Pela primeira vez, a Justiça Federal de Porto Alegre afastou o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) em uma Ação Ordinária. "Por violar os princípios da estrita legalidade tributária, na sua acepção de reserva absoluta de lei, revela-se inconstitucional o FAP", afirma o juiz federal Leandro Paulsen, da 2ª Vara federal Tributária de Porto Alegre, ao proferir a sentença que beneficia 20 mil empresas de comércio farmacêutico no país.
Há muitas decisões sobre FAP na Justiça. Mas, todas elas foram concedidas em ações ordinárias ajuizadas por empresas e outras em Mandados de Segurança coletivos com liminares. A novidade, neste caso, é que o juiz acatou pela primeira vez Ação Ordinária Coletiva em que o réu é a União e a decisão gera efeitos em todo o Brasil, já que a autora é uma entidade de representatividade nacional.
Com a sentença, as empresas poderão escolher apenas as contribuições do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), sem os reflexos do FAP. "Essa decisão, com certeza, vai fazer com que muitas entidades busquem seu direito na Justiça pela Ação Ordinária. Isto porque, até agora, as entidades preferiam entrar com Mandado de Segurança para não correrem o risco de ter de pagar honorários de sucumbência se julgada improcedente", explica o advogado Thiago Taborda Simões, sócio do Simões Caseiro Advogados e que representa a Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFarma) no processo.
Segundo o tributarista, em Mandado de Segurança coletivo a decisão é mais restrita porque o processo é ajuizado contra o delegado da Receita Federal de cada estado, que é considerado a autoridade coatora. Ele explica que neste caso, conseguiu o acolhimento da tese de que vale Ação Ordinária Coletiva, o que é muito raro em se tratando de direito tributário.
Instrumento competente
A União sustentou o descabimento do manejo de Ação Popular para discussões tributárias. Mas, de acordo com o juiz federal, O artigo 8ª, III da Constituição Federal estabelece expressamente que incumbe às associações profissionais e sindicais a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. “Não estamos diante de Ação Popular, cujo escopo é delimitado e expressamente estabelecido por sua norma de regência, mas de Ação Ordinária Coletiva onde a associação dos contribuintes atingidos pela norma impositiva tributária busca demonstrar a antijuridicidade da relação. Trata-se de interesse coletivo clássico, ou seja, a propositura da presente demanda não encontra qualquer óbice na legislação vigente”.
Fator Acidentário de Prevenção
A Lei 10.666/03, regulamentada pelo Decreto 6.957/2009, instituiu o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), índice modulador da contribuição conhecida como Seguro Acidente de Trabalho (SAT).
O índice FAP é um multiplicador do SAT em um intervalo de 0,5 a 2. Com isso, o SAT - que prescreve a incidência de alíquotas de 1, 2 ou 3% sobre a folha de salários da pessoa jurídica - pode ser reduzido pela metade ou majorado em até 100%, de acordo com as estatísticas de acidente do trabalho registradas pela empresa no período base de 12 meses.
A medida visa realizar o primado da igualdade, na medida em que o zelo do empregador com a segurança do ambiente de trabalho importa sua premiação com um FAP redutor (até 0,5), enquanto que por outro lado pune o alto índice de sinistralidade laboral com a majoração da carga tributária (FAP máximo 2)
Inédita, a sentença proferida pelo juiz Leandro Paulsen, da 2ª Vara federal Tributária de Porto Alegre, beneficia 20 mil empresas de comércio farmacêutico no país ao declarar ilegal e inconsistente a fórmula do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). "Por violar os princípios da estrita legalidade tributária, na sua acepção de reserva absoluta de lei, revela-se inconstitucional o FAP", concluiu o juiz na sentença.
Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (21.03.12)
Segue a íntegra da Sentença:
AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 5018632-94.2011.404.7100/RS
AUTOR : ASSOCIACAO BRASILEIRA DO COMERCIO FARMACEUTICO
ADVOGADO : Thiago Taborda Simões
RÉU : UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
SENTENÇA
I - Relatório:
Trata-se de ação ordinária em que a requerente objetiva, em síntese, afastar a aplicação do FAP a ser aplicado sobre as alíquotas do SAT/RAT, de acordo com o grau de risco da atividade preponderante (1%, 2% ou 3%) das empresas substituídas, do Regulamento da Previdência Social.
Relatou que a Lei 8.212/91, em seu art. 22, II, prevê a contribuição social a cargo da empresa a título de SAT. Nesta toada, a Lei 10.666/03 instituiu o FAP - Fator Acidentário de Prevenção, o qual importa em redução pela metade ou majoração pelo dobro do montante da exação devida pelo contribuinte em virtude dos riscos específicos de cada empresa. Com o fito de regulamentar tal indexador, afirmou que o chefe do executivo editou o Decreto nº 6.957/09, enquanto que o Conselho Nacional da Previdência Social - CNPS apresentou as Resoluções nº 1.308/09 e 1.309/09.
Perfilhou inúmeras razões com o fito de ver reconhecida a antijuridicidade da tributação em tela, dentre elas: (a) Incompatibilidade da Lei 10.666/03 com o §9º do art. 195 da Constituição Federal; (b) violação à legalidade tributária; (c) inobservância dos requisitos constitucionais para fixação da alíquota no tributo em questão, etc..
Em 07/06/2011 a magistrada que me precedeu indeferiu pedido liminar formulado pelo requerente.
Citada, a requerida apresentou contestação no bojo do evento 15 do presente processo eletrônico. Preliminarmente sustentou: (a) inadequação da via eleita, e; (b) ausência de interesse processual. Quanto ao mérito, defendeu a constitucionalidade e a legalidade dos critérios de fixação da alíquota do SAT e do FAP, considerando que a base de cálculo da contribuição se encontra definida no art. 22, II, da Lei nº 8.212/91. Segundo alega, o critério de definição do grau de risco também consta do dispositivo legal citado.
Houve réplica.
Vieram os autos conclusos para prolação de sentença.
II - Fundamentação:
PRELIMINARMENTE:
Da inadequação da via:
A União sustentou o descabimento do manejo de ação popular para discussões tributárias. Nesta toada, avocou o art. 1º, parágrafo único da Lei 7.437/85 (LAP) com o fito de fundamentar a aplicação analógica a presente ação coletiva.
Não prospera o presente argumento.
O art. 8ª, III da Constituição Federal estabelece expressamente que incumbe às associações profissionais e sindicais a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. Não estamos diante de ação popular, cujo escopo é delimitado e expressamente estabelecido por sua norma de regência, mas de ação ordinária coletiva onde a associação dos contribuintes atingidos pela norma impositiva tributária busca demonstrar a antijuridicidade da relação. Trata-se de interesse coletivo clássico (pessoas determinadas ligadas por um mesmo liame jurídico), ou seja, a propositura da presente demanda não encontra qualquer óbice na legislação vigente.
No mesmo sentido:
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. NÃO CONSTATADA. AÇÃO ORDINÁRIA COLETIVA. PRETENSÕES QUE ENVOLVAM TRIBUTOS. POSSIBILIDADE. O disposto no § único do artigo 1º da Lei n° 7.347/85, introduzido, originariamente, pela Medida Provisória n.° 1.984-18, de 1º de junho de 2000 e, atualmente, veiculado pela MP 2.180-35, 27.08.2001, o qual giza que não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundamentos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente considerados, aplica-se, tão-somente, à ação civil pública, não alcançando, conforme entendeu o Juízo a quo, as ações ordinárias coletivas.' (TRF4. AC 200870000265707. Rel. Des. Luciane Amaral Corrêa Munch. 2ª Turma. Publ. 18.03.2009)
Nestes moldes, afasto a preliminar.
Da ausência de interesse processual:
Como bem colocou a parte autora, a presente demanda possui cunho declaratório, ou seja, busca-se o reconhecimento de que o Decreto expedido pelo executivo acerca do FAP, bem como a Lei 10.666/03, são incompatíveis com o sistema tributário constitucional e suas respectivas garantias. Logicamente, tal debate poderá trazer efeitos concretos para as empresas que ora são substituídas pela requerente, caso contrário estaríamos diante de mero controle de lei em tese, descabido na via difusa. Não obstante, nesta fase processual tenho como desnecessária a análise do interesse processual existente no caso de cada uma das beneficiárias de eventual procedência da demanda.
Reitere-se que a pretensão autoral cinge-se ao reconhecimento da ilegalidade/inconstitucionalidade da modulação das alíquotas aplicáveis ao SAT (art. 22, II, da Lei 8.212/91) instituída pelas normas infraconstitucionais mencionadas na inicial e no relatório deste julgado. Neste contexto, prospera o argumento brandido pela União de que, eventualmente, algumas das substituídas poderão ter redução de sua carga tributária em decorrência da aplicação do FAP regulamentado pelo Decreto 6.957/09, porém, tal fato não afasta a possibilidade de que haja vício jurídico na legislação de regência, bem como não impede que aquelas empresas prejudicadas pela norma impugnada se valham da eficácia da presente sentença em defesa de seus interesses. Cada caso concreto será devidamente analisado quando eventual sentença de procedência da presente lide seja suscitada na esfera administrativa ou judicial.
Assim, tenho que não há como afirmar que a associação demandante deixou de demonstrar a ocorrência de interesse processual na espécie.
MÉRITO:
Entendo que a inconstitucionalidade do FAP não reside na incompatibilidade da Lei 10.666/03 com o § 9º do art. 195 da Constituição Federal. Ao meu ver, a análise dos riscos envolvidos na atividade empresarial insere-se no critério da 'utilização intensiva da mão-de-obra'.
O que ocorre, sim, é a violação, pelo Executivo, da reserva legal absoluta, ao inovar em sete regulamentar.
A Lei 10.666/03 autorizou, em seu art. 10, que as alíquotas básicas sejam reduzidas pela metade ou majoradas até o dobro, em função do 'desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica', segundo os critérios de frequência, gravidade e custo:
Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
Esse preceito somente foi regulamentado em 2007, pelo Decreto 6.042, que inseriu o art. 202-A no Regulamento da Previdência Social (Decreto 3.048/99), criando um índice para apurar o desempenho específico de cada empresa, denominado Fator Acidentário de Prevenção - FAP.
Tal índice se destina a aferir o desempenho específico da empresa em relação aos acidentes de trabalho, a fim de permitir que a sua contribuição seja graduada de forma específica frente às devidas pelas demais empresas do segmento econômico em que atua. Quanto mais frequentes, graves e onerosos sejam os acidentes de trabalho, tanto maior será a contribuição.
O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,50) a dois inteiros (2,00), que se aplica às alíquotas básicas do SAT, tal como previsto no § 1º do art. 202-A.
A variação do FAP ocorre em função do desempenho da empresa frente aos seus pares, mais precisamente, frente às demais empresas que integram a categoria econômica em que está inserida.
Na concepção original do FAP, dada pelo Decreto 6.042/07, o desempenho específico da empresa era determinado pelo:
distanciamento de coordenadas tridimensionais padronizadas (índices de freqüência, gravidade e custo), atribuindo-se o fator máximo dois inteiros (2,00) àquelas empresas cuja soma das coordenadas for igual ou superior a seis inteiros positivos (+6) e o fator mínimo cinqüenta centésimos (0,50) àquelas cuja soma resultar inferior ou igual a seis inteiros negativos (-6). (art. 202-A, § 2º, do Decreto 3.048/99, em sua redação original, dada pelo Decreto 6.042/07).
Portanto, o FAP variaria em 'escala contínua por intermédio de procedimento de interpolação linear simples' e seria aplicado 'às empresas cuja soma das coordenadas tridimensionais padronizadas esteja compreendida no intervalo disposto no § 2o, considerando-se como referência o ponto de coordenadas nulas (0; 0; 0), que corresponde ao FAP igual a um inteiro (1,00)' (§ 3º do art. 202-A do Decreto 3.048/99, em sua redação original, inserido pelo Decreto 6.042/07 e revogado pelo Decreto 6.957/09).
Essa concepção do FAP, no entanto, jamais foi aplicada. Antes de sê-lo, foi modificada pelo Decreto 6.957/09, que atribuiu pesos diferenciados aos índices parciais.
Atualmente, o FAP é um índice composto, obtido pela conjugação de índices parciais e percentis de gravidade, frequência e custo, com pesos de 50%, 35% e 15%, respectivamente, consoante previsto nos §§ 1º e 2º do art. 202-A do Decreto 3.048/99, na redação dada pelo Decreto 6.957/09:
Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinqüenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
§ 1º O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais, considerado o critério de arredondamento na quarta casa decimal, a ser aplicado à respectiva alíquota. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 2º Para fins da redução ou majoração a que se refere o caput, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis com pesos de cinquenta por cento, de trinta cinco por cento e de quinze por cento, respectivamente. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
O FAP é composto, portanto, por três categorias de elementos: (i) os índices parciais (gravidade, frequência e custo); (ii) os percentis de cada índice; e (iii) os pesos de percentil.
Os índices parciais consideram os seguintes elementos: a frequência é apurada em função dos registros de acidentes e doenças do trabalho; a gravidade, em razão da espécie de benefícios acidentários que ensejaram; e o custo, em função do valor dos benefícios concedidos e da sua duração, de acordo com o previsto no art. 202-A, § 4º, do Regulamento:
§ 4º Os índices de freqüência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
I - para o índice de freqüência, os registros de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT e de benefícios acidentários estabelecidos por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles vinculados; (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
II - para o índice de gravidade, todos os casos de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, todos de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes em razão da gravidade da ocorrência, como segue: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) pensão por morte: peso de cinquenta por cento; (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) aposentadoria por invalidez: peso de trinta por cento; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
c) auxílio-doença e auxílio-acidente: peso de dez por cento para cada um; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
III - para o índice de custo, os valores dos benefícios de natureza acidentária pagos ou devidos pela Previdência Social, apurados da seguinte forma: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) nos casos de auxílio-doença, com base no tempo de afastamento do trabalhador, em meses e fração de mês; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) nos casos de morte ou de invalidez, parcial ou total, mediante projeção da expectativa de sobrevida do segurado, na data de início do benefício, a partir da tábua de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE para toda a população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos. (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
Após se definirem os índices parciais, devem ser apurados os respectivos percentis.
'Percentil' é um termo advindo da estatística. Indica intervalo limitado por dois percentis consecutivos. É utilizado na estatística para ordenar elementos determinados. Para defini-lo, arranjam-se os dados em ordem crescente e encontra-se o valor pretendido. Por exemplo, percentil 35 é o ponto abaixo do qual estão 35% dos casos e acima do qual estão 65% dos casos.
Melhor, portanto, é pensar em 'percentil de ordem'.
Os percentis de ordem são calculados para cada um dos índices parciais. Há um percentil para a gravidade, outro para a frequência e um terceiro para o custo, todos apurados com base nos elementos indicados no art. 202-A, § 4º, do Regulamento.
Desse modo, as empresas são enquadradas em rankings relativos à gravidade, à frequência e ao custo dos acidentes de trabalho.
Na etapa seguinte, os percentis são multiplicados pelo peso atribuído a cada um deles, sendo os produtos posteriormente somados, com o que se chega ao FAP.
Os pesos atribuídos aos índices parciais evidenciam que o FAP confere maior relevância à saúde dos trabalhadores que ao custo dos benefícios: a gravidade e a frequência dos acidentes têm um peso de 85%, muito superior ao do custo econômico das prestações acidentárias (15%).
O complexo cálculo do FAP é realizado pelo Conselho Nacional da Previdência Social - CNPS -, órgão do Ministério da Previdência Social, que tem o mister de publicar tanto os índices parciais por atividade econômica quanto o FAP das empresas, com elementos que possam ensejar a sua impugnação, conforme previsto no § 5º do art. 202-A do Decreto 3.048/99:
§ 5º O Ministério da Previdência Social publicará anualmente, no Diário Oficial da União, sempre no mesmo mês, os índices de freqüência, gravidade e custo, por atividade econômica, e disponibilizará, na Internet, o FAP por empresa, com as informações que possibilitem a esta verificar a correção dos dados utilizados na apuração do seu desempenho.
Como veremos, o CNPS não apenas estipulou a fórmula de cálculo do FAP, mas também estabeleceu limites à sua aplicação.
A metodologia de cálculo do FAP foi determinada pela Resolução 1.308/09 do CNPS e posteriormente alterada, em parte, pela Resolução MPS/CNPS 1.316/10.
Inicialmente, são apurados os índices parciais, definidos da seguinte forma:
Índice de freqüência = número de acidentes registrados em cada empresa, mais os benefícios que entraram sem CAT vinculada, por nexo técnico/número médio de vínculos x 1.000 (mil)
Índice de gravidade = (número de benefícios auxílio doença por acidente (B91) x 0,1 + número de benefícios por invalidez (B92) x 0,3 + número de benefícios por morte (B93) x 0,5 + o número de benefícios auxílio-acidente (B94) x 0,1)/número médio de vínculos x 1.000 (mil)
Índice de custo = valor total de benefícios/valor total de remuneração paga pelo estabelecimento aos segurados x 1.000 (mil)
- auxílios-doença = valor da renda mensal x nº de meses ou frações de meses do afastamento;
- demais = valor da renda mensal x expectativa de sobrevida em meses, segundo a tábua completa de mortalidade do IBGE.
Resumidamente, os índices são compostos da seguinte forma:
Frequência: número de ocorrências (acidentes registrados em CATs + benefícios acidentários definidos pelo NTEP)/ número médio de vínculo x 1000
Gravidade = (número de benefícios x pesos) x número médio de vínculos/1000
Índice de custo = valor (real ou projetado) dos benefícios/valor total das remunerações pagas pelo estabelecimento
Apurados os índices parciais, ordenam-se os resultados de todas as empresas que integram um determinado setor (Subclasse da CNAE). Cada empresa tem seus índices ordenados dentro da categoria, no intervalo que varia de 0 (percentil mínimo) a 100 (percentil máximo), formando-se um 'ranking' dentro de cada Subclasse. Chega-se, assim, aos percentis de frequência, gravidade e custo de cada contribuinte.
Tal procedimento foi definido pela Resolução 1.308/09 do CNPS nestes termos:
2.4 Geração do Fator Acidentário de Prevenção- FAP por Empresa
Após o cálculo dos índices de freqüência, de gravidade e de custo, são atribuídos os percentis de ordem para as empresas por setor (Subclasse da CNAE) para cada um desses índices.
Desse modo, a empresa com menor índice de freqüência de acidentes e doenças do trabalho no setor, por exemplo, recebe o menor percentual e o estabelecimento com maior freqüência acidentária recebe 100%. O percentil é calculado com os dados ordenados de forma ascendente.
O percentil de ordem para cada um desses índices para as empresas dessa Subclasse é dado pela fórmula abaixo:
Percentil = 100x(Nordem - 1)/(n - 1)
Onde: n = número de estabelecimentos na Subclasse;
Nordem=posição do índice no ordenamento da empresa na Subclasse.
Definidos os percentis, eles são multiplicados pelo peso que lhes foi atribuído, sendo os produtos somados e, por fim, multiplicados por 0,02, de modo que se chegaria ao FAP de cada empresa.
Como exposto na Resolução MPS/CNPS 1.316/10, que nesta parte repete a redação da Resolução 1.308/09 do CNPS:
O critério das ponderações para a criação do índice composto pretende dar o peso maior para a gravidade (0,50), de modo que os eventos morte e invalidez tenham maior influência no índice composto.
A freqüência recebe o segundo maior peso (0,35) garantindo que a freqüência da acidentalidade também seja relevante para a definição do índice composto. Por último, o menor peso (0,15) é atribuído ao custo. Desse modo, o custo que a acidentalidade representa faz parte do índice composto, mas sem se sobrepor à freqüência e à gravidade. Entende-se que o elemento mais importante, preservado o equilíbrio atuarial, é dar peso ao custo social da acidentalidade.
Assim, a morte ou a invalidez de um trabalhador que recebe um benefício menor não pesará muito menos que a morte ou a invalidez de um trabalhador que recebe um salário de benefício maior.
O índice composto calculado para cada empresa é multiplicado por 0,02 para a distribuição dos estabelecimentos dentro de um determinado CNAE-Subclasse variar de 0 a 2. Os valores de IC inferiores a 0,5 receberão, por definição, o valor de 0,5 que é o menor Fator Acidentário de Prevenção. Este dispositivo será aplicado aos valores FAP processados a partir de 2010 (vigências a partir de 2011).
Então, a fórmula para o cálculo do índice composto (IC) é a seguinte:
IC = (0,50 x percentil de ordem de gravidade + 0,35 x percentil de ordem de freqüência + 0,15 x percentil de ordem de custo) x 0,02
Exemplo:
Desse modo, uma empresa que apresentar percentil de ordem de gravidade de 30, percentil de ordem de freqüência 80 e percentil de ordem de custo 44, dentro do respectivo CNAE-Subclasse, terá o índice composto calculado do seguinte modo:
IC = (0,50 x 30 + 0,35 x 80 + 0,15 x 44) x 0,02 = 0,9920
A Resolução 1.308/09 do CNPS prosseguia, expondo que o resultado obtido é o FAP da empresa:
O resultado obtido é o valor do FAP atribuído a essa empresa. Supondo que essa CNAE-Subclasse apresente alíquota de contribuição de 2%, esta empresa teria a alíquota individualizada multiplicando-se o FAP pelo valor da alíquota, 2% x 0,9920, resultando uma alíquota de 1,984%.
O FAP corresponderia, portanto, ao índice composto.
A Resolução MPS/CNPS 1.316/10, no entanto, inovou em tal aspecto, ao incorporar critérios aplicativos que o CNPS vinha adotando sem fundamento normativo algum - e estabelecer critérios novos. Dentre tais critérios, sobressaem as fórmulas aplicadas para ajustar o índice composto.
Assim prossegue o texto da Resolução MPS/CNPS 1.316/10:
Aos valores de IC calculados aplicamos:
Caso I
Para IC < 1,0 (bonus) - como o FAP incide sobre a alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, reduzindo-a em até cinqüenta por cento, ou aumentando-a, em até cem por cento, ou seja, o FAP deve variar entre 0,5 e 2,0 (estabelecido na Lei Nº 10.666, de 8 de maio de 2003). A aplicação da fórmula do IC resulta em valores entre 0 e 2, então a faixa de bonificação (bonus = IC < 1,0) deve ser ajustada para que o FAP esteja contido em intervalo compreendido entre 0,5 e 1,0. Este ajuste é possível mediante a aplicação da fórmula para interpolação:
FAP = 0,5 + 0,5 x IC
Para o exemplo citado de cálculo de IC o valor do FAP seria:
Como IC = 0,9920 (IC < 1), FAP = 0,5 + 0,5 x IC = 0,5 + 0,5 x 0,9920 = 0,5 + 0,4960 = 0,9960.
A partir do processamento do FAP 2010, vigência 2011, não será aplicada a regra de interpolação para IC < 1,0 (bonus).
[...]
Caso II
Para IC > 1,0 (malus) - o FAP não será aplicado nesta faixa em sua totalidade (intervalo de 1 a 2) a partir do processamento em 2010 (vigências a partir de 2011), então o valor do IC deve ser ajustado para a faixa malus mediante aplicação da fórmula para interpolação.
A aplicação desta fórmula implica o cálculo do FAP em função de uma redução de 25% no valor do IC calculado:
FAP = IC - (IC - 1) x 0.25.
1. Caso a empresa apresente casos de morte ou invalidez permanente e seu IC seja superior a 1 (faixa malus) o valor do FAP será igual ao IC calculado. Este procedimento equivale a não aplicação da redução de 25% do valor do IC com objetivo de provocar mobilização, nas empresas, para que não ocorram casos de invalidez ou morte;
2. Se os casos de morte ou invalidez permanente citados no item anterior forem decorrentes de acidente do trabalho tipificados como acidentes de trajeto fica mantida a aplicação da redução de 25% ao valor do IC calculado equivalente à faixa malus (IC > 1,0).
O princípio de distribuição de bonus e malus para empresas contidas em uma SubClasse CNAE que apresente quantidade de empresas igual ou inferior a 5 fica prejudicado. Nos casos de empresas enquadradas em SubClasse CNAE contendo número igual ou inferior a 5 empresas o FAP será por definição igual a 1,0000, ou seja, um FAP neutro. Empresas Optantes pelo Simples e Entidades Filantrópicas terão, por definição, FAP = 1,0000, ou seja, um FAP neutro.
O FAP é calculado anualmente a partir das informações e cadastros lidos em data específica. Todos os acertos de informações e cadastro ocorridos após o processamento serão considerados, exclusivamente, no processamento seguinte. Ocorrendo problemas de informações e cadastro que impossibilitem o cálculo do FAP para uma empresa, o valor FAP atribuído será igual a 1,0000. Se no processamento anual seguinte do FAP for averiguado problema que impossibilite, novamente, o cálculo do FAP será atribuído valor igual a 1,5000. A partir do terceiro processamento consecutivo com impossibilidade de cálculo do FAP por problemas de informações e cadastro a empresa terá valor FAP atribuído igual a 2,0000. Ao efetuar a correção que impedia o processamento, a empresa terá o seu FAP calculado normalmente no ano seguinte à correção.
O FAP será publicado com 4 casas decimais e será aplicado o critério de truncamento, ou seja, serão desprezadas as casas decimais após a quarta casa.
Verifica-se que, na regulação atual, o FAP não corresponde invariavelmente ao índice composto, pois sofre o influxo das denominadas 'fórmulas para interpolação' e de regras específicas.
Reputo que o FAP, na forma como criado e regulamentado pela legislação vigente, não se coaduna com garantias fundamentais dos contribuintes, pelas seguintes razões:
Incompatibilidade com os princípios da tipicidade fechada e da reserva de lei tributária
O princípio da tipicidade fechada (também denominado princípio da legalidade material ou da determinação conceitual) é deduzido pela doutrina dos dispositivos constitucionais que embasam diretamente a construção de outras normas, tais como os princípios da legalidade, da separação dos poderes, da igualdade, da certeza e da segurança jurídica. Consiste numa expressão específica desses princípios, encontrando fundamento, portanto, no próprio texto constitucional, interpretado sistematicamente.
Tal princípio impõe ao legislador algo mais do que a mera previsão dos aspectos da norma impositiva: exige que eles sejam previstos com acentuada precisão, de modo a reduzir sensivelmente a vagueza e a ambiguidade dos dispositivos tributários. Veda a adoção de termos e expressões imprecisos a ponto de exigir que o Poder Executivo integre a norma de incidência, vindo a complementar o trabalho do legislador.
Destarte, objetiva conferir segurança jurídica aos contribuintes, permitindo-lhes ter ciência do conteúdo específico de suas obrigações jurídico-tributárias, mediante a simples análise dos preceitos legislativos que regulam o tributo.
Essas imposições também derivam do postulado da reserva de lei, dimensão central do princípio da legalidade em matéria tributária, que atribui à lei formal (ou a atos normativos com força de lei) a tarefa de instituir e majorar tributos, conforme previsto no art. 150, I, da Constituição da República:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
A observância dessa garantia fundamental dos contribuintes ensejou severos questionamentos quanto à legitimidade constitucional da contribuição ao SAT.
Antecedente: o SAT no sistema da Lei 8.212/91
Alegando-se violação aos princípios da determinação conceitual e da reserva de lei, sustentou-se a inconstitucionalidade da contribuição ao SAT instituída pela Lei 8.212/91, em virtude de o seu art. 22, II, veicular uma norma impositiva incompleta, delegando ao Poder Executivo a tarefa de determinar as alíquotas aplicáveis a partir daquelas indicadas pelo legislador (1%, 2% e 3%, variáveis em função do grau de risco de acidentes do trabalho na atividade preponderante da empresa), por meio do enquadramento das empresas nas faixas de graus de risco (leve, médio e grave).
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, não reconheceu a alegada violação ao princípio da legalidade tributária (ou, mais especificamente, da tipicidade fechada), considerando que:
o fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de 'atividade preponderante' e 'grau de risco leve, médio e grave', não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I.
Desse precedente, há uma precisão de relevo para as questões futuras, a saber: a distinção entre delegação pura e delegação técnica. Aquela violaria o princípio da tipicidade fechada, enquanto esta consistiria no mero exercício regulamentar intra legem, sendo legítima desde que: a) esteja baseada em parâmetros e padrões fixados em lei; e b) decorra da necessidade de aferição de dados e elementos concretos.
A Lei 10.666/03 e o FAP
Na conformação atual da contribuição ao SAT também há uma delegação técnica, baseada em parâmetros e padrões fixados em lei e decorrente da necessidade de aferição de dados e elementos concretos.
O problema é que tais parâmetros não foram estabelecidos por completo pela Lei 10.666/03.
Ao autorizar a criação do FAP, a Lei 10.666/03 foi além da Lei 8.212/91 no que concerne à delegação legislativa. Não remeteu à Administração apenas a regulamentação da lei e o enquadramento efetivo das empresas. Delegou também a tarefa de determinar a forma de cálculo do FAP, que levará à alíquota efetiva a ser aplicada aos contribuintes.
Mais precisamente, a Lei 10.666/03 estabeleceu duas delegações que não estavam presentes no regime instituído pela Lei 8.212/91.
A primeira concerne à autorização para a Administração estabelecer ou não o fator que levará à oscilação das alíquotas. A lei não criou um fator e tampouco determinou a sua aplicação a partir de uma data preestabelecida. Simplesmente facultou que a Administração Tributária o fizesse, evidenciando inadmissível delegação da competência legislativo-tributária, compreensiva do poder de modificar a alíquota efetiva da contribuição.
Tal delegação de competência impositiva pode ser identificada com clareza solar quando se constata terem se passado, desde a data em que a criação do FAP foi autorizada pela Lei 10.666/03, mais de seis anos até que começou a ser aplicado pela Administração Tributária, em janeiro de 2010. É fácil perceber que o sistema de quantificação do tributo não foi alterado diretamente pela lei, senão pelo decreto e pelas resoluções do CNPS.
Já a segunda delegação diz respeito ao poder conferido à Administração para determinar o fator, com base nos três índices mencionados (frequência, gravidade e custo). É a própria lei que refere serem os índices 'calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social'.
E de fato, o peso dos elementos de cálculo do FAP somente veio a ser estabelecido pelo art. 202-A do Decreto 3.048/99, inserido pelo Decreto 6.042/07. Como referido há pouco, esse decreto criou um complexo sistema de cálculo do FAP, no qual o fator seria determinado em função do 'distanciamento de coordenadas tridimensionais padronizadas (índices de frequência, gravidade e custo)'. Não demorou para o próprio Poder Executivo se aperceber das imperfeições de tal metodologia de cálculo, que levava a consequências desarrazoadas, e modificá-la pelo Decreto 6.957/09, indicando os elementos que comporiam cada índice parcial, estipulando percentis correlatos e atribuindo pesos diferenciados para cada percentil.
Já a tarefa de definir a metodologia de cálculo desses índices e percentis (de frequência, gravidade e custo) foi delegada pelo regulamento ao Conselho Nacional da Previdência Social (§ 4º).
Com base nessa delegação, as Resoluções 1.308/09 e 1.309/09 do CNPS estabeleceram a metodologia específica de cálculo do FAP, à luz dos critérios pré-determinados pelo art. 10 da Lei 10.666/03 e pelo art. 202-A do RPS.
Portanto, diversamente do que ocorreu no regime pretérito, a alíquota efetiva da atual contribuição ao SAT não foi fixada por completo pela lei. Foi estabelecida tanto pelo art. 22, II, da Lei 8.212/91 (que fixou as alíquotas básicas) quanto pelo art. 202-A do Regulamento da Previdência Social (que definiu a composição dos índices parciais e o peso dos respectivos percentis) e pela Resolução 1.308/09 do Conselho Nacional de Previdência Social (que estabeleceu a complexa fórmula de cálculo do FAP, alterada pela Resolução 1.316/10).
Para elucidar a diferença entre o sistema atual da contribuição ao SAT e aquele consagrado na Lei 8.212/91, é válido recorrer ao seguinte quadro comparativo:
Frente a esse contexto, torna-se extremamente questionável a possibilidade de se estender o leading case do SAT ao sistema criado pela Lei 10.666/03, pelo Decreto 6.042/07 (e alterações) e pela Resolução 1.308/09 do CNPS.
Como visto, entre tal sistema e aquele instituído pela Lei 8.212/91, há uma vultosa diferença quanto à forma de determinação da carga tributária. No sistema da Lei 8.212/91, a própria lei fixava as três alíquotas aplicáveis aos contribuintes, relegando ao decreto apenas o enquadramento concreto dos contribuintes em cada uma das alíquotas previstas em lei. Já no sistema atual, as três alíquotas persistem, mas a Lei 10.666/03 criou um novo critério de quantificação da obrigação tributária, ao facultar ao regulamento reduzir em até cinquenta por cento ou majorar em até cem por cento as alíquotas aplicáveis, em função do 'desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica'.
Todas essas peculiaridades levam à conclusão de que a sistemática autorizada pela Lei 10.666/03 não se assemelha à instituída pela Lei 8.212/91, que foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no leading case sobre a contribuição ao SAT.
Por consequência, é inviável aplicar à conformação atual do SAT o leading case do STF sobre a matéria, atinente ao sistema instituído pela Lei 8.212/91, em que não havia qualquer forma de 'relativização de alíquotas'.
Na metodologia instituída pela Lei 10.666/03, em que as alíquotas oscilam em função do FAP, o SAT viola escancaradamente os princípios da tipicidade fechada e da reserva absoluta de lei, manifestações precípuas do princípio da estrita legalidade tributária, consagrado de forma expressa no art. 150, I, da Constituição da República.
Ilegalidades na regulação e aplicação do FAP
O postulado da preeminência legislativa (ou do primado da lei) é uma das facetas do princípio constitucional da legalidade, ao lado da reserva de lei. Exige que os preceitos legislativos sejam rigorosamente observados pelos seus aplicadores, sempre que não se contraponham à Constituição.
Travas a bonificações
Diante do postulado da preeminência legislativa, revelam-se ilegítimas as restrições infralegais à aplicação do FAP, estipuladas pelas Resoluções 1.308/09 e 1.309/09 (e mantidas pela Resolução 1.316/10) do CNPS.
Tais restrições são denominadas 'travas a bonificações', pois consistem em limites infralegais à aplicação do critério estipulado pela Lei 10.666/03, impedindo que os contribuintes se beneficiem da redução da carga tributária advinda do seu baixo fator de acidentalidade.
A 'trava de mortalidade e invalidez' foi estabelecida pela Resolução 1.308/09 do CNPS, que vedou expressamente a redução da alíquota básica advinda do FAP quando as empresas tenham casos de acidentes com morte ou invalidez permanente, somente permitindo que se afaste essa vedação quando sejam comprovados investimentos de acordo com as regras estipuladas pela autarquia previdenciária.
Nova limitação foi estabelecida pela Resolução 1.309/09 do CNPS, a 'trava de rotatividade', criada com o escopo declarado de 'evitar que as empresas que mantém por mais tempo os seus trabalhadores sejam prejudicadas por assumirem toda a acidentalidade', mas que na realidade objetiva penalizar as empresas com alta taxa de rotatividade, negando-lhes a redução do FAP.
Tais limitações às 'bonificações' são flagrantemente ilegítimas, por afrontarem o postulado da preeminência legislativa.
Ilegal também é a determinação, constante no item 2.5. do anexo à Resolução 1.308 do CNPS, de que, no primeiro ano de aplicação do FAP, a majoração das alíquotas limitar-se-á a '75% da parte do índice apurado que exceder a um', de modo a que não haja majoração superior ao percentual de 75%. Ora, não há fundamento legal algum para essa disposição.
Os exemplos referidos evidenciam que a Administração se avoca o poder de quantificar as obrigações tributárias dos contribuintes e decidir se, como e quando aplica os ditames legais.
É evidente o desrespeito com o princípio da legalidade, pilar fundamental dos Estados de Direito.
Distorções no cálculo do FAP: a 'regra de empate' e a fórmula utilizada para atenuar a redução da carga tributária
Há casos de distorções evidentes no cálculo e na aplicação do FAP.
Dentre eles, sobressai a situação em que empresas com índice zero de acidentes não obtinham o menor percentual, de 0,5. Ora, se a frequência, a gravidade e o custo são zero, como sustentar índice superior ao mínimo legal?
O Diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional justificava tais ocorrências com base no argumento de a lei 'dizer que o contribuinte sofrerá uma comparação com relação a seu desempenho na atividade econômica', o que legitimaria o procedimento adotado pelo MPS, de não atribuir o percentil mais benéfico aos contribuintes, calculando o seu percentil, ao invés, com base na posição média da empresa.
Se houvesse 201 empresas com o índice zerado, nenhuma delas receberia o percentil zero. Todas elas receberiam o percentil 101, que corresponde à sua posição média.
Em artigo recentemente publicado, sustentamos que tal solução 'é tão absurda quanto a de atribuir a terceira (e não a primeira) colocação a todos os cinco participantes de uma maratona que arrebentassem juntos a faixa de chegada', advertindo que, 'para o Fisco, não há vitoriosos. Todos os contribuintes perdem, mesmo aqueles que logram a excelência máxima em matéria de prevenção de acidentes de trabalho'.
Felizmente, o CNPS percebeu a injustiça que estava cometendo e corrigiu-a em parte, ao incorporar, na Resolução 1.316/10 (publicada no D.O.U. de 15/06/2010), uma exceção à 'regra de empate', de modo a atribuir o FAP 0,5 a todos os contribuintes que não têm registros de acidente de trabalho.
Sem embargo, nos demais casos o CNPS não confere o percentil mais benéfico aos contribuintes empatados na mesma posição. Continua calculando-o com base na sua posição média.
Ademais, em contrapartida à exceção criada para as empresas com índice zero de acidentes de trabalho, a Resolução 1.316/10 criou uma sanção tributária às empresas que tenham deixado de apresentar notificação de acidente ou doença do trabalho, fixando o seu FAP no patamar máximo (2,000), 'independentemente do valor do IC calculado', ou seja, em flagrante contrariedade aos ditames legais.
A impropriedade da metodologia de percentis deu ensejo a uma nova ilegalidade: a proibição de aplicação do FAP para contribuintes enquadrados em subclasse da CNAE que seja composta por cinco ou menos empresas. Essa vedação, prevista na Resolução 1.316/10, não tem fundamento legal algum. Decorre das extremas dificuldades enfrentadas para se aplicar, com correção e justiça, o sistema de percentis criado pelo Decreto 6.957/09.
Um terceiro caso de distorção aplicativa diz respeito à fórmula de cálculo expressa para as empresas com Índice Composto inferior a um. O FAP deveria corresponder ao índice, mas o CNPS veio a adotar nova fórmula para chegar a tal fator. Eis a fórmula, divulgada originalmente no site do MPS e posteriormente incorporada na Resolução 1.316/10:
FAP = 0,5 + 0,5 x IC
Tal fórmula leva a distorções significativas, como se vê quando aplicada a uma empresa com IC 0,5575:
FAP = 0,5 + 0,5 x IC
IC = 0,5575
Logo,
FAP = 0,77875 (0,5 + 0,5 x 0,5575)
Segundo os critérios da Resolução 1.308/09 do CNPS, o FAP era de 0,5575. Porém, pela fórmula originalmente destituída de base normativa (e posteriormente inserida no bojo da Resolução 1.316/10), o fator passou para 0,77875, resultando numa majoração da carga tributária de quase 40%. A impropriedade é tal que a própria Resolução 1.316/10 restringiu a aplicação dessa fórmula ao FAP 2010, sem pretender estendê-la aos exercícios posteriores, o que talvez se explique pelo fato de o CNPS já antever que essa fórmula ilegal fatalmente será rechaçada pelo Poder Judiciário. (VELLOSO, Andrei Pitten, 'O FAP e o arbitrário reenquadramento das empresas nas faixas de risco do SAT/RAT', in: Revista Dialética de Direito Ttributário, nº 180, setembro/2010).
Refiro, ainda, que este Juízo já havia se pronunciado liminarmente em demandas análogas numa visão crítica do leading case do SAT, na sua regulação original:
'Quanto ao mérito, tenho que há, sim, forte fundamento de direito a amparar a pretensão da Impetrante. Aliás, diversos fundamentos, todos relevantes.
Efetivamente, ainda que a atribuição do FAP seja da competência de outro órgão, implica violação aos direitos do contribuinte, a exigência, pelo Delegado da Receita Federal do Brasil de contribuição apurada de modo inválido, com amparo em atos administrativos inválidos, imotivados ou com violação ao devido processo legal.
Isso porque, se de um lado, é certo que o STF outrora entendeu que a norma tributária impositiva da contribuição ao SAT(RAT) não padecia de inconstitucionalidade, não há dúvida, de outro, de que assim concluiu mediante raciocínio formalista, contentando-se com a referência à base de cálculo e a alíquotas de 1% a 3%.
Desde aquela época, contudo, restava claro que não era possível determinar, com suporte na lei, o montante devido e que não se tratava de norma tributária em branco que deixasse ao Executivo simplesmente agregar dados empíricos, mas, sim, que delegava ao Executivo juízos de valor que implicariam verdadeira integração normativa da norma tributária impositiva, com violação à legalidade tributária.
O STF, pois, na época, acabou 'dando corda' para o Executivo, de maneira que prosseguiu este regulamentando à matéria, o que culmina, agora, com a questão do FAP, prevista na Lei 10.666/03 e regulamentada pelo Decreto 3.048 e demais atos normativos referidos nesta peça.
A sujeição da contribuição ao SAT ao controle de legalidade pelo STJ fez com que se impedisse a consideração da atividade preponderante da empresa como um todo, é verdade, dando origem à Súmula 351 daquela Corte. A questão retorna, agora, no âmbito do FAP, quando é atribuído de modo unitário a cada empresa considerado seu ramo de atividade e desempenho geral e não em função das condições e dados de cada estabelecimento.
Ademais, outras questões que não encontravam sequer especificação em lei ordinária e, pois, que implicavam inovação cujo contraste com a lei não se viabiliza, jamais foram enfrentadas. Tratava-se de inovações invadindo a reserva de lei, violação que o próprio STF deveria ter censurado e que agora estão sendo discutidas no Judiciário como uma espécie de reflexo da permissividade que autorizou ao Executivo manter atribuições normativas que não lhe são próprias.
No caso dos autos, questionam-se nova definição das alíquotas do SAT e, também, a atribuição do FAP, que faz com que a alíquota concreta de cada empresa sofra variações enormes.
Em muitos casos, empresas que vinham recolhendo o adicional ao SAT à alíquota de 1% sofreram com as novas normas elevação para 3,25%.
Veja-se que, sem lei, supostamente pela simples apuração de elementos empíricos, a alíquota restou, em concreto, multiplicada quase que por quatro e isso sem que sequer tenha sido dado às empresas o conhecimento acerca da sua classificação dentro da sua sub-classe CNAE, ou seja, a sua situação relativamente às demais empresas do seu ramo de atividade.
As irregularidades parecem ser inúmeras. Desde a invasão de espaço reservado à lei em sentido estrito, como a ilegalidade decorrente do critério unitário já referido, passando pela a violação de Decreto por Portaria Interministerial, ausência de motivação com fundamento em dados empíricos devidamente apurados e inobservância do devido processo legal.
Quanto à hierarquia normativa, por exemplo, é certo que não apenas as leis devem observância à CF, como os Decretos devem adequação à lei e os demais atos normativos infralegais devem adequação ao Decreto, sob pena de invalidade. Conforme o art. 84, IV, da CF, cabe ao Presidente da República a Regulamentação da lei através de Decreto. Na seqüência, o CTN, em seu art. 100, dispõe expressamente no sentido de que 'os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas' são normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos.
Há, pois, uma hierarquia entre o Decreto, que está acima, e as normas complementares consistentes em outros atos normativos infralegais (instruções normativas, portarias, ordens de serviço), que estão abaixo.
A cobrança de tributo mediante atividade administrativa plenamente vinculada (art. 3º do CTN), aliás, por si só implica ainda mais: faz com que cada autoridade respeite as normas a que está sujeita e que só em conformidade com as mesmas expeça atos normativos complementares para maior detalhamento das ações de seus subordinados. Existindo, pois, uma pluralidade de atos normativos sobre a mesma matéria, impende observar se foram editados com competência para tanto e com observância dos atos que orientam a própria autoridade ou órgão expedidor da norma, sob pena de nulidade.
Daí porque as previsões constantes da Portaria Interministerial MPS/MF, de 10/12/2009 quanto ao julgamento das 'contestações do fap' são inválidas. Desbordaram do que o Decreto 3.048, com suas diversas alterações, inclusive as decorrentes do Decreto 6.957/09, estabelece em seus arts. 303, § 1º, I, e 308. Efetivamente, ao alterar o órgão para conhecimento do inconformismo do contribuinte, suprimir recurso e olvidar o reconhecimento do seu efeito suspensivo, extrapolou sua esfera normativa, afrontando o Decreto que a condicionava.
Desde já, pois, frente à adoção de critério ilegal (não consideração de cada estabelecimento em separado) e à ausência de divulgação da classificação da empresa na sub-classe CNAE, já se dispõe de elementos suficientes para reconhecer a presença do requisito necessário à concessão da liminar, devendo-se proteger o contribuinte contra o sacrifício à segurança jurídica, nos seus conteúdos de certeza do direito e de devido processo legal.
Ante o exposto, DEFIRO MEDIDA LIMINAR para determinar à autoridade que se abstenha de exigir a contribuição ao SAT pela nova alíquota concreta que resultou dos novos enquadramentos em graus de risco e da atribuição do FAP, suspendendo-se a exigibilidade do crédito tributário correspondente, a teor do art. 151, IV, do CTN, sendo certo que as substituídas do impetrante devem permanecer recolhendo a contribuição conforme os critérios anteriores.'
Por violar os princípios da estrita legalidade tributária, na sua acepção de reserva absoluta de lei, revela-se inconstitucional o FAP, de modo que assiste à parte autora o direito a calcular a contribuição ao SAT sem os seus reflexos, ou seja, de acordo com o regime antes vigente, com observância da Súmula 351 do STJ.
Poderão os substituídos da requerente buscar a compensação do indébito tributário, nos termos do art. 66 da Lei 8.383/91, art. 39 da Lei 9.069/95 e 89 da Lei 8.212/91.
Anoto que o valor a ser compensado será acrescido de juros obtidos pela aplicação da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, a partir do mês subsequente ao do pagamento indevido ou a maior que o devido até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada (art. 89, § 4º, da Lei nº 8.212/91).
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para:
1. declarar o direito da impetrante: a) à não-aplicação do FAP, o que lhes obriga a recolher a contribuição ao SAT nos termos da legislação pretérita; b) à compensação - após o trânsito em julgado desta sentença - de eventuais valores pagos a maior, com parcelas vincendas da contribuição previdenciária sobre a folha de salários, nos termos da fundamentação;
2. determinar à autoridade coatora que respeite tal direito, o que obviamente não lhe retira o ônus de aferir a regularidade do seu exercício.
Custas pela impetrada.
Sem condenação em honorários (art. 25 da Lei 12.016/09).
Publique-se e intimem-se eletronicamente.
Eventuais apelações interpostas pelas partes restarão recebidas no efeito devolutivo (art. 14, § 3º, da Lei n.º 12.016/2009), salvo nas hipóteses de intempestividade e, se for o caso, ausência de preparo, as quais serão oportunamente certificadas pela Secretaria.
Interposto(s) o(s) recurso(s), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contra-razões. Decorrido os respectivos prazos, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Porto Alegre, 01 de março de 2012.
Leandro Paulsen
Juiz Federal
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Documento eletrônico assinado por Leandro Paulsen, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7829439v6 e, se solicitado, do código CRC E8F44BDE.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Leandro Paulsen
Data e Hora: 02/03/2012 15:52
Fonte: Justiça Federal da 4ª Região (22.03.12)