O Ministério da Justiça articula uma aproximação entre o Ministério Público, a Polícia Federal e os tribunais superiores. O objetivo é convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que as novas formas de obtenção de provas, provenientes de novas tecnologias de informação, não ferem o direito de defesa de pessoas acusadas de corrupção e lavagem de dinheiro. "A ideia é unir as autoridades de primeiro escalão do governo e do Judiciário num grande plano de Estado para o combate à corrupção", disse o secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay.
Essa aproximação deverá ser um dos principais objetivos da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Enccla), uma reunião entre mais de 70 órgãos públicos que, todos os anos, estabelecem metas para combater os crimes financeiros e a lavagem de dinheiro. A Enccla foi organizada pelo Ministério da Justiça, em 2003, e, desde então, funciona por meio da troca de experiências e de definição de metas anuais entre autoridades que atuam no combate ao crime, como o MP, a PF, o Banco Central, os ministérios da Fazenda e da Justiça. A próxima reunião será no início de dezembro, em Santa Catarina, e ministros de tribunais superiores serão convidados a participar.
Segundo Abramovay, as técnicas modernas de investigações permitem, atualmente, que mais de 100 mil páginas de informações sejam consolidadas num relatório de apenas 20 páginas. O problema é que, em alguns casos, advogados de defesa de pessoas acusadas em operações da PF e do MP pedem a transcrição em papel de grandes quantidades de provas, o que atrasa o julgamento final.
"Houve um caso em que a defesa pediu para transcrever em papel 80 gigabytes de provas. Isso ia demorar dez anos", diz Abramovay. No fim, os ministros do Supremo decidiram, por cinco votos a quatro, que as provas poderiam ser mantidas em meio eletrônico. A decisão favorável ao uso de meios eletrônicos foi apertada.
Para o secretário, as novas tecnologias devem ser combinadas com o Estado de Direito. Ou seja, elas devem ser reconhecidas pelos tribunais na medida em que permitem a garantia de defesa dos acusados. "O Estado de Direito não se compatibiliza apenas com o papel", resumiu Abramovay. "Pretendemos mostrar que os novos mecanismos de produção de provas não estão em conflito com o Estado de Direito."
Um dos exemplos dessa busca de garantias de defesa por meio de tecnologias eletrônicas foi dado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) num caso que resultou em multas de R$ 2,32 bilhões a empresas do setor de gases industriais. O órgão antitruste recebeu 22 CDs com 75 horas de gravações que indicavam um cartel no setor. Para agilizar o julgamento, o relator do processo, conselheiro Fernando Furlan, permitiu às empresas o acesso a essas gravações pela internet. O Cade desenvolveu páginas personalizadas para cada uma das empresas acusadas. Nelas, as companhias tiveram acesso ao conteúdo, por meio de uma senha, para, com isso, elaborar as suas defesas.
No STJ, há um risco de revés na utilização de novos meios de obtenção de provas. Em meados de setembro, a ministra Maria Thereza de Assis Moura votou pela anulação de interceptações telefônicas feitas durante a Operação Castelo de Areia. As escutas foram autorizadas depois de denúncia anônima de um doleiro que teria fornecido provas de crimes de lavagem de dinheiro e de evasão de divisas envolvendo grandes empresas do setor de construção civil. A ministra considerou que a denúncia anônima não era suficiente para autorizar as interceptações.
O julgamento não foi concluído, pois houve pedido de vista do ministro Og Fernandes. Mas, a prevalecer o voto da ministra, toda a investigação, que nasceu de uma delação premiada - denúncia de crimes em troca de proteção pelas autoridades do governo -, será anulada. Por esse motivo, o voto foi considerado como um sinal de alerta para a PF e o MP. Ambos acompanham com atenção o desfecho do julgamento.
"A produção de provas na área penal evoluiu muito, principalmente com a interceptação telefônica e com a delação premiada", afirmou Ricardo Saadi, delegado da PF que, atualmente, comanda o Departamento de Recuperação e Ativos Ilícitos (DRCI) do Ministério da Justiça. "Mas ainda há desembargadores e alguns ministros que não estão atualizados com relação a esses novos mecanismos de obtenção de provas", completou.
Juliano Basile - De Brasília |