Proposta limita poder da justiça em desições do CADE

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Por Juliano Basile | De Brasília


O Judiciário só deveria rever as decisões do Cade e das agências reguladoras a partir da 2ª instância. Essa proposta, que limita o poder de juízes da 1ª instância de conceder liminares em casos de fusões e aquisições que são reprovadas ou aprovadas com restrições pelo Cade e pelas agências, foi feita ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por dois pesquisadores que analisaram mais de 1,5 mil casos envolvendo vários setores da economia. 

 

"Nós propomos que seria desejável que os processos começassem a partir da 2ª instância", afirmou o economista Paulo Furquim, que é professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e foi conselheiro do Cade. Ele reconhece que, hoje, a Constituição não permite que as empresas sejam proibidas de pedir liminares contra decisões das agências na 1ª instância. Por outro lado, a pesquisa feita por Furquim e pelo advogado e professor da USP Juliano Maranhão mostra que as liminares têm efeitos irreversíveis em vários setores da economia. 

 

"Se a decisão de uma agência não for aplicada e uma empresa falir, a concorrência será prejudicada em definitivo", advertiu Furquim. "Infelizmente, o juiz pode ferir um direito coletivo em prol do direito privado da empresa que recorreu contra a decisão da agência."

 

Os professores identificaram 83 mil processos na Justiça envolvendo agências, desde os anos 1990. Para a amostragem, eles selecionaram 1,5 mil processos contra 13 agências. Ao todo, 80% das decisões das agências são mantidas pela Justiça. O problema é que a espera por um julgamento final pelo Judiciário traz uma incerteza para as empresas de um determinado setor. Elas não sabem se a decisão da agência vai ser aplicada ou não e, com isso, passam a tomar providências em meio a um clima de insegurança. 

 

Isso aconteceu em casos famosos, como no mercado de chocolates, onde o veto do Cade à compra da Garoto pela Nestlé está há oito anos em debate na Justiça. Os concorrentes da Nestlé acompanham o andamento do processo para saber se a empresa será mesmo obrigada a vender a Garoto ou se vai poder continuar com a companhia. Eles vão adotar determinadas estratégias no mercado dependendo da decisão final da Justiça. 

 

Também houve incerteza em casos de menor repercussão, como no setor de vigilância privada, onde um cartel foi condenado e os empresários recorreram ao Judiciário. Por 12 vezes, os juízes mudaram de opinião sobre a condenação e, com isso, pairou uma indefinição no setor: a decisão contra o cartel seria aplicada ou não?

 

Em média, os processos contra as agências demoram 6,5 anos na Justiça. No caso do Cade, a média é um pouco menor: 4,5 anos. No exterior, esses processos costumam demorar um ano apenas. 

 

"Nós verificamos que o Judiciário raramente entra no conteúdo das decisões das agências e quando o faz não é com 'expertise'", afirmou Furquim. "Há custos, incertezas e benefícios da revisão judicial", concluiu. Os benefícios seriam as manifestações dos juízes a respeito do trabalho das agências. Eles servem para aperfeiçoar os procedimentos jurídicos delas. "Ao fim, a eficácia regulatória da agência depende da revisão judicial", explicou o economista. 

 

A pesquisa verificou que as agências que atuam em mais de um setor da economia são as mais contestadas. É o caso do Cade e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Elas sofrem com ações de empresas de diversos setores. Apenas no Cade, mais de 330 decisões antitruste foram contestadas na Justiça. Por outro lado, em 75% desses casos, as decisões do Cade são mantidas pelo Judiciário. 

 

"A Justiça está começando a compreender que é preciso ouvir as agências antes de conceder liminares", avaliou o procurador-geral do órgão antitruste, Gilvandro Araújo. 

Outro ponto identificado pela pesquisa é que as agências setoriais sofrem menos com ações na Justiça. "No início, nós achávamos que a transparência da agência poderia influenciar e que aquelas que realizam julgamentos abertos, com a presença do público, sofreriam menos revisão judicial. Mas não é o que acontece", constatou Furquim. 

 

No Cade, na CVM e na Aneel (energia elétrica), as sessões de julgamento são públicas e as decisões são veiculadas na internet. Mas essas são agências com forte judicialização. "Isso porque o Cade e a CVM são agências horizontais, que atuam sobre vários setores da economia", disse Furquim. Essa atuação multissetorial faz com que a empresa não perca nada se contestar uma decisão do Cade ou da CVM na Justiça. 

 

"No caso da Anatel [telecomunicações], por exemplo, a empresa vive lá, é do setor e pode perder se criticar ou contestar a agência", completou o professor. "Mas a transparência está ligada à qualidade do julgamento e melhora a decisão."

 

Curiosamente, a pesquisa revelou que o fato de a decisão da agência ser unânime não é importante para o Judiciário. Ambas as decisões - unânimes ou por maioria - são contestadas na Justiça. Segundo Furquim, o que determina se um caso vai para a Justiça é se a decisão é extrema - se levou ao desfazimento de um negócio ou a venda de um ativo, como uma fábrica ou marca. 

 

Nesse ponto, os acordos feitos entre empresas e agências evitam que os casos sejam levados à Justiça. Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso da compra da Sadia pela Perdigão. Diante da possibilidade de veto, a BRF Brasil Foods optou por negociar uma solução com o Cade e se comprometeu a vender ativos à concorrência em troca da aprovação do negócio. Com isso, evitou mais um processo na Justiça. 

 

 

Fonte: Valor Econômico (13.02.2012)


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