Está na pauta de julgamento do STF desta quarta-feira (3/8) o prazo que os contribuintes têm para pedir de volta tributos pagos a mais. O Plenário deve analisar o Recurso Extraordinário da União sobre a chamada tese dos "cinco mais cinco", segundo a qual as empresas têm até dez anos, após informar ao fisco o recolhimento da obrigação, para pedir a repetição do indébito — a devolução, em ressarcimento ou compensação com outros débitos, do que pagaram indevidamente.
A discussão, com repercussão geral reconhecida, está pendente de julgamento desde maio do ano passado, quando o ministro Eros Grau pediu vista do processo. Com sua aposentadoria, o voto cabe agora ao ministro Luiz Fux, que o sucedeu. Ele concluiu o trabalho em maio desde ano, quando pediu inclusão na pauta. O placar até agora é de cinco votos a quatro a favor dos contribuintes. Além da relatora, ministra Ellen Gracie, os ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Celso de Mello e Cezar Peluso reconheceram que os contribuintes têm até dez anos para reaver os valores. Marco Aurélio, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes foram contra. Além de Fux, falta votar ainda o ministro Joaquim Barbosa.
Em discussão está a constitucionalidade do artigo 4º da Lei Complementar 118/2005, que faz retroagir a mudança feita por seu artigo 3º. O dispositivo, ao determinar o escopo do inciso I do artigo 168 do Código Tributário Nacional, afirma que o crédito tributário se extingue no momento do pagamento do tributo pelo contribuinte, e não cinco anos após a homologação da declaração entregue ao fisco — obrigações acessórias como a DCTF informam os pagamentos feitos, mas como são preenchidas pelos próprios contribuintes, a Receita tem cinco anos para aprovar ou não as informações. Na prática, o entendimento tiraria da conta os primeiros cinco anos que quem pagou a mais poderia acrescentar ao período para reclamar o excedente.
O dilema está em saber se a Lei Complementar se trata de uma norma meramente interpretativa ou inovou no ordenamento jurídico. No primeiro caso, poderia retroagir até a data em que o CTN entrou em vigor, em 1966. No segundo, só poderia valer para os fatos geradores ocorridos quando a LC já estivesse valendo.
O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou a respeito. Segundo os ministros, o prazo prescricional para contestar a restituição de valores pagos indevidamente antes da vigência da Lei Complementar continua observando a tese dos cinco mais cinco, desde que, na data da vigência da lei, sobrem no máximo cinco anos da contagem do tempo prescricional. Se houver pagamentos indevidos feitos após a entrada em vigor da lei, o prazo de cinco anos corre a partir da data do pagamento.
Se mantiver o entendimento que aplicou quando integrava o STJ, o ministro Fux se unirá à maioria no STF e definirá o caso a favor dos contribuintes. Em 2009, ele afirmou que "o princípio da irretroatividade impõe a aplicação da LC 118 aos pagamentos indevidos realizados após a sua vigência", em voto no Recurso Especial 1.002.932.
Ele seguiu entendimento pacificado pela Corte Especial ao julgar os Agravos de Instrumento nos Embargos ao Recurso Especial 644.736. O colegiado estipulou a fórmula de que "relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 9.6.05), o prazo para a repetição do indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova". O STJ reconhecia a inconstitucionalidade da retroação da Lei Complementar 118.
Fica, no entanto, a dúvida se Fux de fato pensa como a Corte Especial do STJ ou apenas respeitou a jurisprudência pacificada. Quando o AI no EREsp 644.736 foi julgado por unanimidade, em 2007, ele não estava presente à sessão.
Se vingar a tese de que uma lei chamada de "interpretativa" pode voltar atrás no tempo sem qualquer limite, o que se avista é um descrédito completo do Poder Judiciário, de acordo com especialistas. "É ao Judiciário que cabe interpretar e aplicar as leis, e com caráter definitivo", disse a desembargadora federal Regina Costa, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em seminário organizado no ano passado sobre o tema. "O STJ cristalizou jurisprudência sobre a tese dos cinco mais cinco, dando interpretação construtiva para o Código Tributário Nacional. Uma lei posterior não poderia dar nova interpretação já consolidada pelo Judiciário."
Para a tributarista Misabel Derzi, que também palestrou no evento, se o Supremo disser que uma lei interpretativa pode invalidar uma jurisprudência do STJ, a corte estará "cassando a própria liberdade de interpretação do Judiciário", o que, segundo a professora de Direito Tributário na Universidade Federal de Minas Gerais e das Faculdades Milton Campos, causaria desequilíbrio entre os três Poderes. "Bastaria ao Legislativo elaborar leis 'interpretativas' sempre que o Executivo fosse derrotado na Justiça", avança a desembargadora Regina Costa. "O presidente da República, por exemplo, poderia, por decreto, regulamentar todo o CTN. O Judiciário não pode renunciar à sua missão de interpretar as leis."
RE 566.621
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Por Alessandro Cristo
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (03.08.11)