No contexto neoliberal em que vivemos é natural esperar do Estado a fiscalização e regulação da ordem econômica e até mesmo a sua intervenção, no caso de interesse coletivo e segurança nacional. A questão é perceber os limites do Estado no exercício de suas funções.
O Município de Salvador, ao intervir na economia para editar a Lei nº 4984/95[1], que exige a contratação de empacotadores pelos supermercadistas, cumpre o seu papel?
Certamente como consumidores todos nós poderemos apoiar a legislação supra, afinal quem não deseja dispor de empacotadores? Mas em nossa opinião não há um direito efetivo que sustente tal medida.
Precisamos lembrar que o mercado econômico possui regras próprias e os princípios da livre concorrência e livre iniciativa equilibram, na maioria das vezes, a ordem econômica, de forma que o consumidor acaba tendo ofertas diferenciadas, por exemplo, enquanto uma rede supermercadista oferece empacotadores e manobristas, outra rede não oferece embalagem para os produtos. A escolha será sempre do consumidor que avaliará os serviços oferecidos e os preços dos produtos. Sim, porque os serviços representam custos e certamente serão repassados para os clientes.
Essa interferência do Poder Público na gestão de empresas privadas, cristalizada com a Lei Municipal em análise afronta, inquestionavelmente, o princípio da livre iniciativa, o qual funde-se com o princípio da livre concorrência constante no art. 170 da Constituição Federal.
Ademais, não há interesse local que justifique tal intervenção, de forma que o Município de Salvador usurpou a competência exclusiva da União para legislar sobre questões comerciais e trabalhistas ao editar a referida Lei.
Nessa ordem, afigura-se matéria própria do direito comercial em razão de encerrar conteúdo de clara interferência na atividade gerencial de empresas privadas até então abrigadas sob os mantos dos princípios da livre concorrência e da não intromissão do poder público.
Esse princípio traduz-se na liberdade atribuída a cada comerciante, empresário ou agente de produção de exercer a sua atividade sem interferência gerencial estatal, ou seja, sem dar satisfação sobre como contratar e a quem contratar, como dispor dos funcionários, como atender a clientela, etc., adotando as práticas que julgar de melhor conveniência à consecução do objeto social.
Neste contexto, ajuizamos em nome da Abase e do Sindsuper a Ação Direta de Inconstitucionalidade da referida lei em face da Constituição do Estado da Bahia, sendo que conseguimos, após uma longa batalha judicial, iniciada em 2005, decisão favorável que se tornou definitiva, mediante o despacho do Ministro Celso de Mello (Supremo Tribunal Federal), publicado em 18/02/2011, que declarou a inconstitucionalidade da Lei 4894/95, do Município de Salvador.
Com essa decisão, desde o dia 18/02/2011, nenhum estabelecimento varejista no Município de Salvador, pode ser atuado em função da falta de empacotadores. Mais que isso: todos os autos de infração lavrados pelos órgãos municipais por esse mesmo motivo também ficam declarados nulos, o que possibilitará que todas as empresas autuadas possam requerer o reembolso das multas pagas.
Trata-se de uma grande vitória judicial de todo o setor, com benefícios econômicos imensos. Desta forma, podemos reconhecer que os princípios e diretrizes constitucionais foram desempacotados pelo Poder Judiciário!
[[1]] Essa lei estabelecia a obrigação de disponibilização de um empacotador por cada caixa nos estabelecimentos que comercializam gêneros alimentícios no Município, supermercados e congêneres, desde que contenham mais de 3 (três) caixas de recebimento ou façam parte de rede com mais de 02 (duas) filiais.
Geisy Fiedra Almeida
Sócia fundadora do Fiedra Advocacia Empresarial
Mestre em Direito Econômico, pela Universidade Federal da Bahia
Professora de Direito Econômico da Faculdade Ruy Barbosa
Fonte: Super Revista (ABASE) ano 18, nº 189, pág. 46, abril/2011.