Ao preencher um cadastro em uma empresa, o consumidor confia a ela dados como telefone, endereço, e-mail e algumas vezes até a renda. O que muita gente não sabe é que essas informações estão sendo vendidas sem o seu consentimento. O acesso a esse material é muito fácil, basta entrar em um site de buscas na internet e digitar “mailing comprar”, que em segundos aparece uma lista de empresas especializadas no negócio. “Essa prática viola a privacidade do consumidor”, afirma o advogado especializado em defesa do consumidor e consultor do JT, Josué Rios. E foi assim, desrespeitado, que o empresário R. L. R. Watanabe, de 44 anos, se sentiu após ter comprado um apartamento na planta da E. Empreendimentos. Quando o imóvel estava para ser entregue, várias lojas de móveis planejados contataram Watanabe pelo telefone celular, oferecendo projetos para o apartamento. “Eles sabiam até o número da minha unidade. Quem me garante que os meus dados bancários também não foram passados a essas pessoas”, reclama Watanabe. O Artigo 5º da Constituição Federal diz que a intimidade e a vida privada do cidadão são invioláveis, assegurando à vítima o direito à indenização pelo dano material ou moral de sua violação. Mas na prática, a privacidade do cliente é invadida sim. A H. Data, empresa especializada na venda de mailing, afirmou à reportagem do JT, que o banco de dados da companhia é abastecido por meio dos cadastros de clientes de estabelecimentos comerciais, como supermercados. Ou seja, o consumidor preenche uma ficha cadastral em uma loja, que logo depois a vende sem qualquer autorização do proprietário dos dados. Essas listas são ilegais aos olhos da Justiça, já que o consumidor não autorizou a divulgação das informações. “A utilização desse mailing é feita por um comércio clandestino”, diz o professor de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira. A empresa só está a salvo caso haja uma cláusula no contrato que autorize a divulgação das informações pessoais que estão ali. Além disso, é preciso especificar no documento quais são as intenções com aqueles dados. Só diante do aval do consumidor é que o comerciante pode montar uma lista legal e repassá-la adiante. A M. Atual também vende listas de nomes. Tanto uma pessoa física quanto uma empresa pode entrar em contato com eles e dizer qual é o perfil do público alvo que deseja. “Fazemos um levantamento no nosso banco de dados. Por exemplo, temos como separar as informações de mulheres entre 20 e 40 anos, da classe social D e que moram na zona Sul de São Paulo”, afirmou a funcionária Patrícia, que não quis fornecer o seu sobrenome, nem a procedência dos dados e o preço dos pacotes vendidos. O assessor da procuradoria geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo para a Promotoria Comunitária, Augusto Rossini, afirma que a comercialização de dados fornecidos confidencialmente é considerada um ilícito civil. “O consumidor tem direito à indenização, caso se sinta lesado, e a empresa ainda deve ser punida com multas”, diz Rossini. E ele alerta que se o cliente informar os dados em segredo, e mesmo assim, a empresa os repassar para frente, ela pode responder por ilícito criminal. O Artigo 153 do Código Penal diz que a divulgação do conteúdo de um documento particular ou de correspondência confidencial pode resultar na detenção do infrator, em até um ano. O empresário M. B. Teixeira, 27, também conta que a M. forneceu seus dados a uma instituição financeira. “Recebi um cartão com crédito pré-aprovado, sendo que eu nunca solicitei isso. Não sei se processo a M. que vendeu meu cadastro ou a empresa que o comprou.” O cliente pode entrar com uma ação na Justiça para o Ministério Público instaurar um inquérito civil, que obriga a empresa a mostrar de onde ela tirou os dados do consumidor e se foi com ou sem a sua autorização. Defesa A Associação Brasileira de Marketing Direto (Abemd) defende o uso das listas para relacionamento com os consumidores. Ainda segundo eles, “é por meio dessas listas que muitas empresas levam ofertas de produtos e serviços para inúmeras pessoas e em diversas localidades do País, onde muitas vezes, a distribuição de bens e serviços é escassa e precária”. Porém, a Abemd afirma que o fornecimento de listas ilegais leva a punições como advertência, suspensão e se não houver ajuste de conduta, até a expulsão do associado. No entanto, em 30 anos de existência, a Abemd, que afirma fiscalizar as empresas por meio das denúncias que recebe, nunca expulsou qualquer associado. Segundo a associação, as advertências aplicadas foram suficientes até agora. Na contramão dessa informação, está a M. Mundial, que é uma das 400 empresas associadas a Abemd. Ela vende banco de dados por meio do site da A. Mala Direta. De acordo com o diretor da M. Mundial, L. F. Novaes, esses dados são comprados de várias fontes, que procuram a empresa. “Não fico com o contato dessas pessoas. Para nós o que importa é a veracidade das informações, e não a sua origem”, completou. Em resposta ao JT, a E. afirmou que jamais violaria o sigilo dos dados de qualquer um de seus clientes. A M. disse que não comercializa ou negocia, em hipótese nenhuma, os dados dos seus consumidores. CAROLINA MARCELINO |