Processo tributário precisa ser mais equilibrado

Leia em 3min 10s

Por Sergio André Rocha


O sistema tributário brasileiro possui características que impõem uma reflexão cuidadosa. Temos uma legislação tributária complexa, sem que se possa imaginar uma simplificação para o futuro. A tecnicidade da tributação no século XXI mudou a dinâmica do processo legislativo, tornando natural a gestação das leis fiscais no âmbito do Poder Executivo, de modo que as Medidas Provisórias são, normalmente, a certidão de nascimento das regras tributárias.


Por outro lado, a totalidade dos tributos com grande força arrecadatória tem o recolhimento antecipado pelo contribuinte via lançamento por homologação. Assim, são os contribuintes que estão no front da interpretação e aplicação da legislação tributária, cabendo às autoridades fiscais auditar as decisões tomadas por eles.


Ora, em um sistema com as características acima, é imprescindível que o contribuinte tenha acesso a um instrumento célere e confiável de redução da incerteza na aplicação da legislação. No Brasil, tal papel deveria ser exercido pelo processo de consulta.


As principais ressalvas dos contribuintes contra o processo de consulta são a crença de que a resposta da Fazenda sempre levará à maior tributação e a demora na obtenção da resposta.


A primeira objeção não reflete totalmente a realidade. Se não se pode dizer que as soluções de consulta são majoritariamente no sentido que gere a menor tributação, tampouco se pode afirmar que são sempre pela incidência mais gravosa. Contudo, a Fazenda não está aparelhada e organizada para solucionar dúvidas dos contribuintes. Ao menos não em um tempo razoável, o que nos leva para o segundo ponto.


O tempo das decisões empresariais não é o mesmo do de movimentação e decisão da Fazenda. Porém, o hiato entre a necessidade de orientação do contribuinte e a decisão pela autoridade não pode ser tão grande que desencoraje a utilização do processo de consulta.

O processo de consulta seria um instrumento fundamental para a redução da complexidade da legislação tributária. Porém, da maneira como se apresenta hoje, não se presta para tal finalidade.


É necessário repensar o processo. A criação de órgãos com competência por matéria pode melhorar a confiança na resposta apresentada. Algumas indústrias – petróleo e gás, telecomunicações, energia, mercado financeiro, etc. – têm características e operações próprias, cujo conhecimento pode ser essencial para uma resposta. Além disso, há temas como tributação internacional e interpretação de convenções internacionais sobre a tributação da renda e do capital, preços de transferência e planejamento tributário, que também demandam conhecimentos específicos. A especialização, por si só, teria impactos sobre a celeridade da resposta.


Mas é importante que se pense em outros mecanismos. O estabelecimento de prazos para que a resposta seja proferida pode ser um deles. Mais complexo do que um prazo é estabelecer a consequência de seu descumprimento. Uma proposta arrojada seria a atribuição de efeitos positivos ao silêncio da Fazenda. Feita a consulta, não sendo a mesma respondida dentro do prazo legal, poderia a legislação estabelecer que a interpretação dada pelo contribuinte prevalecesse até a resposta da Fazenda. Assim, entendimentos diversos das autoridades fiscais apenas teriam efeitos no futuro.


Há atualmente uma preocupação exacerbada com a carga tributária, e os instrumentos de aplicação da legislação fiscal são deixados de lado. Tanto da perspectiva de aumento de arrecadação quanto do ponto de vista de proteção do contribuinte, um processo tributário justo e equilibrado poderia trazer respostas mais simples para os problemas fiscais do que uma reforma do sistema como um todo.



Sergio André Rocha é sócio de Consultoria Tributária da Ernst & Young Terco e professor visitante da UERJ.


Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (20.03.12)


Veja também

Quem reduzir consumo de energia terá bônus na conta, diz secretário

Bônus será para quem economizar 10% de energia com relação a 2020   O Brasil passa pel...

Veja mais
Confaz prorroga até 31 de dezembro a isenção de ICMS sobre transporte no enfrentamento à pandemia

Convênios prorrogados também amparam empresas, autorizando que os estados não exijam o imposto por d...

Veja mais
Mapa estabelece critérios de destinação do leite fora dos padrões

PORTARIA Nº 392, DE 9 DE SETEMBRO DE 2021   Estabelece os critérios de destinação do le...

Veja mais
Empresa não deve indenizar por oferecer descontos apenas a novos clientes

Não há vedação legal para que fornecedores de serviços ofereçam descontos apen...

Veja mais
Justiça do Trabalho é incompetente para execução das contribuições sociais destinadas a terceiros

A 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ), ao julgar um agravo de petiç&...

Veja mais
Corte Especial reafirma possibilidade de uso do agravo de instrumento contra decisão sobre competência

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu embargos de divergência e reafirmou o entend...

Veja mais
Partidos questionam MP sobre remoção de conteúdo das redes sociais

Seis legendas buscam no STF a suspensão dos efeitos da norma assinada pelo chefe do Executivo federal.   O...

Veja mais
Consumo das famílias cresce 4,84% em julho, diz ABRAS

Cebola, batata e arroz foram os produtos com maiores quedas no período   O consumo das famílias bra...

Veja mais
Lei que prorroga tributos municipais na epidemia é constitucional, diz TJ-SP

Inexiste reserva de iniciativa de projetos de lei versando sobre matéria tributária, a teor do dispos...

Veja mais