A entrada de novos membros no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda na última semana reabriu uma discussão insistente: afinal quais são os limites do órgão para julgar argumentos constitucionais? Em muitos casos de cobranças indevidas, a alegação dos contribuintes é de que o próprio tributo é inconstitucional. As teses que questionam, por exemplo, a criação ou o aumento da exação por lei ordinária e não por complementar, ou o desrespeito da incidência à anterioridade nonagesimal, são prestigiadas na Justiça, mas rejeitadas sem julgamento de mérito no Conselho.
No entanto, a máxima de que “constitucionalidade” é palavra proibida no órgão não tem unanimidade. Para o conselheiro recém-nomeado Rafael Pandolfo, que representará os contribuintes no Carf, uma leitura mais atenta do regimento interno abre perspectivas. “O Carf não pode afastar norma com base em alegação de inconstitucionalidade, mas pode restringir seu sentido de acordo com a Constituição”, diz.
A ideia foi debatida nesta sexta-feira (8/4) em Florianópolis, onde o Instituto Brasileiro de Estudos Tributários promoveu o VII Congresso Nacional de Estudos Tributários. No evento, Pandolfo debateu sobre a "análise de inconstitucionalidade no processo administrativo tributário". Ele está entre os cem nomeados na última segunda-feira para compôr o órgão. Os nomes incluem conselheiros novos e reconduzidos.
Para Pandolfo, o Carf não tem competência para afastar texto ou significado de norma, mas teria para declarar qual a interpretação correta. “O resultado prático é o descarte indireto das demais interpretações, mas o tratamento jurídico é diferente”, explica. A técnica hermenêutica é a da “interpretação conforme” a Constituição, que delimita o sentido de determinada regra com base no texto constitucional. “Por isso, é claro que o Carf pode fazer análise de constitucionalidade.” Segundo o regimento interno, o conselho só pode tratar de inconstitucionalidade quando o Supremo Tribunal Federal já tiver se manifestado a respeito. Nesse caso, porém, a aplicação é uma mera repetição do que a corte decidiu.
A técnica serviria até mesmo ao Judiciário. "Pela interpretação conforme, não existe nem mesmo a necessidade de reserva de Plenário para decisões sobre constitucionalidade", avalia.
No Carf, segundo o advogado, a possibilidade de interpretação conforme permitiria a definição, por exemplo, dos insumos a serem usados como créditos no cálculo do PIS e da Cofins não cumulativos. Ainda não está claro quais despesas com a atividade econômica podem reduzir o total a pagar dos tributos. As Leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, listaram os gastos que podem servir para reduzir o valor devido, mas os contribuintes discutem se a relação é exaustiva ou serve apenas para orientação.
Na opinião do tributarista, situações de ambiguidade, como essa, poderiam ter uma definição no Carf. “O conceito de insumo está ligado ao de receita, e não à saída do bem físico”, diz. De acordo com ele, o tribunal poderia tomar uma posição ao interpretar o que diz a Constituição.
Para o conselheiro Marcos Mello, professor do Ibet que representa o fisco no Carf, seria possível dar interpretação às normas que tenham texto compatível com a Constituição. “No Judiciário, o juiz singular constrói um determinado sentido sem utilizar norma que ele considera inconstitucional, mas usando outra”, diz. “Isso é possível no Carf.” No entanto, em sua opinião, não passa pelo critério da constitucionalidade o que está expresso na lei, como o conceito de insumo.
Barreira hierárquica
É a presunção de constitucionalidade das normas que impede que o Carf entre nessa discussão. “Quem faz o controle de constitucionalidade no Poder Executivo é o presidente da República, que sanciona ou não a lei”, explica Marcos Mello. Segundo outro conselheiro, Alexandre Alkmim, que representa os contribuintes, dizer que uma norma é inconstitucional seria ir contra o próprio Executivo. “A visão dos contribuintes quando clamam pela declaração de inconstitucionalidade está errada. O Conselho está dentro do Executivo”, diz.
A vinculação direta do Carf ao Ministério da Fazenda e não à Receita, porém, permite que o órgão afaste regras infralegais, como instruções normativas, por exemplo, podendo ir ainda um pouco mais longe. “Decretos do presidente da República são o maior problema”, afirma Mello. Segundo ele, o conselho tem independência para afastar a aplicação de decretos que violem a lei, aí sim sob alegação de inconstitucionalidade. Alkmim discorda. “Isso não é possível devido à questão hierárquica.”
POR ALESSANDRO CRISTO
Fonte: Conjur – Consultor Jurídico (11.04.11)