O não conhecimento de embargos infringentes apresentados por parte contrária, sem que essa decisão fosse impugnada por agravo regimental, não inviabiliza o conhecimento de recurso especial. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou que, se os embargos foram apresentados pelo réu e rejeitados por deserção, não se pode impor ao autor o ônus da negligência da parte contrária.
No caso, um homem – hoje falecido e sucedido por seu espólio – ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra o banco ABN Amro Real S/A. Ele argumentou ter sido procurado por pessoas que se identificaram como representantes de uma companhia seguradora e solicitaram o pagamento imediato de um débito de R$ 15, decorrente de atraso em prestações de seguro.
O autor pagou a quantia em cheque. Entretanto, o título foi adulterado e acabou sendo descontado no banco pelo valor de R$ 2,8 mil. Apesar de a instituição financeira ter sido avisada do fato, o desconto do cheque gerou na conta-corrente do autor um saldo negativo que, com a cobrança de encargos, totalizava mais de R$ 5 mil. O nome dele foi incluído em cadastros de inadimplência.
O pedido foi julgado procedente, com indenização dos danos materiais e reparação por danos morais fixada em R$ 18 mil. Ao julgar apelação do banco ,o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reduziu os danos morais para R$ 12 mil e determinou, por maioria de votos, a incidência de correção monetária a partir da data do acórdão.
O espólio do correntista interpôs embargos infringentes, na tentativa de fazer prevalecer o critério estabelecido no voto vencido do desembargador relator quanto à correção monetária do valor dos danos morais. Os embargos, porém, não foram conhecidos por deserção, pois o espólio não recolheu o valor do preparo do recurso (custas processuais).
A instituição financeira interpôs recurso especial, alegando que a culpa exclusiva de terceiro excluiria a obrigação de o banco indenizar o correntista pelo cheque falsificado. Além disso, argumentou que não se poderia reputar incontroverso o dano material alegado e que haveria exagero na fixação da indenização por danos morais.
O recurso não foi admitido pelo tribunal paranaense, visto que o não conhecimento dos embargos infringentes teria de ter motivado a interposição de agravo regimental, sem o qual o recurso especial não poderia ser manejado por ausência de esgotamento de instância. A inadmissão do recurso motivou a interposição de agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento pela relatora, ministra Nancy Andrighi, resultando na subida dos autos ao STJ.
Cabimento do recurso
Preliminarmente, a ministra Nancy Andrighi analisou o cabimento do recurso especial. Ela observou que os embargos infringentes não foram conhecidos por decisão unipessoal e não houve a interposição de agravo para provocar manifestação colegiada sobre o tema. A relatora apontou que o interesse na interposição do agravo jamais seria do ABN Amro Real, mas do espólio.
“Não se pode exigir que o banco, contra seu interesse no processo, pratique ato que compete à parte contrária e que somente a ela poderia beneficiar, meramente para que se preencha um requisito formal de admissibilidade do recurso especial”, ponderou.
Nancy Andrighi afirmou que é conhecida a jurisprudência do STJ no sentido de que a oposição de embargos infringentes incabíveis não interrompe o prazo para a interposição de recurso especial. Isso se refere, porém, à hipótese em que o próprio recorrente procura se beneficiar da interrupção de prazo que seria gerada por recurso manifestamente incabível por ele apresentado.
“Mas, se o recurso não foi conhecido por falha da parte contrária, esses precedentes são inaplicáveis. Uma parte não pode ser prejudicada pela torpeza da outra. O recurso especial, portanto, é tempestivo”, concluiu a ministra.
Na análise do conteúdo do recurso, a relatora afastou a alegação de culpa de terceiro como excludente da responsabilidade civil. Nancy Andrighi explicou que a jurisprudência do STJ vem se firmando no sentido de considerar que, nas hipóteses de ação de estelionatários, à luz da teoria do risco profissional, as instituições financeiras não se eximem de responsabilidade por consistir em risco inerente à atividade econômica exercida por elas, caracterizando o chamado fortuito interno, que não é capaz de romper o nexo causal entre a atividade e o evento danoso.
Quanto às alegações referentes à ausência de impugnação do pedido de indenização por danos materiais e ao montante de fixação dos danos materiais, a ministra as rejeitou por força do impedimento da Súmula 7/STJ. Já o valor da indenização por dano moral, segundo a relatora, foi aplicado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao nível sócio-econômico do recorrente, de forma que não deve ser revisto pela Corte Superior.
Desse modo, a ministra Nancy Andrighi conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, negou-lhe provimento. Os demais ministros da Terceira Turma acompanharam o voto da relatora.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça – STJ (07.12.11)