A dinâmica que se imprime às discussões judiciais, por vezes, faz com que velhos temas, antes consolidados, possam ainda ocasionar discussões novas e, também, diferentes decisões capazes de mudar o rumo da interpretação dominante dos textos normativos. Esse processo, que é natural e apenas corrobora o entendimento de que o Direito é um sistema em permanente mutação, nem sempre produz resultados coerentes para com o ordenamento jurídico e na direção dos valores que a ordem constitucional alçou como diretrizes para o desenvolvimento da República Federativa do Brasil. O termo “mudança” nem sempre é sinônimo de “evolução”.
Recentemente, tomei conhecimento de que o Supremo Tribunal Federal colocou em sua ordem do dia a discussão a respeito da exigência de ICMS sobre a quantia cobrada pelas empresas de telefonia móvel a título de habilitação. Essa discussão já havia sido travada, há alguns anos, nas tribunas no Superior Tribunal de Justiça, tendo sido firmado, ali, o entendimento de que tal operação não integrava o conceito “serviço de telecomunicação” da maneira definida pela legislação brasileira e, por isso, seria descabida sua incidência.
O assunto também está relacionado ao exame da Constituição, porquanto se trata de limite à competência dos estados para tributar os “serviços de comunicação” pelo ICMS, desempenhando a prerrogativa que lhes foi atribuída no artigo 155, II de nossa Lei Maior e demarcada no artigo 2º da Lei Complementar 86/1996. Que se obedeça estritamente às disposições delineadoras da competência dos entes tributantes é algo de suma relevância, não apenas para a segurança e previsibilidade do direito, como também para a manutenção do pacto federativo, garantindo assim o respeito às condições para o exercício do poder firmadas pelo povo brasileiro em sua Carta Magna.
Pois bem, foi dada aos estados a competência para tributar “serviços de comunicação”, mas que se entende por isso? Se “serviço” é vocábulo que coube ao direito privado dar os seus contornos, “comunicação” terá muitas acepções, mas é possível dizer, da leitura dos textos de direito positivo e também do exame das modernas teorias semióticas que a comunicação pressupõe a existência, concomitante, dos seguintes elementos: i) o emitente; ii) o receptor; iii) um código comum a ambos; iv) mensagem expedida com os signos desse código; v) canal por onde flui a mensagem, transitando do emitente ao receptor; vi) conexão psicológica entre emissor e receptor; e vii) um contexto. Bastará a falta de um desses elementos para que não se instale o processo de comunicação.
Já por “habilitação”, segundo os textos que oferece nosso ordenamento jurídico e as lições de nossos juristas, deve-se compreender os procedimentos e medidas que autorizam e, com isso, possibilitam alguém a praticar determinados atos. É assim com a habilitação para conduzir automóveis (Carteira Nacional de Habilitação – CNH), para ocupar e usar um imóvel (o habite-se), para conduzir aeronaves (brevê)… De ver está que os serviços prestados pelas operadoras de telefonia móvel a título de habilitação, não configuram operações de comunicação, porquanto faltam aí muitos de seus elementos essenciais. Assim entenderam, antes, os ministros do Superior Tribunal de Justiça, quando examinaram a matéria em cotejo com a definição do artigo 60, §1º da Lei Geral de Telecomunicações que considera serem “de comunicação” apenas as atividades de “transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”.
Parece-me claro que as operações de habilitação estão fora daquele território delimitado pela Carta Magna como de competência dos estados para tributar os serviços de comunicação. Nos próximos dias, caberá ao Supremo Tribunal Federal, como precípuo guardião de nossa Constituição, indicar o caminho que se deve seguir na interpretação desses dispositivos legais e os limites ao alcance da competência dos estados para tributar os serviços de telecomunicação. A nós, cabe lembrar que nem sempre a mudança é o caminho mais recomendado.
Paulo de Barros Carvalho é advogado, professor titular e emérito da PUC-SP e da USP e membro titular da Academia Brasileira de Filosofia.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (08.12.11)