Promoções pelas quais empresas oferecem produtos gratuitos, ou por preço bem menor do que pagaram pelas mercadorias, com o objetivo de conquistar ou fidelizar clientes, podem estar com os dias contados. E por uma razão fiscal. O Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, nessas situações, a empresa não pode usar o crédito integral do ICMS referente à compra do produto para pagar o próprio imposto. Mas somente o crédito proporcional ao valor da venda. Na prática, se a venda teve "custo zero", a empresa não terá o que utilizar. A decisão é importante, pois poderá ser usada como referência para operações semelhantes.
O entendimento foi aplicado ao julgamento do recurso da empresa de telefonia móvel Claro contra o Estado do Rio de Janeiro. A Fazenda fluminense havia autuado a empresa por violação a um dispositivo da Lei Estadual nº 2.657, de 1996, que exige a devolução do crédito de ICMS nesses casos. O valor histórico da causa, referente ao ano 2000, era de R$ 4,5 milhões. A Claro vende aparelhos telefônicos por preços inferiores aos custos de entrada para promover o serviço de telecomunicação que presta, um mercado de grande concorrência.
A empresa de telefonia recorreu ao Poder Judiciário para que a exigência de devolução do crédito de ICMS, relativa à venda de mercadorias por preço inferior ao da aquisição, fosse declarada inconstitucional. A decisão, no entanto, foi em sentido contrário. Em seu voto, o ministro relator Março Aurélio declarou que "ao que tudo indica, em razão de vantagem indireta - celebração de contrato de prestação de serviços de telefonia com cláusula de fidelização -, a recorrente (Claro) efetua a venda subsidiada de aparelhos de telefones celulares. Como, então, ante a diferença, alcançar creditamento total?", questionou. Com isso, o Supremo posicionou-se a favor do creditamento parcial, levando em conta o desconto oferecido ao consumidor.
Procurada pelo Valor, a Claro informou que aguarda ser intimada da decisão para se manifestar. A procuradora do Estado do Rio, Daniela Giacomet, comemora a decisão. Para ela, o crédito deve ser igual ao valor da diferença entre o ICMS pago na compra e o que é repassado para o consumidor final na venda. "Na verdade, o celular não sai de graça. Seu preço é diluído no valor da mensalidade", afirma a procuradora.
O advogado Marcelo Knopfelmacher, do escritório Knopfelmacher Advogados, comenta que as empresas afetadas terão que mudar sua estratégia de marketing. Para ele, o Pleno se inspirou em outras decisões em que a Corte concluiu não haver vedação ao princípio constitucional da não cumulatividade."O STF já negou, por exemplo, o pedido do uso de crédito de ICMS obtido no custo com transporte em operação de revenda", diz."No caso julgado recentemente, o ICMS obtido na compra do aparelho seria usado na operação de prestação de serviço de telefonia."
Qualquer setor pode vender produtos por um preço abaixo do valor da aquisição."Seja porque a mercadoria encalhou, ou simplesmente para conquistar mercado", afirma o advogado Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon, Misabel Derzi Consultores e Advogados. Porém, o advogado afirma que as decisões do STF sobre o tema vinham se consolidando em sentido contrário. "Como trata-se de decisão do Pleno, o impacto para essas empresas é muito ruim", diz Santiago. O Pleno é a fase máxima de tramitação de um processo no Supremo.
Há o risco de aplicação desse novo entendimento da Corte a casos de outros setores, segundo o advogado Alessandro Mendes Cardoso, do Rolim, Godoi, Viotti & Leite Campos Advogados. Ele cita o exemplo de uma indústria de sorvetes que vende um freezer para padarias por um preço promocional, quase de graça. "O objetivo é promover a venda dos sorvetes, mas o Fisco pode limitar o uso do crédito obtido na aquisição do freezer", compara. Para Cardoso, no caso dos telefones, deve ser levado em conta ainda que o serviço de telecomunicações é essencial.
Fonte: JusBrasil (14.12.10)