As empresas que desenvolvem atividade capaz de causar danos ao trabalhador têm responsabilidade objetiva quanto a acidente ou doença que atinja seus empregados. Logo, cabe ao empregador, nas ações trabalhistas, comprovar que o ambiente de trabalho não oferece riscos ao trabalhador. A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região que, por unanimidade, reconheceu que há nexo causal entre a asbestose — doença causada pela aspiração do pó de amianto — e as condições de trabalho de um empregado da Multilit Fibrocimento. Cabe recurso.
No caso, o TRT-9 reformou decisão da 2ª Vara do Trabalho de São José dos Pinhais, que não reconheceu a relação entre a doença de Herbert Fruehauf, presidente da Associação Paranaense dos Expostos ao Amianto (Aprea), e o trabalho desenvolvido na Multilit. Ele solicitou à Justiça do Trabalho reintegração ao grupo, pensão vitalícia e danos morais no valor de R$ 200 mil.
Para os desembargadores da 2ª Turma do TRT-9, o empregador, ao decidir em que ramo econômico vai atuar, assume todos os riscos que envolvem a atividade, inclusive aqueles que podem causar danos a seus empregados. “É exatamente porque ao empregador cabem os riscos do negócio (artigo 2º da CLT), que exsurge sua responsabilidade quanto ao acidente que vitimou ou doença que acometeu seu empregado, implicando em inversão do ônus da prova, que passa a pesar sobre os ombros da empresa”, destacou o relator do caso, desembargador Márcio Dionísio Gapski.
Sobre o caso, ele destacou no acórdão que "à reclamada cabia comprovar que possibilitou ao empregado o trabalho isento de agentes agressores ou à exposição de riscos, o que no caso em comento, por óbvio, não ocorreu”.
Para o advogado trabalhista Luiz Salvador, do escritório Salvador & Olimpio Advogados Associados, que defendeu Fruehauf, a decisão abre um importante precedente. "Muitas vezes o trabalhador não tem condições técnicas ou operacionais para provar a culpa da empresa, o que inviabiliza a indenização do prejuízo sofrido".
O caso
Herbert Fruehauf foi admitido pela Multilit Fibrocimento em 2 de janeiro de 1995 e trabalhou na empresa como encarregado de manutenção de veículos até 17 de agosto de 1999. Segundo os autos, durante o período, ele foi exposto à poeira de amianto no desenvolvimento de suas atividades de manutenção de molassa do moinho de pó e de todas as máquinas e empilhadeiras. A empresa o dispensou após o médico diagnosticar problemas pulmonares.
O Centro Metropolitano de Apoio à Saúde do Trabalhador expediu uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), descrevendo exposição em trabalho com amianto e diagnosticando espessamento pleural pelo asbesto, que permitiu que Fruehauf recebesse auxílio-doença acidentário a partir de 25 de maio de 2004. O benefício foi transformado em aposentadoria por invalidez em 26 de abril de 2007.
Fruehauf também recorreu à Justiça do Trabalho, alegando nexo causal entre a sua doença e o trabalho na Multilit, argumento não reconhecido pela 2ª Vara do Trabalho de São José dos Pinhais. O juiz de primeiro grau baseou sua decisão no laudo técnico elaborado por médico especialista do trabalho. O perito apontou que, embora o trabalhador estivesse exposto a asbesto e amianto durante o período em que trabalhou para a empresa, esses agentes estavam em níveis abaixo dos limites de tolerância e de ação admitidos pela legislação. Além disso, os equipamentos de proteção individuais eram aptos a deixar o ambiente laboral dentro dos parâmetros aceitáveis, conforme normas de higiene ocupacional.
Ainda de acordo com o laudo, o empregado não foi exposto a agentes agressivos de “modo habitual e permanente”, mesmo porque o funcionário não trabalhava diretamente na área de produção. Para o perito, é necessário que o trabalhador fique exposto a níveis acima dos limites de tolerância por no mínimo dez anos para adquirir asbestose.
O perito também afirmou que as alterações de imagem nas radiografias do trabalhador podem ser decorrentes de doenças não relacionadas com a exposição a amianto, embora o conjunto de sintomas apresentados pelo empregado aponte para asbestose. Ele finalizou que os exames feitos, especialmente a biópsia, não indicam tal doença, não havendo nexo de doença profissional no trabalho relacionado à asbestose.
Responsabilidade objetiva
Fruehauf recorreu da sentença no TRT-9, citando Termo de Ajustamento de Conduta feito pelo grupo da Multilit, composto ainda pelas empresas Multilajes Pré-moldados e Polyfit, com o Ministério Público do Trabalho, que, segundo ele, demonstra que as condições de trabalho não eram adequadas. O empregado alegou ainda que a máscara que utilizava não possuía filtro, o que foi atestado pelo perito, para impedir a contaminação por asbesto. O trabalhador apresentou diversos atestados médicos e exames, que comprovam que ele possui asbestose.
Para o desembargador Márcio Dionísio Gapski, apesar do laudo do perito apontar que o empregado possui lesão pleural sem confirmar a asbestose, foram apresentados vários atestados médicos feitos depois da perícia que apontam a doença por asbesto. Além disso, um laudo médico pericial do INSS de 2006 afirma que o empregado possui neumoconiose devida a amianto e asbesto. Há ainda um relatório do Hospital Universitário do Cajuru de 2008, que diagnosticou asbestose.
Os médicos que testemunharam no caso destacaram que o aparecimento da doença pode ocorrer eventualmente poucos anos após a exposição ao agente agressivo. No entanto, eles afirmaram que as lesões poderiam ter sido provocadas por tuberculose. O fumo foi descartado como causa da doença.
Como não ficou comprovado que tuberculose ou qualquer outro problema pulmonar tenha acometido o empregado e nenhuma outra causa para a doença, que não a exposição a amianto, tenha sido comprovada, o desembargador entendeu que o empregado possui asbestose e reconheceu o nexo causal. “Entendo que há elementos suficientes a elidir a conclusão da perícia técnica quanto ao nexo causal”.
Segundo Gapski, a empresa tem responsabilidade objetiva, prevista no artigo 927 do Código Civil, pois atua num ramo econômico de atividade de risco para seus empregados. “Nas oportunidades em que a atividade normalmente desenvolvida na empresa é capaz de causar danos ao trabalhador, a responsabilidade do empregador decorre da aplicação da teoria do risco criado. Embora se admita o afastamento de tal responsabilidade, é necessário, para tanto, que o empregador comprove ocorrência de fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito postulado (o que inexistiu, na hipótese), notadamente que afastem a responsabilidade que lhe é imputada, como ocorreria caso demonstrada, por exemplo, a culpa exclusiva do empregado (o que tampouco se infere dos autos)”.
O desembargador destacou que a empresa não produziu meios para neutralizar o dano, criando “condições funcionais de risco”, gerando dano previsível aos empregados. “Não se pode deixar de considerar que o empreendedor, quando decide em qual ramo negocial irá investir, assume os riscos integrais da atividade econômica a ser desenvolvida, inclusive riscos e danos que podem ser causados a seus empregados, ao meio ambiente e à comunidade onde atua”.
Além de reconhecer a existência de nexo causal entre a doença (asbestose) e o trabalho do empregado, o TRT-9 declarou a responsabilidade do grupo e o condenou a pagar pensão mensal no valor total da última remuneração recebida pelo trabalhador, incluindo 13º salário e terço constitucional, contando de 25 de maio de 2004.
O grupo também foi condenado a pagar indenização por danos morais de R$ 200 mil. Com a declaração da nulidade da dispensa do empregado, o empregador também terá de arcar com a sua reintegração e o pagamento da remuneração dos meses em que não houve pagamento de benefício previdenciário, desde a data da dispensa até a data da efetiva reintegração, reconhecendo-se a estabilidade provisória até um ano após a alta médica.
TRT-PR-05219-2006-892-09-00-3 (RO)
Fonte: Conjur – Consultor Jurídico (17.11.10)