Apesar de ainda haver meios para escapar da penhora on-line, o volume de recursos bloqueados em contas bancárias continua crescendo. Foram congelados R$ 22 bilhões em 2011 para pagamento de credores em todo o país - 10% a mais em relação ao ano anterior, quando se alcançou R$ 20,1 bilhões. No ano passado, foram encaminhadas às instituições financeiras 4,5 milhões de requisições eletrônicas de informações e ordens de bloqueio, desbloqueio e transferência de valores.
O Grupo Gestor do Sistema de Atendimento ao Poder Judiciário (Bacen-Jud) pretende, porém, fechar algumas saídas encontradas por devedores para escapar do bloqueio on-line. Recentemente, o grupo decidiu encaminhar ao Banco Central um pedido de inclusão de cooperativas, corretoras de valores e demais instituições não bancárias no Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS). Com isso, elas passariam a receber ordens diretas para cumprir determinações judiciais, como ocorre hoje com os bancos públicos e privados.
A migração de recursos para cooperativas de crédito foi identificada há pelo menos dois anos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas as providências só começaram a ser tomadas recentemente. Hoje, a movimentação de recursos financeiros pelas cerca de mil instituições no país, com cerca de três milhões de associados, é pequena, de acordo com o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Marivaldo Dantas de Araújo. Representa em torno de 3% do volume total de depósitos no país. "Queremos fechar esse caminho para fazer o devedor pagar o que deve", diz o magistrado.
Empresas e pessoas físicas, porém, continuam usando a criatividade para escapar da penhora on-line, segundo advogados. Uma das saídas encontradas foi a criação de holdings administrativas para centralizar entrada e saída de recursos financeiros. Também tentam driblar o sistema por meio de correspondentes bancários - com o cruzamento de recebíveis e contas a pagar - ou mesmo com aplicações em planos de previdência privada. Apesar disso, o volume de recursos bloqueados continua crescendo. Entre 2005, quando começou a funcionar a nova versão do Bacen-Jud - batizada de 2.0 -, e 2011, foram feitas 21 milhões de solicitações e o bloqueio de pouco mais de R$ 100 bilhões. A Justiça Estadual respondeu por 49% do total de pedidos. A trabalhista, por 45%. O 6% restantes vieram da Justiça Federal.
Boa parte dos juízes do país utiliza o Bacen-Jud. O cadastro no sistema é obrigatório e foi reforçado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida em dezembro. Os ministros, por maioria de votos, consideraram válido um ato do CNJ que obrigou todos os magistrados, com função executiva, a se inscrever. Porém, o uso continua facultativo. No julgamento, o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que "o julgador é absolutamente livre para determinar a penhora ou se a penhora se dará pelo sistema Bacen-Jud".
Com isso, continuam ainda a ser expedidos ofícios em papel. No ano passado, chegaram a 57,5 mil, praticamente estável em relação ao ano anterior. Neste ano, apesar da decisão do Supremo, a caneta continua a ser usada por magistrados. Foram 13,1 mil pedidos em papel até agora, ante a 1,1 milhão por meio do sistema eletrônico, segundo estatísticas divulgadas pelo Banco Central.
Apesar dos avanços tecnológicos do sistema, ainda é comum a penhora de recursos em várias contas bancárias de devedores. O problema é reconhecido pelo grupo gestor do Bacen-Jud. No site do Banco Central, há a informação de que "o bloqueio múltiplo pode ocorrer quando uma conta/agência/instituição não é especificada". A explicação é de que a ordem é encaminhada "a todas as instituições que cumprirão a decisão judicial de forma independente umas das outras, podendo-se, assim, ultrapassar o valor determinado pelo magistrado". Há, porém, poucas contas de empresas cadastradas. Na Justiça do Trabalho, apenas 10.318.
"O Bacen-Jud é um sistema que só funciona contra o bom pagador", critica o advogado Danilo Pereira, do Demarest e Almeida Advogados. "Afinal de contas, mau pagador não tem dinheiro em conta." Além dos conhecidos bloqueios múltiplos, clientes do profissional já foram surpreendidos por penhoras on-line expedidas sem o envio de notificação. Juízes trabalhistas usam o Código de Processo Civil para intimar o suposto devedor por meio de diário oficial, mesmo com regra expressa na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determinando a citação pessoal do devedor.
Outras vezes, segundo o advogado, o bloqueio é realizado sem que haja qualquer determinação prévia de pagamento espontâneo, principalmente quando a execução se volta contra terceiros que não participaram do processo de conhecimento. Com isso, empresas acabam, da noite para o dia, com recursos em contas bancárias bloqueados. "Bons pagadores não precisam sofrer a violência de uma penhora eletrônica", diz Pereira
Para evitar surpresas e o trabalho lento de desbloqueio, muitas vezes feito por meio de ofícios em papel, empresas estão preferindo fechar antecipadamente acordos em ações de consumidores e trabalhadores, segundo o advogado Sergio Presta, do Azevedo Rios, Berger, Camargo e Presta Advogados e Consultores. "As companhias estão preocupadas com a imagem. As negociações também reduzem o impacto das discussões judiciais nos balanços", acrescenta o profissional, que defende uma grande instituição financeira.
Conselho aperfeiçoa sistemas
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está buscando o aperfeiçoamento de outras duas ferramentas utilizadas pelos magistrados para localizar bens de devedores: o Renajud, sistema eletrônico de restrição judicial de veículos, e o Sistema de Informações ao Judiciário (Infojud), utilizado para acesso a informações econômico-fiscais de pessoas físicas e jurídicas.
Desde o fim do ano passado, os magistrados podem delegar o trabalho de pesquisa no Infojud a servidores. Três deles podem ser cadastrados. Até então, isso não era permitido, o que desestimulava o uso da ferramenta, criada em meados de 2007. Somente os juízes tinham o acesso direto às informações da Receita Federal para localização de outros bens.
Em relação ao Renajud, o Conselho solicitou ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) a liberação de mais informações sobre os veículos comercializados por meio de leasing. Nesses casos, segundo o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Marivaldo Dantas de Araújo, é difícil localizar os verdadeiros donos dos carros, que ficam em nome das instituições financeiras.
Arthur Rosa - De São Paulo
Fonte: AASP – Associação dos Advogados de São Paulo (17.04.12)