O artigo "Processo eletrônico não pode violar prerrogativa" é de autoria do presidente da OAB do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Wadih Damous e foi publicado no site Consultor Jurídico:
"Recentemente, a OAB-RJ obteve vitória paradigmática perante o Conselho Nacional de Justiça. Por unanimidade, foi julgado totalmente procedente o pedido em um Procedimento de Controle Administrativo por nós ajuizado, contra resoluções semelhantes editadas pelo TJ-RJ e pelo TRF-2. Em suma, esses atos normativos limitavam o acesso aos autos dos processos eletrônicos apenas aos advogados regularmente constituídos, ainda que se tratasse de processo que não estivesse submetido a segredo de Justiça.
O plenário do Conselho acatou integralmente os argumentos da OAB-RJ, no sentido de que as resoluções violavam não apenas a Constituição Federal (art. 5º, LX) e o Estatuto da Advocacia (art. 7º, XIII, da lei 8.906/94), mas também uma resolução do próprio CNJ (Resolução 121), editada justamente para regular essa questão específica. Os tribunais já foram notificados, e estão promovendo as alterações necessárias nos respectivos sistemas para o cumprimento da decisão.
Diz a Resolução 121 do CNJ que o advogado, mesmo sem procuração, deve ter acesso automático aos autos de qualquer processo, salvo aqueles que tramitem sob sigilo. No mesmo sentido, o Estatuto da Advocacia assegura que todo advogado, mesmo sem procuração, deva ter acesso a qualquer processo não sigiloso, assegurada, inclusive, a extração de fotocópias. No caso do processo eletrônico, a "extração de fotocópias" significa a cópia digital dos arquivos que compõem os autos virtuais.
Essa prerrogativa, garantida por lei, não pode ser submetida ao crivo do juiz, tal como estabeleciam as resoluções, agora anuladas. Cabe ao legislador definir previamente quais as hipóteses que devem tramitar sob sigilo. Apenas nessas hipóteses o acesso aos autos deve ficar restrito às partes e advogados regularmente constituídos.
Tampouco a existência de documentos sigilosos, por força do direito material (tais como informações fiscais ou bancárias), devem ser motivo suficiente para se vedar previamente o acesso aos autos, condicionando-o à pura discricionariedade do magistrado. Ora, o processo eletrônico, ao contrário de motivar tratamento diferenciado dessa hipótese, proporciona justamente seu tratamento adequado. É que, com as ferramentas tecnológicas, é plenamente possível que apenas alguns documentos, sigilosos por força de regras de direito material, sejam omitidos dos autos eletrônicos, por expressa e fundamentada determinação judicial. Portanto, em hipótese alguma esse argumento justifica uma vedação total de acesso aos autos.
A decisão do CNJ, dessa forma, é o leading case sobre a matéria, principalmente por ter sido a primeira vez em que o Conselho se manifestou sobre a correta interpretação de sua própria Resolução.
Devemos comemorar, mas não nos acomodarmos. Além de continuarmos atentos ao devido cumprimento da decisão, é preciso ir além. Não podemos admitir que, assim como ocorreu neste caso, o advento do processo eletrônico se torne um pretexto para a violação das prerrogativas dos advogados. Uma outra hipótese que já preocupa diversos colegas é o natural afastamento físico entre advogados e magistrados, por conta da virtualização do processo.
A prerrogativa de ser recebido pelos magistrados nos respectivos gabinetes, estabelecida pelo artigo 7º, VIII do Estatuto, não deve ser afetada por essa nova forma de tramitação dos processos. Para tanto, é preciso exigir que os tribunais não concedam aos magistrados a faculdade de despacharem de suas residências ou de outro local que não o seu gabinete, o que, em tese, é possível pelo uso da tecnologia. Ao menos durante o horário de expediente, é essencial que os juízes e desembargadores permaneçam em seu local de trabalho, a fim de receberem os advogados que a eles precisem se dirigir.
Também devemos nos insurgir contra a virtualização das sessões de julgamento, a exemplo do que o TJ-RJ pretende instituir por meio da Portaria 13/2011, do Órgão Especial. A garantia das sessões públicas, estabelecida no artigo 93, IX, da Constituição Federal, não pode ser afastada por uma norma administrativa de um tribunal. A informática tem muito a colaborar com o bom funcionamento do Poder Judiciário, mas não ao custo da violação de garantias constitucionais tais como a publicidade do processo, que é essencial para a fiscalização social do Poder Judiciário.
Em suma, a OAB, com o apoio dos advogados, deve permanecer vigilante para que o processo eletrônico não seja um pretexto para violação às prerrogativas da classe".
Fonte: Informativo On-line da OAB (10.06.11)