tal qual a brasileira, também trata da razoável duração do processo. E, como acontece no Brasil, a demora na Itália para um caso ter seu veredicto não agrada a gregos e troianos — pelo menos não àqueles interessados na efetiva aplicação da Justiça. Pensando em resolver de vez a espera indefinida, o governo italiano propõe um prazo bem definido e curto para que um processo comece e termine, se não pela condenação ou absolvição, pelo arquivamento depois que o prazo for extrapolado.
É o chamado processo breve, que já passou pelo Senado e este mês voltou a ser discutido pela Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados italiana. O grande ponto do projeto é definir em números os anos de vida de um processo. Se passar desse prazo, tem de necessariamente ser extinto. Ou seja, não é que o juiz tem de absolver ou condenar e declarar extinta a punibilidade. Passado o prazo, o processo simplesmente vai para a prateleira e não se fala mais isso.
As contas, inicialmente, são simples: seis anos e meio para crimes com pena máxima menor do que 10 anos e sete anos e meio para os acima. Quebrado em instâncias, esse tempo quer dizer, nos casos de crimes com as penas menores, três anos para a primeira instância, dois anos para a segunda e um ano e meio para a Corte de Cassação. Nos crimes com pena máxima igual ou maior do que 10 anos, a primeira instância tem quatro anos para julgar. Nas outras, os prazos são os mesmos. Se a Corte de Cassação cancelar o processo, cada instância tem um ano para julgar de novo.
Para os crimes gravíssimos, o prazo total de tramitação do processo fica em 10 anos: cinco para a primeira instância, três para a segunda e dois para Corte de Cassação. Se esta mandar o caso ser julgado de novo, cada instância tem um ano e meio para fazer isso. A título de comparação, atualmente, o Código Penal da Itália prevê, por exemplo, que, para um crime com pena mínima prevista de 10 anos, a prescrição se dá em 15 anos. Se a pena mínima for de cinco anos, a prescrição acontece em 10. Pela proposta do governo italiano, o réu que quiser abdicar do direito à extinção do processo e preferir ver a sua acusação julgada, pode assim escolher.
A ideia de criar mecanismo para que uma pessoa não fique indefinidamente à espera do seu veredicto agrada a União Europeia. A Corte dos Direitos Humanos constantemente tem de mandar algum Estado europeu pagar indenização para cidadão que esperou demais pela Justiça. A grande questão jurídica, no entanto, bradada aos quatro ventos pela oposição italiana e também por aqueles mais pragmáticos é que o Judiciário da Itália não tem condições de cumprir esses prazos apertados. E, dito e aceitado isso, tornar lei a proposta do governo de Silvio Berlusconi significaria homologar a impunidade no bel paese. Um dos grande presenteados por essa nova era italiana — onde a prática não acompanha a agilidade prevista na teoria — seria o próprio mentor do projeto, Silvio Berlusconi.
De acordo com dados divulgados na Itália, há hoje no país quase 9 milhões de processos em tramitação. Desses, mais de 3 milhões são processos penais. Segundo estimativas, milhares desses casos seriam arquivados com a nova lei, que atingiria todos aquelas que ainda não chegaram à Corte de Cassação. As acusações de corrupção que pesam contra o primeiro-ministro estão nessa lista.
Bem da causa própria
O primeiro-ministro italiano atua, melhor assim dizer, em favor das pessoas que se encontram na mesma situação que a sua. É assim quando ele, um dos maiores empresário do país, reduz a carga tributária e estimula o desenvolvimento em terras italianas. É assim também quando ele propõe mais pudor na hora de fazer e divulgar grampos telefônicos e agora, quando quer uma duração menor — e provavelmente mais perto do razoável — dos processos judiciais.
A imprensa, inimiga declarada do primeiro-ministro, combate as propostas que ele defende. Ainda que o projeto de lei do chamado processo breve possa favorecer a uma grande massa de réus — inocentes ou não — que aguardam longos anos por uma decisão da Justiça, não há quem acredite que tenha qualquer intenção altruísta na proposta capitaneada por Berlusconi.
Até por isso chamou a atenção as declarações do ministro de que o projeto de lei do processo breve deixou de ser a sua menina dos olhos. Em setembro, com a volta das férias na Itália, ele anunciou que a proposta não estava entre os cinco projetos que entrariam no pacote do chamado voto de fiducia, que é quando o primeiro-ministro dá um ultimato ao Parlamento. Se perde e a proposta não é aprovada, renuncia ao cargo. Explicou que deixaria de apostar no projeto para parar de ser acusado de defendê-lo em causa própria.
Ainda assim, a Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados da Itálica começou a analisar o projeto este mês o que, para a oposição, significa que a suposta perda de interesse de Berlusconi é mais uma manobra do primeiro-ministro. A proposta está na Câmara desde janeiro, quando foi aprovada no Senado.
Ao ser colocado em pauta novamente no Parlamento, a Associazione Nazionale Forense, espécie de um conselho de advocacia na Itália, apontou possíveis irregularidades na lei proposta. O principal argumento é o de que o direito à razoável duração do processo significa, primeiro, que esse seja julgado e finalizado com uma decisão de mérito. Prever a sua extinção com base em um tempo pré-determinado violaria direito das partes e das vítimas, argumentou.
Outras associações de advogados também rebateram a ideia do governo afirmando que não há sentido decretar que um processo tem de acabar em tantos anos. A maioria pede uma reforma da Justiça, já há bastante discutida no país. O que precisa ser feito, argumentam, é uma mudança estrutural para
o Judiciário possa ser mais célere. A Itália, no entanto, assim como o Brasil, ainda está à procura dessa fórmula para ter uma Justiça eficaz e rápida.
Fonte: ConsumidorRS (27.09.10)