PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO Nº , DE 2011
(Do Sr. Vanderlei Macris)
Susta a Portaria nº 1.510 do Ministério do Trabalho e Emprego, de 21 de agosto de 2009, publicada no Diário Oficial da Uniãode 25 de agosto de 2009.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Fica sustada, nos termos do art. 49, inc. V e XI, da Constituição Federal, a Portaria nº 1.510, de 21 de agosto de 2009, do Ministério do Trabalho e Emprego, que disciplina o registro eletrônico de ponto e a utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto - SREP.
Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
Em 21 de agosto de 2009, o Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, editou a Portaria nº 1.510, visando disciplinar o registro eletrônico de ponto e a utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto – SREP. A justificativa para sua edição baseou-se na necessidade de coibição de fraudes no controle da jornada dos trabalhadores e teve por fundamento legal o art. 74, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Esse dispositivo disciplina o horário do trabalho dos empregados de estabelecimentos com mais de dez trabalhadores impondo “a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho”.
No entanto, a Portaria, que deveria ter o propósito de mera regulamentação do controle de horário do trabalhador, passou a exigir uma série de obrigações e direitos cuja criação é reservada à lei específica, mas que não foram determinados pelo legislador. São exemplos:
1) Implementação de um Sistema de Registro Eletrônico de Ponto – SREP, que compreende “o conjunto de equipamentos e programas informatizados destinado à anotação por meio eletrônico da entrada e saída dos trabalhadores das empresas”;
2) Instalação de um equipamento específico de automação, denominado Registrador Eletrônico de Ponto – REP, para utilização exclusiva no registro de jornada de trabalho, “com capacidade para emitir documentos fiscais e realizar controles de natureza fiscal, referentes à entrada e à saída de empregados nos locais de trabalho”;
3) Determinação para que o REP seja fabricado segundo especificidades técnicas e industriais excessivamente restritivas,
tais como “relógio interno de tempo real com precisão mínima deum minuto por ano com capacidade de funcionamento ininterrupto por um período mínimo de 1.440 horas na ausência de energia elétrica de alimentação”, “mecanismo impressor em bobina de papel, integrado e de uso exclusivo do equipamento, que permita impressões com durabilidade mínima de cinco anos”; “meio de armazenamento permanente, denominado Memória de Registro de Ponto - MRP, onde os dados armazenados não possam ser apagados ou alterados, direta ou indiretamente”, entre outras exigências;
4) Determinação para impressão de Comprovante de Registro de Ponto do Trabalhador, ou seja, documento destinado ao empregado, para que possa acompanhar, a cada marcação, o controle de sua jornada de trabalho, contendo obrigatoriamente uma seqüência predeterminada de informações, de forma que a impressão seja feita em “cor contrastante com o papel, em caracteres legíveis com a densidade horizontal mínima de oito caracteres por centímetro e o caractere não poderá ter altura inferior a três milímetros”;
5) Cumprimento de procedimentos administrativos e burocráticos voltados aos fabricantes dos equipamentos, que passam a ser obrigados a cadastrarem-se junto ao MTE, solicitar o registro de cada um dos modelos de REP, apresentar um Certificado de Conformidade do REP à Legislação emitido por órgão técnico credenciado e um Atestado Técnico e Termo de Responsabilidade; etc.
Em resumo, os empregadores deveriam, a partir do próximo dia 21 de agosto, instalar um relógio eletrônico com capacidade para emissão de comprovantes em papel para todas as entradas e saídas dos trabalhadores, contendo ainda uma espécie de “caixa preta” para registro permanente de todo o fluxo dos trabalhadores, com fácil acesso à fiscalização do trabalho, através de dispositivo de conexão pela porta USB. Esse prazo foi, ao menos por enquanto, prorrogado por mais 90 dias.
Segundo noticia o jornal Valor Econômico, essas alterações implicarão novos investimentos pelas empresas empregadoras para cumprimento da nova legislação e não há garantia de que as novas regras e o novo sistema possam atingir a finalidade concebida pelo Ministério: coibir as fraudes. De fato, segundo a reportagem, “para atender as mudanças, será necessário modernizar entre 500 mil e 600 mil máquinas espalhadas pelo país, que registram a entrada e saída de cerca de 40 milhões de trabalhadores. As novas máquinas possuem modelos cujos valores variam de R$ 3 mil a 6 mil a
unidade.”
Essas mudanças, muito embora bem intencionadas, padecem de dois problemas principais:
Primeiramente, são evidentes a ilegalidade e a inconstitucionalidade da referida Portaria – na qualidade de norma infralegal – que extrapolou o poder regulamentar ao criar novos direitos e obrigações sem a devida previsão legal em sentido estrito.
Ora, a Constituição Federal, em seu art. 49, inc. V e XI, atribuiu ao Congresso Nacional competência exclusiva para “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar” e “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”.
No caso concreto, afrontando a Lei Maior e o ordenamento jurídico, foi editada referida Portaria, que, ao invés de meramente atender aos limites de instrução e regulamentação que a CLT outorgou ao Ministério do Trabalho e Emprego, veio inovar o ordenamento jurídico trabalhista, sobrepondo-se às disposições constitucionais que versam sobre a atribuição de fiscalização do órgão ministerial:
Art. 87. ............................................................................................
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
........................................................................................................
II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;
A lei em questão é a própria CLT, que dispõe o seguinte:
Art. 74 - O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.
........................................................................................................
§ 2º - Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso.
É evidente que o intuito maior do legislador ordinário é controlar, por meio de registro, o horário de trabalho dos empregados – o que até se admite haja transferência de ônus ao empregador, desde que observados os limites da razoabilidade e proporcionalidade.
Por outro lado, não pretendeu o legislador trabalhista impor uma série de obrigações às empresas na especificação excessiva de um instrumento para proteção dos direitos do trabalhador, seja no seu manuseio, seja para sua instalação e utilização, sobretudo quando essas exigências possam afetar sobremaneira os custos patronais.
Nosso ordenamento jurídico é sustentáculo de um Estado Democrático de Direito, pautado por leis que geram direitos e deveres. O postulado do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput) e o princípio da reserva legal e da legalidade (art. 5º, inc. II) impõem o entendimento de que as decisões normativas fundamentais devam ser tomadas diretamente pelo legislador. Veda-se, assim, a inovação por outro Poder, que não o Legislativo, no âmbito da regulação da vida social, salvo quando houver expressa autorização constitucional.
O jurista e constitucionalista Celso Antonio Bandeira de Mello esclarece que “inovar quer dizer introduzir algo cuja preexistência não se pode conclusivamente deduzir da lei regulamentada”.
Ora, não tendo o legislador editado lei específica disciplinando o ponto eletrônico, não poderia o Poder Executivo substituí-lo, sob pena de infringir o princípio constitucional da separação dos Poderes.
Por essa razão, torna-se imprescindível a sustação dos efeitos da referida Portaria nº 1.510, tendo em vista as suas manifestas ilegalidade e inconstitucionalidade. Essa exorbitância do poder regulamentar do Ministério do Trabalho e Emprego, a que se refere o art. 49, inc. V, da Constituição da República, viola princípios fundamentais da Constituição Federal.
Nesse sentido, citamos trecho do seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal:
“O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal. O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua contra legem ou praeter legem, não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República e que lhe permite ‘sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)’. Doutrina. Precedentes (RE 318.873-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).” [AC 1.033-AgR-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-5-06, Plenário, DJ de 16-6-06]
Outro precedente, também de relatoria do Min. Celso de Mello, é ainda mais esclarecedor:
“O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei — analisada sob tal perspectiva — constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes.” [ADI 2.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-2-01, Plenário, DJ de 27-6-03]
Em segundo lugar, essas mudanças imediatamente impõem novos e desnecessários gastos na aquisição e modernização dos equipamentos de registro de ponto eletrônico e representam nítido retrocesso tecnológico, na medida em que as empresas passarão a optar pelo defasado, porém mais econômico, equipamento de registro manual e mecânico de ponto, o que impactará o ambiente de trabalho gerando, inclusive, desconforto aos trabalhadores.
Estudo elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que os empregados deverão passar 40 horas em filas de ponto anualmente, o que inexoravelmente afetará a produtividade das empresas. Estima-se, também, segundo levantamento do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), que cada trabalhador deverá armazenar em sua residência cerca de 25 metros de papel por ano.
Além disso, há um fator crucial e certamente impensado: a capacidade industrial de fabricação desses aparelhos. Como exigir, em apenas um ano, a todas as empresas com mais de 10 funcionários, a aquisição de aparelhos específicos se não se pode produzir 600 mil novos equipamentos em tão curto intervalo de tempo? A Portaria impôs tantas especificidades e obrigações que não há como aproveitar o maquinário atualmente comercializado, o que impõe a aquisição de novos equipamentos.
O ex-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e ex-Ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, já advertiu:
“Que a Portaria 1.510 é inconstitucional não tenho dúvida. (...) Não bastassem os aspectos inequivocamente negativos presentes na Portaria, irremovível obstáculo a ser superado resulta da inexistência de equipamentos no comércio, pelo elementar fato de não serem produzidos pelas raras empresas do ramo. Disso resultou a necessidade de o MTE baixar ato e admitir que as máquinas sejam importadas. Ainda assim, mesmo as empresas que se dispusessem a comprá-los não poderiam fazê-lo, uma vez que o Registrador Eletrônico de Ponto, capaz de atender às exigências ministeriais, permanece escasso na praça. Grande quantidade de empresas continua sem saber o que fará. Ou se curvam às exigências absurdas da Portaria 1.510, ou correm risco de serem autuadas pelos auditores fiscais do Ministério.” Dessa forma, não podemos deixar de dar essa resposta aos empresários deste País. Aguardar o Poder Judiciário manifestar-se é permitir, através da omissão parlamentar, que o empresariado brasileiro fique à mercê da ilegalidade e da inconstitucionalidade dos atos praticados pelo Poder Executivo.
É com tal propósito que reapresentamos este projeto de decreto legislativo, anteriormente apresentado pelo nobre Deputado Arnaldo Madeira e regimentalmente arquivado na legislatura anterior, motivo pelo qual solicitamos o apoio dos nobre Pares para a aprovação da presente proposição.
Sala das Sessões, em de fevereiro de 2011.
Deputado VANDERLEI MACRIS
PSDB/SP