Má aplicação de paradigmas na Repercussão Geral

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Em maio de 2007, a então novidade de que Supremo Tribunal Federal não mais julgaria Recursos Extraordinários cuja matéria não possuísse Repercussão Geral – ou seja, questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico – foi implementada em nosso sistema processual por meio da Emenda Regimental STF 21/07, a qual regulamentou o parágrafo 3º do artigo 102 da Constituição de 88 e os artigos 543-A e B do Código de Processo Civil.

 

Agora, passados mais de três anos e meio desde o início da vigência da Repercussão Geral, é possível verificar que o objetivo essencial desse instituto vem sendo atingido, com a queda gradual do número de processos em trâmite no STF. Em abril de 2010, por exemplo, noticiou-se no site do STF que foi a primeira vez, nos últimos dez anos, em que a Corte Suprema contabilizou menos de 100 mil processos em curso.

 

Na primeira etapa da Repercussão Geral, a referida Corte efetuou a seleção das primeiras matérias a serem decididas como leading cases ou paradigmas, assim entendidos aqueles casos cuja controvérsia em discussão possui Repercussão Geral já reconhecida pelo STF. Na segunda e atual etapa, os paradigmas com mérito decidido passaram a ser aplicados pela própria Corte Suprema, bem como pelos Tribunais a quo, para solução dos casos concretos envolvendo matéria ou controvérsia idêntica, conforme parágrafo 5º do artigo 543-A e caput do artigo 543-B do CPC.

 

É justamente nesse momento que surge o risco de aplicação indevida de um paradigma para sobrestar ou mesmo solucionar um caso que não trate de matéria idêntica. Se por um lado a Repercussão Geral tem o efeito positivo de reduzir o número de recursos interpostos ao STF, por outro as partes não podem ser prejudicadas pelo afã de se evitar a subida de novos recursos àquele tribunal, com base na aplicação equivocada de paradigma, notadamente quando a controvérsia não for idêntica.

 

Quando provocado a se manifestar sobre a forma de se questionar essa aplicação equivocada de paradigma, o Plenário do STF decidiu, nos autos da Reclamação 7.569/SP e da Questão de Ordem em Agravo de Instrumento 760.358/PE, que o recurso cabível contra essa decisão é o Agravo Regimental ou Interno, a ser decidido pelo próprio tribunal a quo.

 

Conceitualmente, parece acertada a decisão de que a correção de eventuais erros na aplicação dos paradigmas seja efetuada no âmbito dos próprios tribunais hierarquicamente inferiores. Caso contrário, o STF voltaria a receber uma série de novos recursos para decisão casuística, o que representaria um retrocesso e colocaria em xeque a eficiência da Repercussão Geral como meio de se reduzir a quantidade de casos na Suprema Corte.

 

O problema é que estabelecer a competência para revisão dessa equivocada aplicação de paradigma aos próprios tribunais a quo, por si só, não parece ser a solução definitiva. Na hipótese de o Agravo Regimental não ensejar a retratação ou de o órgão colegiado do tribunal local manter a aplicação indevida do paradigma, a parte deve se resignar e permitir o trânsito em julgado?

 

Como a sistemática da Repercussão Geral prevista no artigo 543-A e B do CPC exige que a controvérsia seja idêntica, provavelmente veremos recursos especiais sendo interpostos ao Superior Tribunal de Justiça sob o fundamento de violação aos referidos dispositivos de lei federal, haja vista a aplicação de paradigmas sem que a matéria debatida seja a mesma.

 

Tampouco será surpresa se novos Recursos Extraordinários, Reclamações etc. vierem a ser interpostos ao STF, desta vez contra o acórdão do tribunal de origem que julgar improcedente o Agravo Regimental/Interno, mantendo a equivocada aplicação de paradigma.

 

Ainda mais preocupante é quando tal equívoco é cometido pelo próprio STF, na medida em que a Corte Suprema vem construindo sua jurisprudência, por meio de decisões monocráticas, no sentido de que a decisão que determina o sobrestamento não causaria prejuízo às partes e não possuiria conteúdo decisório. Baseado nessa argumentação, o STF vem decidindo que o “despacho” que determina o sobrestamento de recursos no âmbito da repercussão geral no STF seria irrecorrível, conforme AgR no AI 696.454/MS, ED no AI 579.739/RS e RE 611.161/RS.

 

É verdade, contudo, que, após provocação das partes, em ao menos dois casos, o STF decidiu rever os seus próprios erros materiais para afastar a aplicação de paradigma equivocado (AgR no RE 612.229 e AgR no RE 213.974/RS). O fato é que a aplicação equivocada de paradigmas pelos tribunais é questão de extrema importância e que merece atenção especial dos ministros do STF para se evitar que erros prevaleçam e consolidem injustiças.

 

Cabe destacar que, embora o STF já tenha sinalizado que os paradigmas não podem ser aplicados por analogia, ou seja, que “não estão os tribunais ou instâncias de origem autorizados a aplicar o instituto da Repercussão Geral a casos distintos, embora assemelhados”[1], até o momento não está claro qual o entendimento da Corte Suprema quanto à interpretação e ao alcance da expressão matéria/controvérsia idêntica prevista nos artigos 543-A e B do CPC.

 

Afinal, para que o instituto da Repercussão Geral continue o seu amadurecimento de forma correta e adquira legitimidade perante o meio jurídico e, em última análise, perante os jurisdicionados, faz-se necessário que regras transparentes e objetivas sejam estabelecidas para evitar tais equívocos.

 

Portanto, cabe ao STF fixar balizas materiais e, ausentes regras preestabelecidas, definir também os instrumentos processuais aptos à reparação da má aplicação de paradigmas pelos tribunais a quo e pela própria Corte Suprema.


[1] Trecho do Voto da Ministra Ellen Gracie às fls. 166 da Reclamação 7.569/SP, DJ de 11.12.2009.

Por Alan Adualdo Peretti de Araujo e Luiz Roberto Peroba Barbosa

Fonte: Conjur – Consultor Jurídico (17.02.11)

 


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