Ao tomar posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Carlos Ayres Britto pediu moralidade e probidade aos integrantes do Executivo e do Legislativo.
"A moralidade tem na probidade administrativa o seu mais relevante conteúdo, pois a sua violação pode acarretar a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao Erário", afirmou Britto, em seu discurso de posse, ao lado da presidente Dilma Rousseff e da presidente em exercício do Senado, Marta Suplicy (PT-SP).
O ministro advertiu que cabe ao Judiciário julgar ações penais contra servidores do governo e políticos que cometem crimes. "A Constituição rima Erário com sacrário", disse Britto, conhecido por fazer trocadilhos em seus votos e discursos no STF.
Para o ministro, que também vai presidir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Judiciário deve evitar o desmando, o desgoverno e o descontrole dos demais Poderes. "Os magistrados não governam. O que eles fazem é evitar o desgoverno."
Segundo o novo presidente do STF, "para os magistrados sempre vigorou a Lei da Ficha Limpa". O ministro é um fiel defensor da lei que impede a candidatura de políticos que sofreram condenações a partir da segunda instância da Justiça. "Mais que impor respeito, o Judiciário tem que se impor ao respeito", afirmou.
Britto vai comandar o STF até 18 de novembro deste ano, quando completará 70 anos. Ele substitui o ministro Cezar Peluso, que vai se aposentar em 3 de setembro também ao fazer 70 anos.
Um dos maiores desafios do novo presidente será o de julgar o processo do mensalão. O novo vice-presidente, ministro Joaquim Barbosa, é o relator do processo que, para entrar na pauta e ser julgado, depende da liberação pelo revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Por enquanto, não há previsão de data para o início do julgamento.
Na gestão de Britto, o STF também terá de decidir grandes temas sociais e econômicos. Na cota dos casos de grande interesse social está a definição sobre a cota para negros nas universidades e a destinação de terras para comunidades quilombolas. Na cota dos processos de interesse econômico há o julgamento sobre a possibilidade ou não de correção das contas que foram bloqueadas nos planos econômicos e a incidência de ICMS na base de cálculo da Cofins. O caso dos planos econômicos pode implicar em perdas de até R$ 105 bilhões para bancos públicos e privados. Já o processo envolvendo o ICMS na base da Cofins vale R$ 15 bilhões de arrecadação anual para o governo.
Mesmo com todos esses casos importantes esperando julgamento, Britto simplificou a tarefa que terá no comando do Judiciário ao dizer que ela será a de cumprir a Constituição. Ele começou o seu discurso citando uma conversa com um guardador de carros que, ao ver que ele não tinha trocado para lhe oferecer, teria respondido: "Ministro, o senhor não me deve nada. Basta cumprir a Constituição".
Britto defendeu um pacto pró-Constituição ao lado do Executivo e do Legislativo. "O que me parece simples e ao mesmo tempo necessário é um pacto do mais decidido, reverente e grato cumprimento da Constituição", afirmou. "A Constituição conferiu aos magistrados a missão de guardá-la por cima de pau e pedra", completou.
O ministro também enumerou os requisitos mínimos para os magistrados julgarem os processos: preparo técnico; equilíbrio emocional; tratar as partes com consideração; lembrar que juiz não é parte interessada no processo; não se ater somente aos autos do processo; distinguir as normas e utilizar os dois lados do cérebro (o lado direito, que é o emocional e o lado esquerdo, que é o do pensamento). "O Legislativo não é obrigado a legislar, mas o Judiciário é obrigado a julgar", enfatizou. "Juiz não é traça de processo nem ácaro de gabinete."
Além de guardadores de carros, o discurso de posse foi marcado por citações de filósofos e pensadores do direito. O ministro lembrou Rudolf Von Ihering para dizer que o Judiciário detém o monopólio da interpretação e da aplicação das normas na sociedade. E enveredou por Tobias Barreto, sergipano como ele, para afirmar que: "O direito não é só uma coisa que se sabe, mas também uma coisa que se sente".
Britto é natural de Própria, no interior do Sergipe. Ele é o primeiro representante daquele Estado a comandar o STF. O ministro fez questão de citar o seu ídolo Roberto Dinamite, o cartunista Ziraldo, o ator Milton Gonçalves, a cantora Daniela Mercury, que entoou o hino nacional no plenário do STF, e as jornalistas Dora Kramer e Leda Nagle. Ao falar dos jornais, defendeu a liberdade de imprensa, que, segundo ele, se enlaça com a democracia.
Ao fim do discurso, o ministro Ayres Britto homenageou Rita, sua mulher, "rubra como a pele das manhãs ainda no talo das madrugadas, doce como o gosto da minha vida".
Por Juliano Basile, João Villaverde e Yvna Sousa | De Brasília
Fonte: Valor Econômico (20.04.12)