Contrariando as expectativas do Departamento de Proteção e Defesa dos Consumidores (DPDC), ao menos temporariamente, o desembargador Ricardo Gonçalves da Rocha Castro, relator convocado do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, suspendeu, em brilhante decisão, proferida nos autos do Agravo de Instrumento interposto pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE), contra a decisão de primeira instância que afastou a aplicação da Nota Técnica 62/CGSC/DPDC/2010 até decisão final a ser proferida pelo Tribunal, que tem como propósito definir o aparelho celular como um bem essencial. E, por consequência,outorgar aos consumidores as prerrogativas de exigir a imediata substituição do aparelho com vício ou defeito, a restituição do valor pago ou o abatimento proporcional do preço sem que o fabricante tenha acessado o produto.
Em suma, a decisão proferida afirma ser questionável que a Nota Técnica do DPDC tenha força de lei, visto que tais deveres e direitos devem ser objeto de regulamento, nos termos do art. 84, inciso IV, da Constituição Federal.
Outro ponto importante da decisão se refere ao conceito de bem essencial, uma vez que, como muito bem colocado pelo relator, “uma coisa é o serviço em si, outra é o aparelho necessário para a utilização do serviço”.
Os serviços de telefonia móvel, por sua vez, são um dos diversos meios de acesso aos serviços de telefonia, que são, de fato, um dos meios de telecomunicação.
Ou seja, mesmo se a utilização dos aparelhos celulares for restringida por certo lapso de tempo, o consumidor poderá se valer de diversas outras formas para ter acesso aos serviços de telefonia e, ainda mais, aos serviços de telecomunicações. Existe, no referido parecer, uma divergência de conceitos para alcançar uma eventual tutela de direitos que não se coaduna com os critérios de razoabilidade.
Além disso, na visão do relator, não sendo o aparelho de telefonia celular um bem essencial de interesse público, a sua imediata troca, em caso de vício ou defeito, representa, sem sombra de dúvidas, a privação do direito dos fornecedores, de sanar o vício ou defeito no prazo legal e apurar se a origem do vício ou defeito ocorreu por culpa exclusiva da vítima. Ou seja, por mau uso por parte do consumidor.
O parecer do DPDC, ao tentar expandir direitos consumeristas de modo visivelmente excessivo, delimita, injusta e indefinidamente, direitos legais das empresas responsáveis pela fabricação e comercialização dos aparelhos celulares, causando, consequentemente, uma patente situação de insegurança jurídica.
Vale destacar que, se apresentado vício no aparelho celular, jamais o usuário ficará privado do uso dos serviços de telecomunicações, podendo se valer de alternativas tão ou mais eficientes para alcançar seus objetivos.
Por Juliana Mantuano de Meneses e Victor Penitente Trevizan,
advogados (OAB/SP nºs. 271.559 e 285.844, respectivamente)
Fonte: Espaço Vital (19.10.10)