A principal blindagem para a indústria do setor de cartões de crédito e débito, que continuou em crescimento mesmo em meio à crise financeira, pode acabar. Com a possibilidade de aprovação de emenda à MP 460, que permitirá aos estabelecimentos praticarem preços diferenciados para cartões, dinheiro e cheque, na Câmara, o setor já espera desaceleração na migração para meios eletrônicos de pagamento.
A Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) admite, por meio de comunicado oficial, "que a regra de não sobrepreço foi e é importante para o aumento da penetração do cartão de crédito". A associação ainda entende que o assunto deveria ser debatido e negociado, antes de uma aprovação. "O preço diferenciado é uma prática que sempre foi combatida pelos órgãos de defesa do consumidor, e a Abecs entende que esse tópico deve ser discutido e negociado com os organismos de defesa do consumidor."
Ainda segundo a Abecs, o crescimento da indústria pode desacelerar com a medida. "A Abecs informa ainda que a taxa média anual de crescimento da indústria brasileira de cartões nos últimos anos girou em torno de 20%, e esse forte incremento está relacionado em grande medida com a maior aceitação do plástico como meio de pagamento, reflexo da garantia de recebimento do crédito para o lojista e maior poder de compra para o portador".
O sócio diretor da Partner Conhecimento, Alvaro Musa, concorda com a entidade. "Desestimular o uso do cartão vai na contramão de tudo o que se está fazendo para facilitar a vida econômica da população", diz.
"Uma medida dessas não pode ser tomada dessa forma, isoladamente e fora de contexto. Teria que haver uma discussão", diz, comparando com a regulamentação proposta pelo Banco Central. A autoridade monetária levou as medidas a serem adotadas à consulta pública e deve emitir um parecer sobre o assunto no dia 20 de setembro.
A emenda, por outro lado, já foi rejeitada na Câmara uma vez. Seu autor, o senador Adelmir Santana (DEM-DF), porém, conseguiu incluí-la na MP do programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida", para uma nova votação.
Musa acredita que uma eventual aprovação da proposta poderia ter efeitos colaterais negativos até para o comércio. "O estímulo ao cheque pode travar o sistema e prejudicar vendas", diz.
Por conta do processo de mudança pelo qual passa o setor de cartões, ainda não há previsão de crescimento para 2009. "Precisamos esperar que propostas serão aceitas. Os números serão reavaliados conforme as medidas de estímulo e desestímulo que entrarem em vigor".
Segundo dados da Abecs, o total transacionado por cartões em 2009, até abril, chegou a R$ 33,5 bilhões, um crescimento de 20% em relação ao mesmo período do ano anterior. No total, 2008 chegou a R$ 335,4 bilhões em transações, um crescimento de 24% em relação à 2007.
"O desempenho do setor continuará em crescimento. Hoje em dia, o ticket médio das compras caiu muito e o cartão é cada vez mais usado no dia a dia", garante sócio diretor da Partner Conhecimento.
Debates
Para Alvaro Musa, que também é responsável pela realização do Congresso de Cartões e Crédito ao Consumidor (C4), maior evento latino-americano na área de cartões de crédito e crédito direto ao consumidor, o mercado deve ter foco também em outras discussões importantes para o setor. "Elegemos como tema central do congresso o crédito consciente. Possuímos um poderosíssimo meio de pagamento, porém quando mal usado pode causar danos irreparáveis". Segundo ele, o sistema financeiro "deve e está fazendo um esforço para conscientizar seus consumidores. Isso implica uma disciplina dos bancos e bancários, que não poderão mais ser medidos pelos volumes emprestados". Para o executivo, o assunto não sairá solucionado. "O ideal, no entanto, seria sairmos com um programa de conscientização", projeta.
O C4 deverá olhar ainda para as novas tecnologias e a convergência dos meios de pagamento. "O celular principalmente, que deve ser a bola da vez em pagamento eletrônico". Além disso, as regulamentações propostas para o setor deverão estar em debate. "A ideia é que as pessoas discutam e comentem a direção para onde está caminhando a indústria".
Segundo Musa, a discussão é bem-vinda e importante, porque "a indústria de cartões se tornou importante". "É hora de criar uma regulamentação, porém o ideal seria uma autorregulamentação, de consenso entre as partes".
Para ele, o Banco Central acabou centralizando demais o debate, sem abri-lo para os interessados. "Se eu quiser saber o que foi proposto na consulta pública, por exemplo, não conseguirei. Conheço as propostas da Abecs porque estão publicadas em seu site", compara.
Veículo: DCI