A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SUPERMERCADOS – ABRAS impetrou Mandado de Segurança, com pedido de liminar, contra ATO DO SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, buscando que seus Associados possam comercializar os estoques de vinho sem o selo fiscal previsto na IN-RFB 1.026/2010, assim adquiridos antes da obrigatoriedade da aposição do selo, bem como os adquiridos após 31/12/2011, no mercado interno, de empresas produtoras ou importadoras legalmente autorizadas a comercializá-los sem a mencionada selagem.
Este Mandado de Segurança que tomou o número 67 184-07.2011.4.01.3400, foi distribuído para a 6ª. Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, para a Magistrada, Juíza Federal, Doutora Ivani Silva da Luz a qual DEFERIU O PEDIDO DE LIMINAR para determinar que a Autoridade Coatora se abstenha de adotar qualquer penalidade ou apreensão de mercadorias contra os Associados da Impetrante e suas Afiliadas enquanto perdurarem os estoques de vinhos classificados no Código 2204 da Tabela de Incidência do IPI adquiridos antes da obrigatoriedade de aposição do selo fiscal instituído pela IN RFB 1.026/2010. A ABRAS está sendo representada no processo através do ESCRITÓRIO BRAGA DE SOUZA Advogados Associados.
(segue a íntegra da Decisão)
CLASSE : MANDADO DE SEGURANÇA
PROCESSO : Nº 67184-07.2011.4.01.3400
IMPTE : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SUPERMERCADOS-ABRAS
IMPDO : SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL
JUÍZO : 6ª VARA - DF
DECISÃO
Trata-se de pedido de liminar, em mandado de segurança, impetrado por ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SUPERMERCADOS – ABRAS contra ato do SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, por meio do qual pretende que seus associados possam comercializar os estoques de vinhos classificados no Código 2204 da Tabela de Incidência do IPI (importados) sem o selo fiscal previsto na IN-RFB 1.026/2010, assim adquiridos antes da obrigatoriedade da aposição do selo, bem como os adquiridos após 31/12/2011, no mercado interno, de empresas produtoras ou importadoras legalmente autorizadas a comercializá-los sem a mencionada selagem.
Alega que, em 16 de abril de 2010, por meio da Instrução Normativa RFB nº 1.026, a Secretaria da Receita Federal criou a exigência de selo de controle especial do vinho, para aqueles de fabricação nacional ou importados classificados no código 2204 da Tabela de Incidência do IPI.
Informa que, inicialmente, a referida IN determinou que os estabelecimentos atacadistas e varejistas não poderiam comercializar os vinhos sem o respectivo selo, a partir de 01/01/2012. Posteriormente, a Receita Federal alterou a data citada, por meio da IN-RFB nº 1.188, de 30/08/2011, estabelecendo a impossibilidade de comercialização dos vinhos sem o selo de controle especial somente a partir de 01/01/2015.
Contudo, alguns dias depois dessa alteração, a Receita Federal editou a IN-RFB nº 1.191/2011, estipulando novamente a data de 01/01/2012 para início da exigência do selo de controle especial.
Entende a Impetrante que, apesar de a Receita ter percebido a exigüidade do prazo inicialmente conferido para os associados da Impetrante comercializarem seus estoques de vinhos importados sem o selo especial, tendo-o alterado para 01/01/2015, voltou atrás logo depois, impondo prazo final para escoamento dos estoques para 31/12/2011.
Aduz que “as idas e vindas da Receita Federal, representam uma confissão da absoluta carência de amparo legal e falta de razoabilidade da norma” (fls. 07).
Funda o periculum in mora na proximidade do prazo para que os estoques de vinhos, todos regularmente adquiridos, sejam totalmente vendidos, uma vez que não lhes foram dados meios para eventual selagem dos estoques não comercializados até 31/12/2011.
Instruem a inicial os documentos de fls. 21-83.
Custas recolhidas às fls. 23-4.
É o relatório.
DECIDO.
A Lei 12.016/2009, em seu art. 7º, III, exige, para a concessão da liminar em mandado de segurança, a presença simultânea de dois requisitos, a saber:
a) a existência de plausibilidade jurídica (fumus boni juris) e b) a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).
Tais requisitos são, pois, cumulativos e concomitantes, de modo que ante a ausência de qualquer deles não se legitima a concessão da medida vindicada.
Em juízo de preambular exame, entendo estarem presentes ambos os requisitos, conforme passo a expor.
A Impetrante impugna a Instrução Normativa RFB 1.191, de 09 de setembro de 2011, que diminuiu o prazo anteriormente concedido para as empresas do ramo de comercialização de vinhos (produtos classificados no código 2204 da Tabela de Incidência do IPI) acabarem com seus estoques de vinhos que foram adquiridos antes da IN RFB 1.026/2010, a qual instituiu a necessidade de sujeitar os referidos produtos ao selo de controle especial.
Note-se que, em agosto de 2010, a Receita havia estipulado a data de 1º de janeiro de 2012 para que não se comercializassem mais os produtos em questão sem o selo de controle especial. Porém, em 30 de agosto deste ano, havia estendido tal prazo para 1º janeiro de 2015. Logo em seguida, no entanto, em 09 de setembro de 2011, a data para impedimento da comercialização do produto sem o selo especial voltou a ser 1º de janeiro de 2012.
Ora, pode-se concluir que, ao dilatar o prazo concedido para as empresas liquidarem seus estoques já regularmente adquiridos antes da instituição do selo especial, estipulando período maior, até 2015, para as empresas venderem suas mercadorias, a Receita Federal reconheceu a necessidade de um amplo período para que as empresas do ramo pudessem acabar com seus produtos que estavam regulares à época da IN 1.026/2010.
Isso porque, sabe-se que o produto objeto do selo em questão, o vinho, é produto duradouro, que pode ser adquirido em grande quantidade, já que não possuem data de validade. Os estabelecimentos atacadistas e varejistas que comercializam vinhos não podiam prever a imposição de uma norma que lhes vedasse sua comercialização quando fizeram aquisições de grande quantidade.
Assim, soa razoável que seja concedido período maior para que não seja imposto prejuízo desnecessário aos que comercializam vinho, uma vez que o selo de controle não visa a apurar a qualidade dos vinhos, mas a fazer um maior controle fiscal.
Porém, se havia regularidade fiscal dos produtos adquiridos para comercialização antes da edição da IN 1.026/2010, que instituiu o selo fiscal, não se afigura legal o emprego de tal meio coercitivo que impeça a comercialização desses produtos após a IN 1.026/2010, ante a vedação à Administração Pública de cobrar impostos de forma indireta.
Não pode o Fisco impedir direta ou indiretamente a atividade profissional ou econômica do contribuinte, como forma de cobrança de seus créditos. Em outras palavras, a exigência de selo de controle fiscal é posterior à comprovação de regularidade fiscal dos produtos que já estavam circulando regularmente, assim, o impedimento da continuidade de sua circulação denota utilização de meio coercitivo para se cobrar tributo indiretamente sobre os produtos que não foram atingidos pela norma fiscal.
Esse é o entendimento jurisprudencial pacífico sobre a matéria, conforme se colhe das ementas abaixo transcritas:
ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR –RECONHECIMENTO E RENOVAÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CURSO – EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL E PREVIDENCIÁRIA – PROCEDIMENTO COERCITIVO COM FINALIDADE DE COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTOS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF – SÚMULA 127 DO STJ. 1. O ensino superior particular é atividade garantida constitucionalmente que está condicionada unicamente a requisitos cujos objetivos são o aperfeiçoamento contínuo da qualidade acadêmica, a melhoria do planejamento e da gestão universitária e a prestação de contas à sociedade. 2. Condicionar o reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos à comprovação de regularidade fiscal e previdenciária é medida coercitiva com finalidade de cobrança indireta de tributos. 3. O entendimento sumulado no STF por meio dos enunciados 70, 323 e 547, bem como o desta Corte Superior, por meio da Súmula 127/STJ, segue a lógica de que a Fazenda Pública deve cobrar os seus créditos através de execução fiscal, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional ou econômica do contribuinte. Recurso especial improvido.
(RESP 200801334050, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/05/2009.)
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO GERAL DE CONTRIBUINTES - CGC. REGULARIDADE FISCAL DOS SÓCIOS DA EMPRESA. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 82/97 - SRF. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. MEIO COERCITIVO (CF, 170, PAR. ÚNICO). INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Pacificou a jurisprudência que a autoridade administrativa não pode usar de sanções indiretas como meio coercitivo para pagamento de tributos, impedindo direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte. Súmulas nºs 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal. 2. Recurso improvido.
(AMS 199901000321817, JUIZ MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, TRF1 - QUARTA TURMA, DJ DATA:17/03/2000 PAGINA:735.)
Ademais, apreciando pedido similar, em face da mesma instrução normativa, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu que não ficou demonstrado, no caso concreto, grave lesão à ordem e à economia públicas. Extrai-se do voto vencedor proferido no AgRSLAT 0020812-15.2011.4.01.0000/DF (fls. 74-5) o seguinte trecho, por ser bastante esclarecedor, verbis:
“O JUIZ TOURINHO NETO: Senhor Presidente, a importação de vinho sempre houve, esse negócio de selo lembra-me até — que é do tempo também de Vossa Excelência — a questão da estampilha. Hoje em dia. como pergunta a empresa agravante, é necessário, para haver uma fiscalização, que haja selo? O significado, tem que abrir caixa por caixa, como me fez ver ontem o advogado, para selar? Isso é coisa retrógrada. Para fiscalizar a entrada de vinho, se o vinho é contrabandeado ou não: é para isso a estampilha, digo, o selo. Qual é a grave lesão que está a haver? Qual é a grave lesão à economia? A União não diz qual a real necessidade, para a fiscalização, desse selo. E veja só a confusão que a União faz: no primeiro ato, ela marca na Instrução Normativa 1.026, de abril de 2010: "A partir de 1º/7/2011, os estabelecimentos atacadistas e varejistas não poderão comercializar os vinhos referidos no art. 1º (Importados) sem o selo de controle de que trata esta instrução.". Posteriormente ela amplia e passa para 1º/1/2015, Instrução Normativa de 1.188/2011. A partir de 1º/1/2015, é a mesma coisa, só mudou a data; depois, volta e corrige novamente esse prazo: a partir de 1º/1/2012. Quer dizer, a própria fiscalização não sabe o que quer. Ora marca uma data, ora marca outra, volta para uma terceira data, a demonstrar que não há nenhuma grave lesão à ordem errônea econômica na não existência deste selo. A União não demonstrou que está havendo grande evasão de tributo.
O DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES: O que ela afirmou é que a evasão tributária é multo grande. Só num período, num exercício, foi orçada em trinta e dois milhões de reais.
O JUIZ TOURINHO NETO: Mas só dizendo isso, ou não dizendo o que foi que ocorreu, porque, se há lesão à ordem econômica, tem que ter dados concretos, não é um negócio aleatório, trinta milhões, vinte milhões, cinqüenta milhões, e agora é que a União está vendo isso? Não tem outro meio? Hoje, se você passa por um determinado aparelho raio X, vêem todo o seu corpo, colocam a pessoa despida. Mas, para fiscalizar a entrada de vinho, precisa de selo; não é possível, Presidente, a dificuldade na fiscalização não pode levar a um método tão retrógrado. A União teria que demonstrar, de modo concreto, que está havendo lesão à ordem econômica e demonstrar a dificuldade ou impossibilidade de ter um outro meio de fiscalização de entrada de vinhos importados no país. Como não foi feito esse controle, isso só vai ocasionar despesa para o consumidor e lucro, um lucro adicional, para a União. Quem vai fabricar esses selos vai ganhar; quem vai passar o selo em cada garrafa de vinho, vai ganhar; todos ganham, menos o consumidor. A lesão aí é ao bolso daqueles que gostam de tomar vinho — e vinho importado —, apesar de o vinho nacional ser tão excelente quanto o importado.
(...)”
Consulte-se, ainda, a ementa do citado julgado:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL.
OBRIGATORIEDADE DE COLOCAÇÃO DE SELOS NOS VINHOS IMPORTADOS.
1. Inexistência de prova de grave lesão à ordem e à economia públicas. Não demonstração pela União Federal de que está havendo grande evasão de tributo na importação de vinho.
2. Ademais, referindo a sentença cai suspensão de liminar, de acordo com o art. 7º, § 3º, da Lei 12.016/2009, "que os referidos efeitos da medida liminar, salvo se revogada, persistirão até a prolação da sentença".
(AGRSLT 0020812-15.2011.4.01.0000/DF, Rel. Desembargador Federal Presidente, Rel.Acor. Desembargador Federal Tourinho Neto, Corte Especial,e-DJF1 p.15 de 07/10/2011)
O periculum in mora está patente, ante a proximidade da data imposta pela IN 1.026/2010 para cessação da comercialização dos vinhos adquiridos antes da criação do selo de controle especial, qual seja, 31/12/2011.
Diante do exposto, DEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR para determinar que a Autoridade Coatora se abstenha de adotar qualquer penalidade ou apreensão de mercadorias contra os associados da Impetrante e suas afiliadas enquanto perdurarem os estoques de vinhos classificados no Código 2204 da Tabela de Incidência do IPI adquiridos antes da obrigatoriedade de aposição do selo fiscal instituído pela INRFB 1.026/2010.
Notifique-se.
Intime-se a Autoridade Coatora, para cumprimento, e a União Federal (Fazenda Nacional), para ciência desta decisão e do presente feito, nos termos do art. 7º, II, da Lei 12.016/09.
Após, ao MPF.
Brasília/DF, de dezembro de 2011.
IVANI SILVA DA LUZ
Juíza Federal Titular da 6ª Vara /SJDF