A 4ª turma do STJ determinou, por unanimidade, que um processo envolvendo lucros cessantes de um posto de gasolina de São Luís/MA retorne à origem para que sejam refeitos os cálculos dos valores a serem pagos pela distribuidora Esso. O posto, que foi destruído por um incêndio em 1992, teve seu terreno posteriormente alugado pelo proprietário, que cobrava na Justiça os lucros cessantes, ou seja, o valor que a empresa deixou de lucrar durante o período após a destruição do posto, incluindo o período pós aluguel do terreno, baseado em uma média mensal de faturamento que o posto tinha antes do acidente.
Para a ministra Isabel Gallotti, relatora, os lucros cessantes devem ser calculados somente no tempo em que o posto ficou sem utilização econômica. "Anulo a decisão homologatória dos cálculos, determinando o retorno dos autos à origem, para que seja realizada nova perícia, com a delimitação dos lucros cessantes ao período de tempo necessário para reconstrução do posto, devendo ser considerado para o cálculo dos lucros cessantes apenas o lucro líquido, com a dedução de todos os custos operacionais e tributários", assinalou a ministra.
A ministra acolheu os argumentos contidos no recurso especial da ESSO, defendida pelo advogado Ulisses César Martins de Sousa, titular do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados que sustentou, com sucesso, a tese de que "não se pode tolerar que o faturamento seja utilizado como parâmetro para cálculo dos lucros cessantes. Na apuração do valor da indenização dos lucros cessantes devem ser abatidos do valor das receitas da empresa (faturamento) as despesas operacionais (salários, equipamentos, impostos, depreciação do ativo imobilizado etc.) e os tributos".
• Processo Relacionado : Resp 1110417 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
_____________
RECURSO ESPECIAL Nº 1.110.417 - MA (2008/0273075-4)
RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
RECORRENTE : ESSO BRASILEIRA DE PETRÓLEO LTDA
ADVOGADOS : VICENTE COELHO ARAÚJO
ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA E OUTRO(S)
JOSÉ ALEXANDRE BUAIZ NETO
RECORRIDO : BACABAL JÚNIOR LTDA
ADVOGADO : GUTEMBERG BRAGA E OUTRO(S)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. CÁLCULO DOS LUCROS CESSANTES. DESPESAS OPERACIONAIS. DEDUZIDAS. TERMO FINAL. ALIENAÇÃO DO BEM.
1. Para o atendimento do requisito do prequestionamento, não se faz necessária a menção literal dos dispositivos tidos por violados no acórdão recorrido, sendo suficiente que a questão federal tenha sido apreciada pelo Tribunal de origem. Ausência de violação do art. 535, do CPC.
2. Lucros cessantes consistem naquilo que o lesado deixou razoavelmente de lucrar como consequência direta do evento danoso (Código Civil, art. 402). No caso de incêndio de estabelecimento comercial (posto de gasolina), são devidos pelo período de tempo necessário para as obras de reconstrução. A circunstância de a empresa ter optado por vender o imóvel onde funcionava o empreendimento, deixando de dedicar-se àquela atividade econômica, não justifica a extensão do período de cálculo dos lucros cessantes até a data da perícia.
3. A apuração dos lucros cessantes deve ser feita com a dedução de todas as despesas operacionais da empresa, inclusive tributos.
4. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 07 de abril de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
Relatora
RELATÓRIO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, cuja ementa foi lavrada nos seguintes termos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. HOMOLOGAÇÃO DOS CÁLCULOS REFERENTES AOS LUCROS CESSANTES.
I - O agravo de instrumento pode ser conhecido se formado com peças que tornem possíveis o entendimento da matéria discutida no recurso. Preliminar rejeitada.
II - Na homologação dos cálculos foi levado em consideração o período em que o posto de combustível ficou em inatividade decorrente do incêndio sofrido.
III - Os quesitos suplementares somente podem ser interpostos até a apresentação do laudo, sob pena de preclusão.
IV - Agravo improvido.
Sustenta o recorrente, em síntese, violação aos seguintes dispositivos legais:
a) art. 535 do Código de Processo Civil, sob o fundamento de negativa de prestação jurisdicional;
b) art. 429 do Código de Processo Civil, ao argumento de que "se o estabelecimento comercial do recorrido foi vendido por este em 1.992 é evidente que a apuração dos lucros cessantes não poderá se estender até essa data. Isso não é apenas legal, é também imoral. É necessário que os lucros cessantes sejam calculados apenas até a data em que ocorreu a alienação do estabelecimento comercial do recorrente." (fl. 587);
c) art. 435 do Código de Processo Civil, alegando que o perito judicial deveria se manifestar sobre os quesitos apresentados, uma vez que não se tratavam de quesitos suplementares, "mas sim de pedido de esclarecimento";
d) arts. 402 e 944 do Código Civil, além de dissídio jurisprudencial, afirmando que "as instâncias ordinárias realizaram a apuração dos lucros cessantes sem a dedução dos tributos e despesas fixas necessárias à realização da atividade empresarial do recorrido".
Em contrarrazões, alega a recorrida que o recurso não deve ser conhecido, por falta de prequestionamento, nítida pretensão de reexame de provas, ausência de peças essenciais ao conhecimento do agravo de instrumento, ausência de similitude dos acórdãos paradigmas e, no mérito, pede a confirmação do acórdão recorrido.
É o relatório.
VOTO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): Depreende-se dos autos que a Recorrente, Esso Brasileira de Petróleo, foi condenada a pagar indenização à Recorrida, Bacabal Júnior Ltda, pelos danos emergentes e lucros cessantes decorrentes de incêndio iniciado por um caminhão tanque que destruiu toda a instalação do posto, ocorrido em 17.5.1992. Transitada em julgado a sentença, controverte-se, no presente recurso especial, a respeito da liquidação dos lucros cessantes.
O acórdão recorrido foi proferido em agravo de instrumento, no qual mantida a decisão de homologação dos lucros cessantes devidos à recorrida, com os seguintes fundamentos (fl. e-STJ 435):
Da análise dos documentos apresentados constata-se que o magistrado na data de 12/12/2006 (fls. 320) determinou a apuração dos lucros cessantes referente ao período compreendido entre maio de 1992 até a elaboração do laudo, sem que contra essa decisão tenha sido interposto qualquer recurso.
Em seguida, foi nomeado perito contábil e intimadas as partes para indicarem seus assistentes e apresentarem seus quesitos. Sendo que estes foram apresentados conforme consta às fls. 80 e 85. O perito apresentou o laudo (fls. 88) e as partes foram intimadas para se manifestarem acerca do mesmo, tendo o agravante o impugnado, com relação ao período dos lucros cessantes e tendo apresentando quesitos suplementares, suscitando fatos novos antes não questionados.
Por sua vez, a agravada se manifestou sobre o laudo (fls. 130), concordando com os seus termos e afirmando que a formulação de quesitos suplementares encontrava-se preclusa, eis que o laudo já havia sido apresentado.
Ao realizar a homologação dos cálculos, o juiz considerou provado que a empresa agravada restou inativa desde a época do incêndio até os dias atuais, rejeitando, ainda, os quesitos suplementares em razão da vedação legal.
Assim, constata-se que agiu com acerto o magistrado na homologação dos cálculos, pois foi levado em consideração para a fixação dos lucros cessantes o período em que a empresa sofreu com os prejuízos decorrentes do acidente, qual seja da data em que o posto foi incendiado até os dias atuais eis que a mesma nunca pôde retomar as suas atividades, situação esta comprovada com as certidões dos órgãos fazendários. Ressalte-se, ainda, que não tendo a mesma funcionado durante todos esse período não há que se falar em dedução de tributos ou despesas fixas, que como bem ressaltou o magistrado, sequer foram consideradas no cálculo pericial.
Nas razões de recurso especial, reitera a recorrente que a inatividade decorrente do incêndio durou apenas os meses necessários para as obras de reconstrução. Ressalta que é incontroverso que a recorrida vendeu o terreno onde situado o empreendimento a outra empresa há mais de 11 anos, sendo este o motivo pelo qual não consta o registro de prosseguimento de suas atividades nos órgãos fazendários. Alega que formulou impugnação ao laudo e quesitos de esclarecimentos, os quais foram desconsiderados pelo juízo de origem porque erroneamente tratados como quesitos suplementares intempestivos. Argumenta que o entendimento da instância ordinária de que os lucros cessantes devem perdurar até a atualidade ofende o art. 402 do Código Civil, que define lucros cessantes.
Em contrarrazões ao recurso especial, a recorrida enfatiza que no próprio despacho que determinou o início dos trabalhos da fase de liquidação de sentença o juízo de origem delimitou o período para cálculo dos lucros cessantes de maio de 1992 até a data da elaboração do laudo (fl. 328), dele não tendo havido recurso.
Inicialmente, não há que se falar em violação ao art. 535 do CPC, tendo em vista que os arts. 429 e 435 do CPC e 402 e 944 do Código Civil foram prequestionados, de forma implícita, pelo acórdão recorrido, o que é suficiente, conforme orientação jurisprudencial uniforme no âmbito desta Corte. Nesse sentido:
EREsp 161.419/RS, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Relator p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, DJe de 10.11.2008.
Quanto à alegação de preclusão feita nas contrarrazões, observo que não houve decisão, propriamente dita, a respeito dos critérios para cálculo dos lucros cessantes. O despacho de fl. 320, proferido em correição, determinou a intimação do autor para apresentar documentos e informações, nomeou perito para cálculo dos lucros cessantes "por não ter sido possível vender álcool, gasolina e diesel, no período de maio de 1992 até a data da elaboração do laudo (...)", ordenando que, posteriormente à apresentação das informações e documentos, fosse o liquidatário intimado para indicar assistente técnico e formular quesitos e fixou honorários de perito a serem depositados pelo liquidante. Este despacho, não fundamentado, sequer foi publicado e não continha comando algum dirigido ao liquidatário, ao qual se referiu apenas para determinar que, depois de cumpridas as ordens endereçadas ao liquidante, fosse ele intimado para indicar assistente técnico e formular quesitos. Apresentado o laudo, foi ele tempestivamente impugn
ado, inclusive em relação ao período para cálculo dos lucros cessantes. Proferida decisão rejeitando a impugnação, foi interposto o competente agravo de instrumento, no qual a questão foi novamente apreciada, com a confirmação da sentença, tendo o acórdão recorrido entendido que os lucros cessantes eram devidos até a data do cálculo, porque a empresa tinha estado inativa durante todo o período, conforme comprovado com certidões dos órgãos fazendários. Inocorrente, portanto, a preclusão alegada (cf, a propósito, o acórdão no REsp. 868.931/RJ, rel. a Ministra Eliana Calmon).
Assim, cabível o exame da matéria (delimitação do período dos lucros cessantes) pela decisão que homologou os cálculos de liquidação e pelo acórdão recorrido, matéria objeto do presente recurso especial, que passo a examinar.
Lucros cessantes consistem naquilo que a parte deixou razoavelmente de lucrar, conforme estipulado no art. 402 do Código Civil. São, pois, devidos por um período certo, qual seja aquele em que a parte ficou impossibilitada de auferir lucros em decorrência do evento danoso, no caso, o período necessário para as obras de reconstrução do posto.
O entendimento do acórdão recorrido no sentido de que os lucros cessantes devem englobar período superior àquele em que o posto ficou sem utilização econômica em decorrência do incêndio e da imprescindível obra de reconstrução, estendendo-se por mais de uma década até a data da perícia, ofende o art. 402 do Código Civil.
Não importa para a definição do prazo em que devidos os lucros cessantes a circunstância assentada no acórdão recorrido de que a recorrida não mais retomou as suas atividades no posto, segundo inferiu das certidões dos órgãos fazendários.
Com efeito, segundo consta da decisão de primeiro grau nos embargos de declaração, confirmada pelo acórdão recorrido, "a embargada nunca retomou suas atividades após o sinistro (incêndio), mas, ao invés, alienou o terreno no qual funcionava o empreendimento para uma sociedade empresária totalmente distinta (fl. 157)". Trata-se de fato incontroverso.
Se a Recorrida optou, todavia, por não mais continuar na mencionada atividade econômica, alienando o imóvel onde existia o empreendimento para outra empresa, tal opção não tem a consequência de perpetuar o pagamento de lucros cessantes decorrentes da atividade não mais exercida. Os lucros cessantes devem ser apenas aqueles decorrentes diretamente do evento danoso, ou seja, o que a empresa razoavelmente deixou de lucrar durante o tempo necessário para reparar a destruição causada pelo incêndio, vale dizer, o período em que as instalações não puderam ser utilizadas em função da obra necessária para que voltassem a funcionar.
Assiste razão também à recorrente quando alega que a apuração dos lucros cessantes deve ser feita deduzindo-se todas as despesas operacionais da empresa recorrida, inclusive tributos.
Cumpre esclarecer que "faturamento corresponde à receita da empresa, não podendo ser confundido com o lucro, que só é apurado depois de deduzidas as despesas (salários, aluguéis, etc.) e os tributos" (Resp 613.648/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, DJ de 16.4.2007).
Confira-se, ainda:
CIVIL. LUCROS CESSANTES. FATURAMENTO E LUCRO: DISTINÇÃO. O faturamento seguido pelo pagamento corresponde à receita, que, todavia, não equivale ao lucro, porque este é o resultado das receitas menos os custos da atividade empresarial (despesas operacionais, tributos, etc). Recurso especial conhecido e provido em parte.
(REsp 575.080/CE, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, DJ de 26.3.2007)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COLISÃO DE VEÍCULOS. PARALISAÇÃO DE AUTOMÓVEL DE AUTO-ESCOLA. LUCROS CESSANTES. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. PREJUÍZO EXISTENTE. APURAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.
I. Não padece de nulidade acórdão que enfrenta as questões suscitadas, apenas que de modo adverso à pretensão da parte.
II. Configurados o dano e os lucros cessantes pela paralisação de veículo de auto-escola necessário ao desenvolvimento das atividades da autora, cabível a sua condenação, cujo montante, todavia, deve ser apurado em liquidação de sentença, considerando-se, notadamente, o volume médio de aulas ministradas pela empresa e o valor das mesmas, porém com a dedução obrigatória das despesas operacionais, não consignadas na documentação unilateralmente apresentada, que se rejeita.
III. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.
(Resp 489.195/RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, DJ de 19.11.2007)
Dada a necessidade de realização de nova perícia, fica prejudicado o exame da alegada violação ao art. 435 do CPC.
Em face do exposto, dou provimento ao recurso especial, para anular a decisão homologatória dos cálculos, determinando o retorno dos autos à origem, para que seja realizada nova perícia, com a delimitação dos lucros cessantes ao período de tempo necessário para a reconstrução do posto, devendo ser considerado para cálculo dos lucros cessantes apenas o lucro líquido, vale dizer, com a dedução de todos os custos operacionais e tributários.
É como voto.
Fonte: Migalhas.com.br (26.05.11)