Na Câmara dos Deputados tramita o Projeto de Decreto Legislativo 3.111/10, que busca sustar a RDC 59/09 e a IN 11/10. Lembramos que a RDC 59/09 dispõe sobre a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamentos e a IN 11/10 dispõe sobre a produção, fornecimento e controle da distribuição de etiquetas auto-adesivas de segurança para o Sistema de Rastreamento de Medicamentos.
Abaixo segue a íntegra do PDL 3.111/10:
PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO N.º , DE 2010
(do Sr. Arnaldo Faria de Sá)
Sus ta a RDC nº 59/2009, de 24 de novembro de 2009, que dispõe sobre a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamento, regulamentando a Lei 11.903/09 e a Instrução Normativa nº 11 da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, de 29 de outubro de 2010, publicada no Diário Oficial da União de 3 de novembro de 2010.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Ficam sustadas, nos termos do art. 49, inc. V e XI, da Constituição Federal, a RDC nº 59/2009, de 24 de novembro de 2009, que dispõe sobre a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamento, regulamentando a Lei 11.903/09 e a Instrução Normativa nº 11 da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, de 29 de outubro de 2010, publicada no Diário Oficial da União de 3 de novembro de 2010, que dispõe sobre a produção, o fornecimento e o controle da distribuição das “etiquetas autoadesivas de segurança” para o Sistema de Rastreamento de Medicamentos.
Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
O Poder Legislativo Brasileiro não pode ficar silente sobre mais uma ilegalidade perpretada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Esta Agência, nos últimos anos, através de atos totalmente ilegais, tem tentado usurpar o papel do Poder Legislativo, em uma verdadeira afronta ao Princípio Constitucional da Independência dos Poderes e aos princípios básicos da Democracia. Não é a primeira vez que essa Casa se depara com a& nbsp; truculência da ANVISA, que edita normas muito além de sua competência legal que é promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados.
A ANVISA, extrapolando de forma ilegal a Lei 11.903/2009, editou a RDC nº 59/2009, dispondo sobre a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamento. Recentemente, 29 de outubro de 2010, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e ditou a Instrução Normativa nº 11, publicada no Diário Oficial da União de 3 de novembro de 2010, que dispõe sobre a produção, o fornecimento e o controle da distribuição das “etiquetas auto-adesivas de segurança” para o Sistema de Rastreamento de Medicamentos.
No entanto, tanto a RDC como a Instrução Normativa, que para a ANVISA deveria ter o propósito de mera regulamentação do Sistema de Rastreamento de Medicamentos, passaram a exigir uma série de obrigações e direitos cuja criação é reservada à lei específica, mas que não foram determinados pelo legi slador. Vejamos:
1. A Lei nº 11.903/09 instituiu a obrigatoriedade do rastreamento da produção de medicamentos por meio de tecnologia de captura, armazenamento e transmissão eletrônica de dados. Não há na referida Lei qualquer previsão que autorize a ANVISA a instituir algum tipo de dispositivo de segurança nas embalagens primária ou secundária dos medicamentos.
2. A falta dessa previsão legal se justifica pois todos os sistemas de segurança já se encontram incorporados nas embalagens dos medicamento, quer mediante o fechamento inviolável da embalagem (hot melt ou lacre adesivo) quer mediante a tinta reativa (raspadinha).
3. Na realidade, a Lei 11.903/09 teve como foco a criação do Sistema Nacional de Controle de Medicamentos, visando a captura de dados relativos ao fabricante; ao fornecedor e ao consumidor do medicamento, englobando informações do produto, sua prescrição e o consumo, em seu estágio final.
4. Não há na Lei 11.903/09, ou na exposição de motivos para sua edição, qualquer referência a dispositivos de autenticidade do produto.
5. A ANVISA, por meio de sua Diretoria Colegiada, editou a RDC nº 59/2009, dispondo sobre a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamento, regulamentando a Lei 11.903/09. Entretanto, no artigo 11 do referido regulamento, a ANVISA extrapolou em suas atribuições e, sem qualquer base legal, inovou ao criar uma “etiqueta de segurança”, na qual deve ser impresso o código de barras bidimensional (Datamatrix).
6. Posteriormente, em 3 de novembro último, fez a ANVISA publicar a Instrução Normativa nº 11, de 29 de outubro de 2010, que dispõe sobre a produção, o fornecimento e o controle da distribuição das “etiquetas auto-adesivas de segurança” para o Sistema de Rastreamento de Medicamentos, em uma vil tentativa de regulamentar a RDC nº 59/2009. Alias, de forma torpe, a ANVISA é useira e veseira em editar regulamentos que regula m regulamentos, em uma afronta ao Princípio da Boa técnica legislativa.
7. Essa etiqueta auto-adesiva de segurança é totalmente dispensável, pois o Datamatrix pode ser impresso diretamente nas embalagens (primária ou secundária), sem custos extras para as empresas e conseqüentemente para o consumidor.
8. Em 3 de novembro de 2010, a Diretoria Colegiada da ANVISA editou a IN nº 11/2010, definindo a Casa da Moeda do Brasil, como responsável pelo desenvolvimento de etiqu etas auto-adesivas de segurança para o Sistema de Rastreamento de Medicamento.
9. Conforme o acima exposto, a Lei nº 11.903/09 não determina que seja criada ou desenvolvida qualquer etiqueta auto-adesiva, nem autoriza a ANVISA a delegar a qualquer outro órgão da administração pública, e muito menos para uma Empresa Pública, a responsabilidade pelo gerenciamento/desenvolvimento do Sistema de Rastreamento de Medicamento.
10. Várias e importantes questões práticas envolvem a introdução de etiquetas autoadesivas e são de grande relevância e inviabilizam sua aplicação:
i. o custo direto - que pode variar de R$ 0,07 (sete centavos) a R$ 0,10 (dez centavos), dependendo dos impostos que irão incidir sobre a operação mercantil - nos parece absurdo, pois a embalagem secundária de medicamentos custa em média R$ 0,15 (quinze centavos), podendo atingir valores muito menores dependendo do volume adquirido, ou seja, apenas a etiqueta autoadesiva acarretará aumento médio de custo de 50%;
ii. além dos custos diretos, que são relevantes, quando se compara com o custo total da embalagem, os custos indiretos, como a logística no transporte, a administração de estoques, a aquisição de equipamentos e a aplicação das etiquetas autoadesivas podem dobrar ou triplicar o preço da embalagem secundária;
iii. tendo em vista que hoje no Brasil a Indústria Farmacêutica, pública e privada, fabrica mais de 4 bilhões de unidades, o custo direto para o setor e conseqüentemente para o consumidor, seria em torno de R$ 400 Milhões, sem qualquer necessidade prática, pois o Datamatrix poderia ser impresso diretamente na embalagem do medicamento e o Sistema de Rastreamento de Medicamento estaria integralmente preservado. Estima-se que os custos indiretos, com máquinas, equipamentos, logística mão de obra, etc., atingiria a casa de outros R$400 Milhões.
11. Outro aspecto muito relevante é a questão dos medicamentos que hoje são adquiridos pelo Ministério da Saúde. Em algumas licitações de grande volume (Farmácia Popular do Brasil, Medicamentos da Assistência Básica, p. ex.), o preço da unidade é adquirida por R$ 0,30 (trinta centavos), ou seja a etiqueta a ser fornecida pela Casa da Moeda do Brasil pode, indiretamente, onerar o erário em mais de 30% nesse tipo de compra.
12. Ressalte-se que a logística para introdução das etiquetas autoadesivas é extremamente complicada, pois há um único fornecedor para atender mais de 650 Indústrias Farmacêuticas espalhadas por todo o território nacional. Qualquer problema no recebimento das etiquetas pode causar uma paralisação no sistema de saúde do país (vide os recentes problemas com a emissão de passaportes pela Casa da Moeda do Brasil).
13. Outra questão relevante a respeito do único fornecedor é que este terá o monopólio das etiquetas autoadesivas. As economias modernas lutam contra o monopólio e, neste caso, a ANVISA, de forma totalmente injustificada, está criando a figura do fornecedor único, quer para os laboratórios públicos, quer para os privados, sem qualquer condição de controle sobre o preço final das etiquetas.
Em resumo, a ANVISA sem qualquer previsão legal para a instituição da etiqueta auto-adesiva; da desnecessidade de se instituir essa etiqueta para a aplicação da Lei 11.903/09 e do Sistema de Rastreamento de Medicamento; dos altos custos diretos e indiretos envolvidos para a introdução desse dispositivo de segurança; dos atuais dispositivos de segurança que as embalagens de medicamentos apresentam; das dificuldades logísticas que podem causar desabastecimento no mercado com conseqüências negativas para o sistema de saúde; da criação pelo próprio Estado de um perigoso monopólio, mesmo que indireto, na área da saúde; e do efetivo impacto para o consumidor e para o próprio Ministério da Saúde&nbs p; em face do repasse nos preços dos custos dessas etiquetas, não há como não rejeitar de forma veemente a introdução das etiquetas autoadesivas nas embalagens de medicamentos.
Segundo noticia o jornal Valor Econômico de 25 de novembro passado, p. B3, “A obrigatoriedade desse selo onera em R$ 400 milhões por anos o setor e o gasto vai para conta do consumidor”
A introdução das etiquetas auto-adesivas, muito embora bem intencionadas, padecem de dois problemas principais: Primeiramente, são evidentes a ilegalidade e a incon stitucionalidade da referida RDC e a IN nº 11 – na qualidade de norma infralegal – que extrapolou o poder regulamentar ao criar novos direitos e obrigações sem a devida previsão legal em sentido estrito.
Ora, a Constituição Federal, em seu art. 49, inc. V e XI, atribuiu ao Congresso Nacional competência exclusiva para “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar” e “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”.
No caso concreto, afrontando a Lei Maior e o ordenamento jurídico, foi editada referida RDC e a IN nº11/2010, que, ao invés de meramente atender aos limites Lei 11.903/2009, instituiu elementos outros não previstos na Lei. Não há previsão constitucional expressa de outorga de poderes normativos mais amplos e com capacidade para inovar no ordenamento jurídico a agências reguladoras, mas tão-somente nas leis instituidoras dessas entidades. Com fundamentação jurídica no campo da supremacia especial da Administração Pública, os poderes normativos conferidos às agências reguladoras&n bsp; não significam transferência do poder legiferante a essas entidades, mas apenas a necessidade de disciplinar determinadas matérias de cunho técnico, com vistas a municiar o Estado do instrumental necessário à consecução dos interesses coletivos. É o que se pode inferir da análise das leis instituidoras das agências reguladoras, bem como da doutrina abalizada acerca do desempenho da atividade normativa por parte de tais entidades.
É evidente que o intuito maior do legislador ordinário é controlar, por meio de rastreabilidade, onde o medicamento pode ser localizado em caso de proble mas de qualidade e segurança, desde que observados os limites da razoabilidade e proporcionalidade.
Por outro lado, não pretendeu o legislador, ao editar a Lei 11.903/2009 impor uma série de obrigações às empresas na especificação excessiva de um instrumento de autenticidade de produtos totalmente desnecessárias, graças aos eficazes dispositivos hoje existentes nas embalagens (hot melt ou lacre adesivo).
Nosso ordenamento jurÍ dico é sustentáculo de um Estado Democrático de Direito, pautado por leis que geram direitos e deveres. O postulado do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput) e o princípio da reserva legal e da legalidade (art. 5º, inc. II) impõem o entendimento de que as decisões normativas fundamentais devam ser tomadas diretamente pelo legislador. Veda-se, assim, a inovação por outro Poder, que não o Legislativo, no âmbito da regulação da vida social, salvo quando houver expressa autorização constitucional.
O jurista e constitucionalista Ce lso Antonio Bandeira de Mello esclarece que “inovar quer dizer introduzir algo cuja preexistência não se pode conclusivamente deduzir da lei regulamentada”.
Ora, não tendo o legislador editado lei específica disciplinando o Sistema de Controle de Medicamentos, não poderia o Poder Executivo substituí-lo pelo Sistema de Rastreamento de Medicamentos, sob pena de infringir o princípio constitucional da separação dos Poderes.
Por essa razão, torna-se imprescindível a sustação dos efeitos da&nbs p; referida RDC nº 59/2009, de 24 de novembro de 2009, que dispõe sobre a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamento, regulamentando a Lei 11.903/09 e a Instrução Normativa nº 11 da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, de 29 de outubro de 2010, publicada no Diário Oficial da União de 3 de novembro de 2010, que dispõe sobre a produção, o fornecimento e o controle da distribuição das “etiquetas auto-adesivas de segurança” para o Sistema de Rastreamento de Medicamentos, tendo em vista as suas manifestas ilegalidade e inconstitucionalidade.
Essa exorbitância do poder regulamentar da ANVISA, a que se refere o art. 49, inc. V, da Constituição da República, viola princípios fundamentais da Constituição Federal.
Nesse sentido, citamos trecho do seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal:
“O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se re veste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal. O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua contra legem ou praeter legem, não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República&nbs p; e que lhe permite ‘sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)’. Doutrina. Precedentes (RE 318.873-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).” [AC 1.033-AgR-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-5-06, Plenário, DJ de 16-6-06] Outro precedente, também de relatoria do Min. Celso de Mello, é ainda mais esclarecedor:
“O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei — analisada sob tal perspectiva — constitui postulado revesti do de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador.
Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento.
É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes.” [ADI 2.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-2-01, Plenário, DJ de 27-6-03] Em segundo lugar, essas mudanças imediatamente impõem novos e desnecessários gastos na aquisição de equipamentos e representam nítido retrocesso tecnológico, na medida em que as empresas obrigadas a colar selos, acoplando seladoras em equipamentos de alta performance, o que fatalmente acarretará prejuízos produtividade.
Estudo elaborado pelo Sindicato das Indústrias Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (SINDUSFARMA) revela que o impacto nos custos de produção podem, no caso dos medicamentos genéricos, variar de 6,3% até 23,1%. Dessa forma, não podemos deixar de dar essa resposta aos consumidores e aos empresários deste País. Aguardar o Poder Judiciário manifestar-se é permitir, através da omissão parlamentar, que a população brasileira fique à mercê da ilegalidade e da inconstitucionalidade dos atos praticados pelo Poder Executivo.
Confiando, portanto, no empenho dos Senhores Deputados na contínua luta pela preservação de sua competência legislativa, em face do abuso normativo do Poder Executivo, é que oferecemos à consideração nobres Pares o presente Projeto de Decreto Legislativo.
Sala das Sessões, em 21 de dezembro de 2010.
Arnaldo Faria de Sá
Deputado Federal - São Paulo