DIREITO DO CONSUMIDOR » ENTREVISTA JULIANA PEREIRA DA SILVA - Diretora do DPDC
Melhora do poder de compra do brasileiro faz crescer as reclamações relativas à contratação de empresas. De olho na redução dos conflitos, Ministério da Justiça atua para aperfeiçoar a relação entre prestadores de serviço e consumidores
ECONOMIA AQUECIDA, RECLAMAÇÕES EM ALTA
Estamos em um momento positivo da economia, de muito consumo, e as pessoas reclamam de problemas recorrentes"
A redução do número de conflitos entre empresas e consumidores e a garantia de mais segurança para as informações pessoais dos clientes — por meio de cadastros de lojas e sites — estão na ordem do dia do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão do Ministério da Justiça. O crescente número de brasileiros em condições econômicas para comprar e contratar serviços fez crescer consideravelmente a demanda no comércio, assim como a procura pelos institutos de defesa do consumidor.
Em entrevista exclusiva ao Correio, a diretora do DPDC, Juliana Pereira da Silva, destaca a preocupação com a falta de qualidade dos produtos e a quantidade de pessoas que precisam de auxílio do Estado para resolver questões que deveriam ser absorvidas pelo mercado, como dificuldades em entrar em contato com as assistências técnicas de empresas, garantir o cumprimento de prazos e cancelar cobranças indevidas.
Apesar de serem aguardadas grandes mudanças para a área ainda este ano, com influência direta sobre a vida dos cidadãos — como a criação de uma Secretaria de Defesa do Consumidor e a reforma do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) —, Juliana Pereira evitou comentar o assunto. “O que eu posso falar é que esse é um sonho para quem faz parte do sistema, mas acho que é o ministro (da Justiça) quem deve dizer os detalhes de como está planejando tudo isso”, afirma.
Sobre as dificuldades em resolver impasses relativos aos setores regulados pelo governo, como financeiro, de telefonia e de aviação, a diretora do DPDC afirma que o desafio das agências será o de encontrar alternativas para conciliar o desenvolvimento tecnológico do mercado com os interesses dos consumidores. Segundo ela, outras empresas campeãs de reclamações, como as do setor do varejo, devem ser pressionadas pelos próprios clientes, que podem se valer do Código de Defesa do Consumidor para defender seus direitos.
A criação da Secretaria de Defesa do Consumidor está sendo discutida no Ministério da Justiça?
Sobre esse assunto, acho que é o ministro (Eduardo Cardozo) quem tem que responder. É ele que vai dizer como será essa transição. O que eu posso falar é que esse é um sonho para quem faz parte do sistema. Estou há 15 anos na área, vim do Procon, trabalhei na ponta. Mas acho que é o ministro quem deve detalhar como está planejando tudo isso.
Quais são os temas mais importantes para o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) este ano?
A nossa agenda é permanente. Todos os dias, milhões de brasileiros realizam inúmeros contratos. Estamos em um momento positivo da economia, de muito consumo, e as pessoas reclamam de problemas recorrentes. Primeiro, nosso objetivo é diminuir os conflitos. Cumprindo esse lema, há um ganho para a sociedade. Menos custo para o mercado, Estado e consumidor. Com relações mais respeitosas, passamos a ocupar um patamar diferente. Ganha-se mais confiança e, assim, acaba o custo social e econômico.
Além da redução de conflitos, quais serão os outros focos do DPDC em 2012?
Há alguns temas específicos este ano, que começamos a trabalhar em 2011, como o pós-venda. Os defeitos dos produtos incomodaram muito no último ano. Se não há acesso à assistência técnica, a peças de reposição, além de se criar um conflito, existirá um impacto direto na sustentabilidade. Aquilo que é defeituoso vai para o lixo. E com o boom de vendas no Brasil, temos que trabalhar diretamente com o varejo, mostrando os indicadores, dialogando com os setores e trabalhando com apoio do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia(Inmetro). A exigência de qualidade está no Código de Defesa do Consumidor, não vamos inventar uma regra. Queremos aumentar a confiança no produto nacional. Vamos trabalhar bastante isso em 2012.
Há alguma novidade na área de recall programada para os próximos meses?
O monitoramento é um trabalho constante que fazemos. O que queremos lançar, em breve, é um procedimento mais automatizado para esses chamamentos. Estamos preparando um novo sistema, para facilitar ao consumidor a consulta sobre quais são os produtos que precisam de reparo para garantir a segurança. Além disso, daremos mais agilidade ao tráfego de informações entre os fabricantes e o departamento. Atualmente, o processo ainda é manual.
E como será o projeto de proteção dos dados dos consumidores?
Estamos terminando de consolidar a proposta. O Brasil tem uma necessidade imensa de apontar diretrizes para essa área. Hoje, as pessoas não são identificadas olho no olho, mas por perfis, construídos a partir de informações registradas a partir das compras feitas pelas pessoas. Tudo isso circula por aí, mas a titularidade das informações é do cidadão e não há qualquer regulamentação. Qual é o limite que deve ser imposto para o uso? Esse tema é antigo na comunidade europeia, que já estabeleceu regras há mais de 30 anos. Países como Argentina e Uruguai também fizeram a regulamentação. Esperamos entregar o nosso trabalho para a Casa Civil no primeiro semestre deste ano. Lá, farão a última análise. É importante lembrar que abrimos a proposta em consulta pública, recebemos 700 sugestões. Será um ganho para o país, o cidadão e o mercado. Temos depoimentos de que as empresas precisam de segurança jurídica para investir nesse setor.
O que é possível dizer sobre as dificuldades dos Procons em resolver os problemas mais simples, como falhas na cobrança ou entrega?
Hoje, essa demanda começa a migrar para o Poder Judiciário.
Quem responde pelo Procon é o Secretário de Justiça. A informação que eu tenho é que, a cada 10 pessoas que procuram o órgão, oito tem a dúvida sanada e o problema resolvido. Essa é uma média nacional. Mesmo assim, é um dado importante. O que precisa ficar claro é que os Procons têm autonomia. São órgãos vinculados aos poderes locais: estadual e distrital. Por isso, é o governo e os secretários que organizam o sistema. Mas acho lamentável que o consumidor tenha de procurar o Estado, seja por meio do Executivo ou do Judiciário, para resolver problemas simples. Me parece muito mais estratégico que o próprio mercado absorva essa demanda.
É muito comum que as pessoas tenham problemas com as compras virtuais. Alguns sites são feitos apenas para enganar o internauta. Como proteger esses clientes?
O mundo virtual é extremamente novo e o consumidor precisa se preparar para essa realidade. É importante salientar que a fraude e o estelionato ocorrem tanto no mundo físico quanto no virtual. Mas nós temos vários projetos de lei, em andamento no Congresso Nacional, que tentam regulamentar essa realidade, para colocar limites e controle na internet. Do jeito que está, não há fronteiras. Os sites podem estar aqui, mas hospedados em outros países. É preciso discutir qual modelo o Brasil vai adotar para lidar com essas situações. A dica é: não existe almoço grátis. Quando você descobre que um produto está extremamente barato, ou é mentira ou é fruto de fraude, o que é ainda mais grave.
Por qual motivo, setores regulados pelo Estado continuam no topo da lista, com maior índice de queixas dos consumidores?
As agências reguladoras têm que exercer o papel delas dentro das obrigações de defender o consumidor, está na Constituição Federal. Cada segmento tem sua especificidade, mas todas os órgãos precisam encontrar alternativas compatíveis para o desenvolvimento tecnológico do mercado e defender os interesses dos consumidores. Esse é o desafio, criar uma estrutura, regular uma área em que seja possível atrair investimentos e respeitar as garantias individuais. Isso aconteceu na Inglaterra, França e Alemanha. E eles chegaram lá como? Subtraindo direitos? Não. Essa é a chave. O que diferencia um país em desenvolvimento para um desenvolvido, me parece que é isso, compatibilizar, a cada dia, esses interesses. Desenvolvimento, políticas econômicas e garantias ao cidadão. Acho que não é fácil, mas temos lideranças bastante competentes nas agências e no mercado capazes de atingir essa meta.
E o varejo, que não é regulado, mas aparece como um ponto problemático nas relações de consumo?
O setor é regulado pelo Código de Defesa do Consumidor. A responsabilidade do lojista e do varejista é objetiva e solidária, juntamente com quem fabrica e presta o serviço. Hoje, quando entramos no mercado, além do produto, vendem-se crédito e serviço de telefonia. Como funciona essa rede de contratações? Regulada pelo Código. Agora, são os momentos difíceis, de crise, em que se reconhecem os heróis, as lideranças. Esta é uma oportunidade para o varejo. Ter essa responsabilidade de lidar com as pessoas não pode ser um fardo, um ônus, e sim um bônus, um diferencial.
"Desenvolvimento, políticas econômicas e garantias ao cidadão. Acho que não é fácil, mas temos lideranças bastante competentes nas agências e no mercado capazes de atingir essa meta”
Fonte: Correio Braziliense (06.02.2012)