Por insistir reiteradamente em ‘‘práticas comerciais abusivas’’ e por negligências no atendimento ao consumidor, a 15ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre multou a Gradiente em R$ 300 mil, além de lhe impor outras penalidades em caso de descumprimento da sentença. O julgamento aconteceu no dia 14 de abril. Da decisão, cabe recurso. Foi o Ministério Público do Rio Grande do Sul, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, quem promoveu a ação coletiva de consumo contra a Gradiente.
Em síntese, o MP informou que já havia instaurado inquérito civil para apuração de possíveis práticas comerciais abusivas, ‘‘consistentes no descumprimento do sistema da garantia legal previsto no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e na indisponibilidade de canal de comunicação com os consumidores’’. Sustentou que os consumidores tiveram extrema dificuldade no conserto de produtos fabricados pela Gradiente, principalmente na reposição de peças quando encaminhados para assistência técnica. Postulou, em sede de tutela antecipada, que a empresa, no prazo de 90 dias, procedesse à reestruturação de seus serviços de assistência técnica, bem como disponibilizasse aos consumidores um canal de comunicação para reclamações. Requereu, ainda, que em relação aos produtos já colocados no mercado e que contassem 30 dias ou mais na assistência técnica, que a requerida cumprisse imediatamente as alternativas previstas pelo artigo 18, parágrafos 1º e 3º, do CDC, conforme o caso.
Pediu a condenação ampla e genérica pelos danos materiais e morais causados aos consumidores individualmente, considerados na forma do artigo 95 do CDC, bem como condenação da Gradiente pelos danos causados aos interesses difusos, em virtude das práticas comerciais abusivas. Por fim, o MP-RS pediu a publicação da decisão final em jornais de grande circulação e inversão do ônus da prova.
A empresa contestou. Suscitou, em preliminar, a ilegitimidade ativa e inépcia da inicial, pela impossibilidade jurídica dos pedidos. No mérito, sustentou que, na verdade, vem sofrendo concorrência desleal e predatória de produtos importados, agravada pela falência da fabricante chinesa que fornecia as peças de reposição, ocasionando atrasos nos consertos dos produtos comercializados. Disse que deixou de comercializar aparelhos celulares, tendo orientado os clientes a procurarem as operadoras de telefonia e/ou revendedores em geral, para solução dos problemas, ante a responsabilidade solidária. Também impugnou os pedidos de condenação nos danos materiais e morais coletivos, a condenação genérica e ampla prevista pelo artigo 95 do CDC.
O juiz de Direito Giovanni Conti, titular da 15ª Vara Cível, afirmou que ‘‘é imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85) e, subsidiariamente, dos instrumentos do Código de Processo Civil’’. Segundo Conti, a Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor, considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu artigo 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica. Conforme o magistrado, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. ‘‘Não se trata de afastar este princípio somente com a alegação de que a demandante não é consumidor considerado em sua feição individual. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo, como elemento básico e não se confunde com a hipossuficiência (outra questão jurídica).’’ O magistrado registrou na sentença que a empresa é ‘‘confessa quanto às práticas referidas na exordial’’, pois reconheceu a dificuldade na reposição das peças para conserto dos aparelhos vendidos, em razão da concorrência desleal com produtos importados e falência da fabricante chinesa — bem como afirmou que não dispor de canal de comunicação com os consumidores reclamantes.
E mais: orientou seus clientes a “procurar as operadoras de telefonia e/ou revendedores em geral, uma vez que, diante da responsabilidade solidária imposta pelo Código de Defesa do Consumidor, os consumidores podem exigir seus direitos junto à qualquer das empresas envolvidas na atividade comercial e ter seus problemas rapidamente solucionados”. Diante do quadro que expôs, disse restar evidenciada a ‘‘abusividade na prática comercial da requerida que, mesmo ciente da baixa qualidade dos produtos e inúmeros problemas decorrentes das vendas efetuadas, não tomou nenhuma medida protetiva aos consumidores, nem deixou de comercializá-los’’. Assim, por danos causados aos direitos e interesses difusos lesados — decorrentes do abalo à harmonia nas relações de consumo e da exposição da coletividade à prática comercial abusiva — a empresa foi condenada a pagar multa de R$ 300 mil. Este montante será revertido ao Fundo Estadual de Defesa dos Consumidores (Fecon/RS).
A Gradiente também foi condenada a indenizar, ‘‘da forma mais ampla e completa possível’’, os danos materiais causados aos consumidores individualmente considerados. A fabricante não escapou de publicar a sentença nos principais jornais da Capital, conclamando os consumidores, com os seguintes dizeres: ‘‘(...) Todos aqueles que tiverem sido lesados pela conduta da demandada poderão comprovar seu dano e obter, a partir desta decisão, o ressarcimento individual, sob pena de pagamento de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos pelo IGPM, revertendo eventual numerário ao Fundo Estadual de Defesa dos Consumidores’’. Em nota à imprensa após prolatada a sentença do juiz Giovanni Conti, o MP-RS traz mais detalhes da decisão.
Segundo o site da instituição, a Gradiente ficou na obrigação de providenciar a instalação de uma unidade de assistência técnica nas 15 cidades mais populosas do Estado, a saber: Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Canoas, Gravataí, Santa Maria, Viamão, Novo Hamburgo, Alvorada, São Leopoldo, Rio Grande, Passo Fundo, Uruguaiana, Sapucaia do Sul e Santa Cruz do Sul.
Também deverá colocar em funcionamento um posto de recolhimento de produtos com vícios de qualidade em cada uma das cidades onde seus produtos são vendidos — desde que não instalada unidade de assistência técnica.
Leia aqui a íntegra da decisão.
POR JOMAR MARTINS
Fonte: Conjur – Consultor Jurídico (27.04.11)