Ao mapear os obstáculos que têm dificultado o acesso dos segmentos mais desfavorecidos da população ao Poder Judiciário, o Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constatou que um dos problemas mais importantes está na disparidade das tabelas de custas judiciais adotadas pelas Justiças estaduais. As custas cobrem as despesas dos atos que as partes realizam ao longo de um processo - da proposição da ação à execução da sentença.
Como a Constituição concedeu autonomia às 27 unidades da Federação em matéria de organização judiciária, isso acabou gerando as mais variadas distorções no que se refere às custas. Numa causa no valor de R$ 2 mil, por exemplo, as custas cobradas das partes pela Justiça são de R$ 33,28, em Santa Catarina; de R$ 82,10, em São Paulo; e de R$ 610,99, no Ceará. Num processo no valor de R$ 50 mil, as custas judiciais são de R$ 750,00 em Rondônia; R$ 876,22, em Alagoas; e quase triplicam no Piauí, onde chegam a R$ 2.374,31. E, num litígio no valor de R$ 100 mil, as custas são de R$ 818,45, no Paraná; no Acre, elas chegam a R$ 1.500; no Amapá, a R$ 1.569,67; na Paraíba, a R$ 5.190,50; e em Mato Grosso, a cerca de R$ 2 mil.
Segundo o Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, essas disparidades decorrem, principalmente, da falta de critérios lógicos, de racionalidade e de transparência da maioria das leis estaduais relativas à cobrança de custas judiciais. Alguns Estados chegam até a indexar os valores cobrados das partes em unidades fiscais de referência.
Para o conselheiro Jefferson Luís Kravchychyn, que coordenou o levantamento do CNJ, se por um lado a indexação ajuda a reforçar o caixa das Justiças estaduais, por outro acaba encarecendo demasiadamente os custos dos processos, penalizando a população de baixa renda que precisa do Poder Judiciário para defender seus direitos.
"Isso representa um dos principais entraves à universalização da prestação jurisdicional. O quadro comparativo mostra uma realidade não muito alentadora. A política de fixação de custas na Justiça estadual brasileira carece de uniformidade no que concerne a conceitos e critérios, uma vez que os jurisdicionados das diferentes unidades da Federação se deparam com modelos muito díspares entre si", afirma Kravchychyn.
Além disso, a pesquisa do CNJ detectou duas distorções graves. Uma delas é que as custas judiciais tendem a ser mais altas nos Estados menos desenvolvidos, onde a maioria da população é pobre. A outra, que ocorre em pelo menos 18 Estados, produz efeitos bastante perversos, uma vez que as tabelas de custas judiciais são regressivas. Ou seja, as taxas são bastante elevadas para as causas de baixo valor e proporcionalmente menores para as causas de maior valor. "Io mostra que as políticas estaduais privilegiam os jurisdicionados mais ricos, reproduzindo de certa forma as desigualdades sociais existentes", diz o relatório do CNJ. Pa
ra acabar com essssas disparidades e distorções, o CNJ decidiu uniformizar a tabela de valores de custas das Justiças estaduais por meio de um projeto de lei que ainda está sendo elaborado. A ideia é criar um padrão nacional com base nos modelos que há anos são adotados pela Justiça Federal e pela Justiça do Trabalho, que cobram um porcentual do valor das causas.
O problema é que a adoção de uma tabela única colide com a autonomia dos Estados em matéria de organização judiciária. Portanto, a iniciativa do CNJ só poderá ser implementada por meio de emenda constitucional - e não por lei ordinária, como foi anunciado.
Além dessa dificuldade de natureza jurídica, o órgão encarregado de promover o controle externo do Poder Judiciário deverá enfrentar ainda a resistência política dos Tribunais de Justiça - principalmente dos que têm as custas mais altas. A uniformização das custas judiciais pode facilitar o acesso à Justiça, que é um direito fundamental garantido pela Constituição. Contudo, sua imposição não será pacífica nem rápida.
O Estado de São Paulo
Fonte: JusBrasil (19.10.10)